O dólar emendou nesta terça-feira, 4, a décima segunda sessão consecutiva de queda no mercado local e fechou abaixo da linha de R$ 5,80 pela primeira vez desde 19 de novembro. Apesar do tom duro da ata do Copom, que sugere taxa Selic acima de 15% no fim do atual ciclo de aperto monetário, o real se apreciou, sobretudo, em razão da onda de enfraquecimento global da moeda americana.
O dólar até abriu em alta moderada, em aparente realização de lucros após 11 pregões de queda. Mas passou a recuar ainda pela manhã e aprofundou as perdas pouco depois do meio-dia, após a Casa Branca informar que o presidente dos EUA, Donald Trump, teria uma conversa telefônica hoje com o líder chinês, com Xi Jinping. Fontes ouvidas pela Dow Jones afirmaram, no meio da tarde, que o diálogo não aconteceria hoje.
Especula-se que possa haver uma suspensão da imposição de tarifa adicional de 10% a produtos chineses em caso de Pequim ceda em alguns pontos da agenda dos EUA. Ontem, Trump suspendeu a aplicação de tarifas de 25% a Canadá e México, em troca do fortalecimento da segurança nas fronteiras.
“O comportamento do dólar hoje está sendo realmente ditado mais pela questão global”, afirma o economista-chefe da corretora Monte Bravo, Luciano Costa. “Prevalece no mercado a impressão de que Trump usa a ameaça de tarifas como ferramenta para trazer os países para a mesa de negociação, e não como uma política comercial já definida. Isso reduz um pouco a percepção de risco neste primeiro momento”.
Com máxima a R$ 5,8269 e mínima a R$ 5,7573, o dólar à vista fechou em queda de 0,75%, cotado a R$ 5,7724 – o menor valor de fechamento desde 19 de novembro (R$ 5,7672). A divisa acumula baixa de 4,83% nos últimos 12 pregões e desvalorização de 6,60% no ano.
Termômetro do comportamento do dólar em relação a uma cesta de seis divisas fortes, o índice DXY operava abaixo dos 108,000 pontos no fim da tarde, com mínima aos 107,933 pontos. Entre as principais divisas emergentes e de países exportadores de commodities, apenas o peso mexicano perdia força, revertendo parte dos ganhos de ontem.
O economista André Galhardo, consultor da plataforma de transferência internacional Remessa Online, observa que, além do alívio com o adiamento de tarifas a México e Canadá, o dólar cai no mundo com dados aquém do esperado da atividade nos EUA referentes a dezembro, como as encomendas à indústria e a abertura de postos de trabalho segundo o relatório Jolts.
“A pesquisa Jolts sugere que, finalmente, o mercado de trabalho americano está perdendo força. Isso teoricamente abre caminho para o Federal Reserve ser talvez menos conservador na política monetária do que o esperado, ajudando a empurrar o dólar para baixo”, afirma Galhardo.
À tarde, a presidente do Fed de São Francisco, Mary Daly, ecoando falas recentes de dirigentes do Banco Central dos EUA, afirmou que a política monetária está bem posicionada para lidar com o atual ambiente de incerteza e que a inflação caminha à meta de 2%. Ferramenta do CME Group mostra que a curva de juros futuros dos EUA passou a refletir cenário mais provável redução acumulada de 50 pontos-base na taxa básica americana neste ano.
Além do quadro mais favorável a divisas emergentes, analistas afirmam que houve um aumento da atratividade de operações de carry trade e que, com as altas seguidas da taxa Selic, o carregamento de posições compradas em dólar se tornou muito custoso.
“Outras moedas também ganham contra o dólar. Contudo, há evidências de que os efeitos cumulativos das altas dos juros no Brasil podem estar tendo efeito sobre a dinâmica cambial”, afirma o economista André Perfeito.
Para Costa, da Monte Bravo, o Copom buscou, em sua ata, “corrigir a impressão” mais amena deixada pelo comunicado da quarta-feira passada, quando elevou a taxa Selic, em 1 ponto porcentual, para 13,25% ao ano, e reiterou a promessa de mais uma elevação de igual magnitude em março. Na ocasião, chamou à atenção dos analistas a menção a perda de fôlego da atividade doméstica, o que foi visto como possível sinal do BC de proximidade do fim do ciclo de alta.
