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Senado contraria CGU e admite empresa investigada em licitações de R$ 48 milhões

O Senado aceitou e habilitou a R7 Facilities em duas licitações, no valor total de R$ 48 milhões, sem aplicar o critério da Controladoria-Geral da União (CGU) que detectou irregularidades na formação do preço apresentado pela empresa em outro certame, no qual ela acabou desclassificada da disputa. A firma, registrada em nome de um laranja, entrou com tudo na administração federal em 2023 e virou alvo de investigações na CGU e na Polícia Federal.

Os dois pregões realizados pelo Senado tiveram mais de 70 interessados. No maior deles, no valor de R$ 27,4 milhões, a R7 venceu a disputa de preços e o resultado foi homologado. Na outra, de R$ 20,6 milhões, a fase recursal foi encerrada na última segunda-feira, 3.

Após a reportagem questionar se os mesmos critérios usados pela CGU foram aplicados na análise da documentação da firma, a administração do Senado informou que paralisou os dois certames e que demandaria “esclarecimentos adicionais” à R7.

“Caso se verifique eventual irregularidade na aplicação do benefício de desoneração ou qualquer outra inconsistência que comprometa o cumprimento das exigências legais e do edital, a administração poderá desclassificar a licitante, o que impediria a homologação do resultado em favor da R7 Facilities”, destacou, em nota.

Com relação ao pregão já homologado, o Senado informou que ainda não vai “efetivar” a empresa “em função das diligências adotadas” na outra licitação. “O processo foi sobrestado até que se conclua a apuração dos fatos”, pontuou.

Procurada, a empresa não comentou. Anteriormente, representantes afirmaram que toda a operação é regular e rechaçaram a informação de que a R7 é registrada por um laranja.

A R7 teve um salto de contratos com órgãos federais a partir de 2023, no governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A empresa entrou em evidência em fevereiro do ano passado depois de o Estadão revelar que ela estava em nome de um laranja e atuava dentro dos presídios federais de Mossoró (RN) e Brasília (DF). Especialistas definiram o quadro exposto como grave para a segurança das unidades penitenciárias.

A reportagem também mostrou que a R7 tem indícios de integrar um grupo econômico que simulou negócios entre si e concorrência em licitações para adulterar balanços de faturamento. Com isso, alegava ter direito a benefícios tributários que permitiam ofertar preços menores em licitações.

Somente com órgãos do Poder Executivo a R7 já assinou, desde 2020, R$ 633 milhões em contratos. Ela também atua no Legislativo e em departamentos do Judiciário oferecendo mão de obra terceirizada e serviços de manutenção predial.

O Senado abriu, em dezembro, uma licitação para contratar 204 funcionários, por um ano, para serviços contínuos de apoio administrativo. A R7 disse que poderia oferecer o serviço por R$ 17,9 milhões, preço R$ 2,7 milhões menor do que o máximo que o Senado se propôs a pagar.

Parte do desconto que a empresa ofereceu se deve à aplicação da desoneração da folha de pagamentos. O benefício é oferecido a alguns tipos de atividades econômicas, que precisam ser o tipo de trabalho desenvolvido de forma preponderante pela empresa no exercício anterior.

A empresa não detalhou o faturamento e o Senado não fez as chamadas diligências para obter as informações que poderiam atestar se a R7 tem ou não o direito à desoneração. Na outra licitação, o Senado pretende contratar 325 copeiros. A R7 ofereceu preço de R$ 23,5 milhões. Também não houve questionamentos sobre cumprimento de regras tributárias.

A CGU, que tem uma investigação administrativa em andamento sobre essas e outras supostas irregularidades da R7, inabilitou a empresa em uma licitação de R$ 5,2 milhões justamente por entender que não havia direito ao benefício. A desclassificação se deu ainda no fim do ano passado, portanto antes de o Senado aceitar a R7.

“A licitante não logrou êxito em comprovar o direito ao uso da ‘desoneração da folha de pagamento’, e tampouco ao benefício da utilização das alíquotas de PIS e Cofins com base no regime cumulativo, para fins de preenchimento da planilha de formação de preços, não atendendo assim, às exigências do termo de referência”, alegou a CGU, no pregão eletrônico.

Na semana passada, o Ministério da Gestão e da Inovação (MGI) recorreu ao mesmo entendimento da CGU para voltar atrás e inabilitar a empresa. A pasta da ministra Esther Dweck lançou uma das maiores licitações de terceirização de mão de obra dos últimos anos, no valor de R$ 383,1 milhões. A empresa, primeiro, foi aceita e habilitada. O recuo se deu depois de o Estadão apontar a entrada da R7 no certame.

“A R7 não logrou êxito em comprovar, efetivamente, seu direito ao uso da ‘desoneração da folha de pagamento’ e, tampouco a demais alíquotas que impactam na sua formulação de preços com base no regime cumulativo, razão pela qual se posiciona esta administração, com reformulação de suas análises, pela desclassificação/inabilitação”, sustentou o MGI.

A desclassificação da R7, primeiro, na CGU ocorreu em paralelo a uma investigação preliminar realizada pela pasta do ministro Vinícius Marques de Carvalho aberta ainda no início de 2024, após reportagens do Estadão. A apuração só evoluiu para um Processo Administrativo de Responsabilização (PAR) cerca de 11 meses depois. Esta nova etapa da investigação pode ter, como resultado, a aplicação de multas à empresa e a proibição de firmar contratos com o poder público.

“As suspeitas recaem sobre provável utilização de declarações com conteúdo falso e possível combinação em certames licitatórios, bem como possível utilização de interpostas pessoas (‘testa-de-ferro’ e ‘laranja’) no quadro societário das empresas”, informou a CGU, no mês passado.

A R7 é uma empresa que está em nome do técnico em contabilidade Gildenilson Braz Torres, um morador da periferia de Brasília que não soube dar informações sobre a operação da companhia. No prédio onde ele afirma ter um escritório não havia qualquer referência à empresa, mas a uma firma chamada Mega Batatas.

A reportagem também esteve em endereços residenciais dele. Em um desses, um familiar negou que Gil, como é conhecido, pudesse estar à frente de empresas que movimentam milhões de reais. O técnico em contabilidade recorreu ao auxílio emergencial na pandemia de covid-19 e tinha apenas R$ 523,64 em suas contas bancárias, segundo ação de execução fiscal de fevereiro de 2022.

Gildenilson virou sócio-administrador da R7 Facilities em fevereiro de 2023. Antes, desde janeiro de 2021, a companhia estava em nome de outro “testa de ferro”, o bombeiro civil Wesley Fernandes Camilo. Foi nessa época que a firma ganhou licitação em presídios federais, com contratos que viriam a sofrer aditivos com Gildenilson. Wesley Camilo deixou a empresa e foi trabalhar como brigadista em um hospital particular de Brasília com uma renda mensal de R$ 4 mil. Camilo mora numa casa em Ceilândia, uma das regiões mais pobres do Distrito Federal. A reportagem encontrou um Volkswagen Nivus em sua garagem. O carro, avaliado em R$ 111 mil, estava registrado em nome da R7 Facilities.

Estadão Conteudo

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