Já em alta pela manhã em razão de questões técnicas típicas de fim de mês e certa cautela pré-carnaval, o dólar ganhou mais força ao longo da tarde e superou o nível psicológico de R$ 5,90, em meio a uma confluência de fatores internos e externos que aumentaram a percepção de riscos dos investidores.
Primeiro, analistas apontaram desconforto com a surpreendente nomeação da presidente do PT, Gleisi Hoffmann, para a Secretaria de Relações Institucionais (SRI), responsável pela articulação política do governo – o que levou o dólar a superar a linha de R$ 5,88. Gleisi é crítica de medidas de controle de gastos fiscal e da alta dos juros para conter a inflação.
Em seguida, houve um aumento da percepção de risco no exterior com o bate-boca entre o presidente dos EUA, Estados Unidos, Donald Trump, e o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, no Salão Oval da Casa Branca, que envolveu também o vice-presidente americano, J.D Vance. Após o entrevero, Trump disse que Zelensky “não está pronto para a paz”.
Acompanhando o fortalecimento da moeda americana no exterior, tanto em relação a divisas fortes quanto emergentes, o dólar à vista, que rondava os R$ 5,89, subiu mais um degrau e ultrapassou o patamar de R$ 5,90, registrando máxima a R$ 5,9178 na reta final do pregão.
A moeda americana encerrou o dia em alta de 1,50% em relação ao real, a R$ 5,9163. Foi o terceiro pregão seguido de valorização do dólar, que atingiu a maior cotação de fechamento desde 24 de janeiro (R$ 5,9186) e encerrou a semana com ganhos de 3,24%. Com isso, a divisa, que passou boa parte de fevereiro em queda, terminou o mês com valorização de 1,37%, após recuo de 5,56% em janeiro. No ano, o dólar recua 4,87% em relação ao real.
A economista-chefe da Armor Capital, Andrea Damico, observa que a nomeação de Gleisi afetou bastante o comportamento do câmbio hoje, mas ressalta que o ambiente global é de dólar mais forte em razão da perspectiva de imposição de tarifas de importação pela administração Trump.
“Se Trump implementar tudo que está prometendo, pode ter impacto de mais de 1% na inflação americana. E o Federal Reserve não vai ter espaço para cortar juros e pode até ter que subir. Temos aí o dia 4 de março que vai ser um marco importante para saber como o dólar vai reagir”, afirma Damico, em referência à entrada em vigor das tarifas de 25% para México e Canadá, que haviam sido suspensas, e a possibilidade de tarifa adicional de 10% sobre a China.
Parte da alta do dólar pela manhã era atribuída à busca dos investidores por segurança, uma vez que o mercado local estará fechado nos dias 3 e 4 de março, em razão do carnaval. Havia também fatores técnicos como a disputa pela formação da última taxa ptax de fevereiro e a rolagem de contratos no segmento futuro.
O economista-chefe da corretora Monte Bravo, Luciano Costa, também relaciona a alta do dólar pela manhã à cautela tem torno da reação dos mercados a entrada em vigor das tarifas no dia 4, mas observa que a nomeação de Gleisi provocou uma deterioração adicional de todos os ativos domésticos.
“A justificativa para esse movimento é talvez a tensão que traz a posse da ministra nessa posição, que é importante com relação à negociação das pautas de reformas e de medidas econômicas com o Congresso”, afirma Costa.
A chegada de Gleisi ao Planalto é vista por analistas como um sinal de que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, premido pela queda de popularidade, pode estar inclinado a adotar medidas vistas como populistas pelos investidores. Há receio também de que haja atritos com o grupo de partidos que compõe o chamado Centrão, considerado essencial para aprovação das pautas do governo. Gleisi assume a posição no lugar de Alexandre Padilha, que foi deslocado para o ministério da Saúde.
Após ressaltar que Gleisi é “muito próxima ao presidente Lula” e crítica da agenda economia de Haddad, o analista político da Warren Investimentos, Erich Decat, levanta hipóteses sobre o comportamento de Gleisi como ministra.
“Vai atirar pedras como fez inúmeras vezes ou vai ajudar na construção de uma maioria dentro do Congresso, entorno da agenda Haddad?, questiona Decat. “A ausência do Centrão no núcleo duro do governo o exime de assumir qualquer compromisso, no curto, é principalmente no médio e longo prazo. E isso pode ser um problema para o governo a depender da pauta”.