“O BC abriu em detalhes o balanço de riscos e deixou bem claro que os riscos de alta da inflação dominam. Do lado de riscos de baixa, ele qualificou o comentário sobre a atividade doméstica, com desaceleração ainda incipiente”, afirma Costa, que vê Selic terminal em torno de 15% e 15,25%.
Ibovespa
O Ibovespa não acompanhou a relativa melhora da percepção de risco global, que colocou o dólar a R$ 5,75 na mínima desta terça-feira, 4, em dia no qual a ata do Copom corrigiu o tom um tanto ameno que havia sido observado no comunicado da reunião da semana passada sobre a Selic. No cenário externo, após o entendimento temporário entre Estados Unidos, México e Canadá – de suspensão das tarifas bilaterais que haviam sido impostas a princípio pelo governo Trump -, a percepção é de que a trégua dos americanos se estenda também à China, apesar de a conversa entre Xi Jinping e o presidente dos EUA, prevista para hoje, ter sido adiada.
Em outro desdobramento positivo, o secretário do Tesouro dos EUA, Scott Bessent, reiterou a importância da relação econômica bilateral com a União Europeia, em ligação com a presidente do Banco Central Europeu (BCE), Christine Lagarde, conforme comunicado divulgado nesta tarde pela Casa Branca. Bessent e Lagarde tiveram uma reunião “introdutória” para discutir prioridades econômicas compartilhadas e áreas políticas de interesse mútuo, além de cooperação entre os Estados Unidos e a União Europeia.
Ainda assim, o Ibovespa fechou em baixa de 0,65%, aos 125.147,42 pontos, entre mínima de 124.694,19 e máxima de 125.964,36 pontos na sessão, correspondente ao nível de abertura. O giro desta terça-feira ficou em R$ 19,8 bilhões. No agregado das duas primeiras sessões de fevereiro, o Ibovespa acumula perda de 0,78%, após avanço de 4,86% ao longo de janeiro – mês em que a B3 atraiu R$ 6,8 bilhões em recursos estrangeiros, em ingressos líquidos. Em Nova York, os principais índices de ações registraram ganhos entre 0,30% (Dow Jones) e 1,35% (Nasdaq) nesta terça-feira. Aqui, o dólar à vista encerrou o dia em baixa de 0,75%, a R$ 5,7724.
“O câmbio tem se ajustado para baixo dólar frente ao real já faz 12 sessões, e surpreende pelo grau da correção. Até se esperava que pudesse haver queda do dólar, mas o ajuste permanece condicionado a que haja, de fato, acordo dos Estados Unidos com o Canadá e o México, além da China”, diz Fábio Astrauskas, economista e CEO da Siegen. “Há uma certa acomodação no sentido de que se evite uma guerra comercial, que havia sido lançada pelo Trump. A queda do dólar com a mesma rapidez com que subiu no fim do ano passado surpreende. É uma mudança rápida de jogo. Se esperava um capítulo mais sangrento com relação ao câmbio.”
No Brasil, “a ata do Copom deixou a Bolsa um pouco mais arisca desde a abertura, não dando qualquer sinalização quanto ao início do ciclo de queda da Selic, e apontando ainda os riscos inflacionários”, diz Diego Faust, operador de renda variável da Manchester Investimentos, destacando a queda de quase 1% para o Ibovespa no começo do pregão, em que o índice operou em baixa desde a abertura.
Contrabalançado o efeito negativo da ata, os dados desta terça-feira sobre o giro de mão de obra nos Estados Unidos – o relatório Jolts, métrica sobre o mercado de trabalho acompanhada de perto pelo Federal Reserve – vieram abaixo do esperado, no momento em que se teme que a política protecionista de Trump terá efeito sobre o nível de juros por lá.
