Natural de Belo Horizonte, Daniel mora fora do Brasil desde 2005. Homossexual, ele se casou em 2008 com o companheiro, Ole, em San Francisco, e depois se mudou com ele para a Inglaterra. Há cerca de três anos, o casal decidiu que queria ter filhos. Começou aí um longo caminho que deve terminar em breve com o nascimento de Ana e Sofia, marcado para o fim deste mês.
A primeira tentativa de barriga de aluguel do casal foi com uma amiga da família de Daniel no Brasil – aqui, é proibido pagar pelo procedimento. Como não teve sucesso, ele e o marido entraram na fila de adoção no Reino Unido, mas enquanto esperavam e refletiam sobre o tema, resolveram tentar a fertilização in vitro mais uma vez.
“Sempre estivemos abertos a varias opções. Mas o processo de adoção é longo, faz você pensar muito, e vimos que não estávamos prontos para abrir mão da barriga de aluguel”, diz o brasileiro.
Eles então começaram o procedimento na Índia, onde a prática é permitida e muito mais barata do que nos EUA, por exemplo. Mas, faltando um mês para que eles fossem para lá acompanhar a fertilização, o país mudou a lei e restringiu a barriga de aluguel apenas a casais heterossexuais.
A clínica, então, sugeriu que eles mudassem os planos para a Tailândia, onde esse comércio não é regulamentado, mas é largamente praticado e tolerado pelo governo. E foi assim que eles chegaram à mulher de 39 anos que hoje carrega Ana e Sofia pela 34ª semana. Natural do norte do país, ela é vendedora ambulante e tem duas filhas – condição fundamental colocada pelo casal, para que “a pessoa não tivesse que abrir mão do primeiro filho que gerou”, explica Daniel.
O processo de barriga de aluguel é caro: Daniel calcula que gastou cerca de US$ 100 mil, entre o pagamento da clínica, do hospital e da mãe de aluguel. “Dá para fazer por menos, mas a gente procurou uma clínica idônea, pois já ouvimos falar que tem algumas que abusam das mães. Tem toda uma questão ética envolvida”, diz Daniel.
O pagamento para a mulher, de US$ 15 mil mais um extra mensal para a subsistência durante a gravidez, era feito diretamente na conta dela.
Gravação com as vozes dos pais
Como na primeira tentativa havia sido usado o sêmen de Ole, nessa segunda vez eles optaram pelo material genético do brasileiro. A escolha da doadora ucraniana, uma estudante de 22 anos, teve a ver com a semelhança física dela com Ole, que é caucasiano. “Independentemente de quem doasse o sêmen, queríamos filhos mestiços”, diz Daniel, que é negro.
O casal se encontrou com a doadora de óvulos e com a mãe de aluguel em Bangkok, na ocasião em que foi feita a fertilização in vitro – uma situação estranha, admite Daniel. “É bem estranho, porque você não conhece a pessoa e ao mesmo tempo ela está fazendo a coisa mais importante da sua vida, que é carregar seus filhos. Temos muito respeito pelas duas”, diz o brasileiro.
Os futuros pais receberam ultrassonografias periodicamente e conversaram com a mãe de aluguel por Skype em algumas ocasiões, para saber como ela se sentia e como os bebês estavam se comportando. Foi assim que souberam que uma das meninas se mexe bastante e a outra é mais quieta. “Já tem uma diferença de personalidade”, diz Daniel.
Preocupados em criar um vínculo com as filhas, eles também enviaram para a Tailândia um aparelho com um fone especial para “conversar” com fetos na barriga. Gravaram duas horas de conversas de ambos em português e alemão, para que elas já fossem se familiarizando com as vozes dos pais no útero.
Três nacionalidades
Ana e Sofia deverão ter três cidadanias diferentes: nascerão tailandesas, depois serão registradas como brasileiras e, por último, como cidadãs alemãs.
Seus nomes foram pensados para que fossem fáceis de serem pronunciados em alemão, inglês e português, e elas terão um sobrenome de cada pai — Schneidereidt Castro. “A gente não sabe onde elas vão crescer, o que vão querer fazer da vida. Queríamos opções neutras, pois elas vão crescer em um mundo mais globalizado do que o nosso, vão ser multiculturais”, explica Daniel.
Queríamos nomes neutros, fáceis de serem pronunciados em alemão, inglês e português, pois elas vão crescer em um mundo mais globalizado do que o nosso"
Daniel Nascimento, sobre as escolha dos nomes Ana e Sofia para as filhas
Para que as crianças sejam trilíngues desde pequenas, a ideia é que cada pai converse com elas em seu idioma natal e elas usem o inglês com outras pessoas.
O parto está marcado para o dia 25 de março, mas, caso se antecipe, eles já estão com as malas prontas “na porta de casa” há três semanas.
Ambos conseguiram uma licença de seis meses no trabalho: quando a de Daniel, executivo numa multinacional de informática, acabar, começa a de Ole. “Aqui as pessoas são muito liberais. Vamos ter o direito que qualquer mãe tem”, diz Daniel, que participa de fóruns de pais gays em Londres e diz que o tema é bem aceito por lá.
O casal fez um curso de paternidade para aprender cuidados básicos como troca de fralda e banho, mudou-se para um apartamento maior e com jardim e fez um chá de bebê. As duas avós também devem viajar para a Tailândia para ajudar nos primeiros meses a cuidar delas, que serão as primeiras netas das duas famílias. “Elas vão ser as criaturas mais desejadas do mundo. Está todo mundo super empolgado”, diz Daniel.
Mesmo com tanta preparação, ele diz que o frio na barriga é grande. "Estou bem ansioso, doido para ver o rostinho delas."
Falta também decorar o quartinho dos bebês. Sobre isso, elas já decidiram uma coisa: nada de cor de rosa. “É muito clichê, e não queremos nenhum tipo de clichê na vida delas”, diz Daniel.
G1