Ibovespa
Com bate-boca transmitido pela TV entre os presidentes Donald Trump (EUA) e Volodymyr Zelensky (Ucrânia) sobre o conflito no Leste Europeu, e escolha de Gleisi Hoffmann para a coordenação política no Brasil, o Ibovespa buscou novas profundezas ao longo da tarde, perdendo a linha dos 123 mil pontos no pior momento, em baixa na casa de 1,7%, aos 122.658,78 pontos, no menor nível intradia desde 27 de janeiro. E ao fim, o índice da B3 ainda mostrava perda de 1,60%, aos 122.799,09 pontos, com giro bem reforçado a R$ 36,2 bilhões nesta sexta-feira que precede longo intervalo sem negócios no Brasil, na segunda e na terça, e sessão mais curta na quarta de cinzas, com cenário externo que ganha efervescência.
No início da tarde deste fim de mês, o noticiário já tinha relevo com a confirmação de que Gleisi Hoffmann assumirá a coordenação política do governo, por escolha do presidente Luiz Inácio Lula da Silva – uma opção que pode ser lida como reforço da inclinação populista na metade final da administração, assim como enfraquecimento adicional do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e possibilidade de interações ainda mais ruidosas com o Congresso, pelo perfil ideológico que se atribui à futura ministra das Relações Institucionais.
“O ideal para uma posição de articulação política entre o Congresso e o Executivo seria alguém com perfil mais ao centro, com nível de diálogo amplo, diferentemente de Gleisi Hoffmann, conhecida por posicionamentos duros e rigorosos como um quadro do PT – o que deixa o mercado mais preocupado, em momento em que ainda se pensa na situação fiscal”, diz Matheus Massote, sócio da One Investimentos. “É preciso ver como Haddad ficará nessa situação”, acrescenta.
Desde então, o Ibovespa acentuou perdas, o que ganhou dinamismo adicional com o que pode ser visto como uma humilhação pública de Zelensky por Trump – e possível alinhamento adicional do republicano com o presidente autocrata russo Vladimir Putin, em detrimento da histórica aliança americana com a Europa Ocidental e liberal. Com Gleisi apenas, o Ibovespa caía pouco mais de 1%, mas a perspectiva de um cenário externo sob tensão nos próximos dias – com mercados abertos lá fora e fechados aqui para os dias de folia – aprofundou a correção do índice, em intensidade bem superior à observada em Nova York, que passou de ganhos em torno de 0,4% para perdas e, depois, a fechamento positivo em nível bem superior ao que se via antes do entrevero: Dow Jones +1,39%, S&P 500 +1,59%, Nasdaq +1,63%.
No Brasil, o dólar fechou o dia em forte alta de 1,50%, a R$ 5,9163 – vindo, no fechamento de anteontem, de R$ 5,80. Na semana, a moeda americana avançou 3,24% frente ao real e, no mês, teve alta de 1,37%.
Após a discussão pública na Casa Branca, Trump cancelou coletiva de imprensa com Zelensky prevista para a conclusão do encontro, que contou com a participação do vice americano, JD Vance – o qual chegou a mencionar o alinhamento e preferência de Zelensky pela continuidade da administração democrata nos EUA. Afirmando que as “cartas” não estão mais nas mãos de Zelensky para definir o futuro da guerra – pela dependência de apoio externo, especialmente dos EUA e da Europa -, Trump reiterou que o conflito na Ucrânia é terreno fértil para 3ª Guerra Mundial. Segundo a Fox News, ele teria determinado a Zelensky que deixasse a Casa Branca – e dito estar “desconfortável com a presença” do ucraniano em Washington.
A discussão pública sem precedentes no Salão Oval da Casa Branca ocorreu antes de reunião para a assinatura de acordo de exploração de minerais ucranianos pelos EUA – que não chegou a ser assinado, segundo a CNN. “Mesmo antes da situação entre Trump e Zelensky, a Bolsa já vinha em baixa na sessão, com Vale e Petrobras no campo negativo. E com o noticiário sobre a Eletrobras, relativo a Angra 3, as ações da empresa eram um dos poucos pontos fortes do dia”, diz Rubens Cittadin, operador de renda variável da Manchester Investimentos.