Para Dante Araújo, economista da Valor Investimentos, a ata do Copom mostrou “cautela” quanto ao cenário externo enquanto se aguardam desdobramentos em torno da política econômica colocada em andamento pelo novo governo americano. “Há possibilidade de inflação mais alta e de desaceleração da economia dos EUA, em ritmo incerto, com efeito não apenas para o Brasil, mas também para os demais emergentes”, diz. Além disso, “o Copom ainda mostra preocupação com a desancoragem das expectativas de inflação no Brasil”, acrescenta Araújo, observando que dados de atividade sugerem a persistência de economia doméstica aquecida.
“A ata do Copom veio em tom mais duro do que o visto no comunicado, com o mercado buscando destrinchar a forma de comunicação deste novo BC sem Roberto Campos Neto, agora sob o comando de Gabriel Galípolo”, diz Rodrigo Moliterno, head de renda variável da Veedha Investimentos. “Dia foi um pouco mais lateralizado para a Bolsa, descolada do exterior, com melhora do humor lá fora por conta do recuo de Trump com relação a tarifas para o México e o Canadá”, acrescenta.
Na B3, entre as ações de maior peso e liquidez, apenas alguns nomes do setor bancário se decolaram de perdas nesta terça-feira, como BB (ON +0,58) e Itaú (PN +0,36%). No dia seguinte ao relatório de produção do quarto trimestre de 2024, as ações da Petrobras fecharam em baixa (ON -1,26%, PN -0,99%). Vale ON, por sua vez, recuou 0,35%. Na ponta perdedora do Ibovespa, Automob (-6,25%), Suzano (-4,05%) e Azul (-3,92%). No lado oposto, Braskem (+3,89%), Natura (+2,83%) e Sabesp (+1,46%).
Juros
Os juros futuros fecharam perto da estabilidade, mas a desinclinação na curva continuou na terça-feira. O vértice mais curto reagiu à ata mais hawkish do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC), enquanto o longo teve amparo da queda do dólar e também dos juros dos Treasuries. Já o Plano Anual de Financiamento (PAF) do Tesouro para 2025 não teve grandes mudanças em relação ao de 2024, com pouca ambição na emissão de títulos prefixados.
A taxa de depósito interfinanceiro (DI) para janeiro de 2026 subiu a 14,92%, de 14,90% no ajuste anterior. O DI para janeiro de 2027 avançou a 14,88%, de 14,87%, e o para 2029 caiu para 14,47%, de 14,527% no ajuste de ontem.
O economista-chefe da Nova Futura Investimentos, Nicolas Borsoi, considera que o DI curto voltou a ficar mais focado na ata do Copom e em expectativas sobre o IPCA, depois que o PAF do Tesouro não trouxe grandes mudanças em relação ao de 2024. “Mercado teve visão de que ata do Copom foi mais hawkish, então coloca mais prêmio na ponta curta. Pode ser que houve algum efeito de contaminação quando saíram notícias antes do PAF, mas é natural que depois o mercado volte a precificar o fundamento, que é o Copom”, afirma.
O Bank of America (BofA) avalia que a ata do Copom foi “levemente mais hawkish” do que o comunicado da semana passada, “pois incorporou fatores importantes a serem considerados na dinâmica inflacionária brasileira, como a adicional desancoragem das expectativas de inflação e o cenário fiscal”.
O PAF do Tesouro ficou mais realista, menos ambicioso em termos de prefixados, mas ainda assim “bem colocado, com gestão de risco bem executada”, resume o economista-chefe da Ativa Investimentos, Étore Sanchez.
Sanchez, da Ativa, contudo, pondera que o PAF não fez muito preço no mercado de DIs. “Para mim o grande efeito vem lá de fora. Internacional mais acomodado e com menos entendimento de uma guerra comercial efetiva no curto prazo ajuda os juros longos. Acho que métodos e diálogos bélicos vão continuar ocorrendo, mas acredita-se menos na efetivação da guerra comercial principalmente com os desdobramentos nas últimas 24 horas”, afirma. A análise faz referência a decisão do governo Donald Trump de pausar a cobrança de tarifas contra Canadá e México por um mês – a medida seria colocada em prática nesta terça-feira, mas acabou nem acontecendo.
Assim, a queda do dólar (-0,75%, a R$ 5,7724) contra o real, bem como o fechamento dos juros dos Treasuries de 2 anos, 10 anos e 30 anos, ajudou a aliviar o vértice mais longo dos juros.