Na B3, destaque para as perdas nas ações de grandes bancos, de até 4,11% (Santander Unit, mínima do dia no fechamento, assim como para Itaú PN -2,44%). Vale ON cedeu 2,04% (também no piso da sessão no encerramento), com Petrobras mostrando sinal negativo na ON (-0,48%) e PN (-1,86%). Na ponta perdedora do Ibovespa, Marfrig (-10,15%), Braskem (-7,11%) e Vamos (-6,62%). No lado oposto, Marcopolo (+2,80%), Eletrobras (ON +2,60%, PNB +1,70%) e Localiza (+1,81%).
Em fevereiro, o Ibovespa teve perda de 2,64%, após progressão de 4,86% em janeiro – que havia sido o melhor desempenho mensal desde o avanço de 6,54% em agosto passado. No agregado em 2025, o índice da B3 ainda sobe 2,09%. Na semana, houve perda de 3,41%, após revés de 0,85% no intervalo anterior. Em porcentual, a queda diária desta sexta-feira foi a mais aguda desde 12 de fevereiro, quando havia cedido 1,69%. E o nível de fechamento foi o mais baixo desde 24 de janeiro.
A expectativa do mercado financeiro para o desempenho das ações no curtíssimo prazo segue rigorosamente dividida no Termômetro Broadcast Bolsa desta sexta-feira. Entre os participantes, as previsões de alta, queda e estabilidade para o Ibovespa na próxima semana têm fatia de 33,33% cada, pela terceira semana consecutiva.
Juros
As taxas de juros, quase todas de volta ao nível de 15%, ilustram bem a postura defensiva do mercado, que se acentuou nesta tarde perante o desconforto com a nomeação da presidente do PT, Gleisi Hoffmann, à Secretaria de Relações Institucionais, e o fortalecimento do dólar globalmente após discussão entre os presidentes Donald Trump e Volodymyr Zelensky. Na semana, a curva ganhou inclinação, com o vértice mais longo abrindo 75 pontos-base, sendo 32 no pregão desta sexta-feira, véspera do feriado de carnaval.
A taxa do contrato de Depósito Interfinanceiro (DI) para janeiro de 2026 subiu a 14,980%, de 14,808% no ajuste anterior, e o para janeiro de 2027 avançou a 15,055%, de 14,781%. O vencimento para janeiro de 2029 encerrou em 15,045%, de 14,727% no ajuste.
O presidente Lula foi desaconselhado por aliados a nomear Gleisi para chefiar a articulação política do governo, mas aceitou o desgaste político para recompensar uma de suas aliadas mais fiéis, mostra a análise política escrita por Caio Spechoto, Gabriel Hirabahasi e Fernanda Trisotto, do Broadcast.
Agora participantes do mercado trabalham com a tese de que o governo terá dificuldade em avançar pautas fiscais no Congresso, segundo o economista-chefe da Nova Futura, Nicolas Borsoi. “Acho que Gleisi tem sido muito crítica da agenda do ministro Fernando Haddad, então como vai ficar isso? Será que ela vai de fato brigar para a pauta fiscal de Haddad avançar?”, questiona.
Em nota, a Warren Investimentos destaca que a ausência do Centrão no núcleo duro do governo o exime de assumir qualquer compromisso, no curto, e principalmente no médio e longo prazo – e isso pode ser um problema para o governo a depender da pauta. “Como presidente do PT, Gleisi foi porta voz de várias críticas em relação à agenda econômica do ministro Haddad. Resta saber como será a sua postura na nova missão”, destrincha.
No cenário externo, os rendimentos dos Treasuries caíram e o dólar – que voltou a R$ 5,91 – se fortaleceu, reforçando a busca de proteção globalmente sobretudo após Trump e Zelensky discutirem no Salão Oval. Para Borsoi, da Nova Futura, a troca de farpas entre os presidentes coloca a perspectiva de que o acordo entre os dois países para o fim da guerra entre Rússia e Ucrânia vai ficando mais longínqua. “Então o mercado reage colocando mais aversão à risco nos preços”, diz.
O trader de Mesa de Renda Variável e Estruturados no Grupo SWM Luis Otavio menciona ainda que a aversão a risco também considera que o mercado ficará fechado até 12h de quarta-feira da semana que vem, devido ao carnaval.