Olinda Altomare Opinião

O Gambito da Rainha 

O Gambito da Rainha é uma série (minissérie) da Netflix, baseada no romance homônimo de Walter Tevis, publicado em 1983, mas sua narrativa e construção a tornam digna de análise como uma obra cinematográfica. A obra explora temas profundos como resiliência, autodeterminação, vício, impacto emocional de traumas passados e o poder transformador do intelecto. 

A mensagem central é que o talento, combinado com esforço e autoconhecimento, pode levar a conquistas significativas, mesmo diante de adversidades.

O Gambito da Rainha conta a história de Beth Harmon (Anya Taylor-Joy), uma órfã que descobre ser um prodígio do xadrez. 

Aos 22 anos, Beth enfrenta o maior desafio de sua vida: equilibrar seu talento extraordinário com a luta contra seus próprios demônios, especialmente o vício em tranquilizantes e álcool, que desde cedo moldaram sua realidade. A narrativa destaca como o talento e a genialidade podem se tornar fardos quando não acompanhados por suporte emocional e autoconhecimento.

 A série apresenta uma lição poderosa: a verdadeira força não está apenas em superar adversários, mas em enfrentar as próprias fragilidades.

Outro tema central é a luta pela igualdade de gênero. Beth enfrenta preconceitos em um mundo dominado por homens, mas sua jornada quebra estereótipos, mostrando que inteligência e determinação podem transcender barreiras impostas pela sociedade.

 Além disso, a história explora como o desejo por perfeição e reconhecimento pode ser tanto um motivador quanto uma armadilha, especialmente quando o sucesso vem acompanhado da solidão.

A direção e a fotografia de O Gambito da Rainha são de extrema qualidade. Scott Frank, responsável pela direção, cria uma atmosfera que mistura a nostalgia dos anos 1960 com uma tensão contemporânea. A cinematografia é visualmente deslumbrante, com enquadramentos que destacam tanto os detalhes do tabuleiro de xadrez quanto as expressões faciais e os momentos introspectivos de Beth.

A direção e o design primorosos, transformam uma história sobre xadrez em uma experiência visualmente dinâmica e emocionalmente envolvente, equilibrando momentos introspectivos com cenas intensas e vibrantes das partidas, criando uma narrativa que prende a atenção.

A fotografia utiliza o xadrez como metáfora visual para a vida de Beth: os tabuleiros, peças e movimentos refletem sua complexidade emocional. Enquadramentos fechados capturam a tensão das partidas e a introspecção de Beth, enquanto planos mais amplos destacam o isolamento da protagonista no universo competitivo.

A paleta de cores é cuidadosamente escolhida para acompanhar a evolução da personagem. Tons escuros e frios predominam nos momentos mais difíceis, como sua infância no orfanato e suas lutas contra o vício, enquanto cores mais quentes e vibrantes emergem à medida que ela encontra confiança e propósito.

A edição também é digna de nota. O xadrez, que poderia parecer monótono para o público leigo, é transformado em uma experiência dinâmica e emocionante. As partidas são retratadas com uma edição ágil e música envolvente, criando tensão e capturando a complexidade do jogo.

A trilha sonora (sou apaixonada pelas trilhas sonoras), composta por Carlos Rafael Rivera, é um elemento crucial. Ela combina música clássica com tons contemporâneos, refletindo a natureza atemporal do xadrez e o dinamismo da história. As músicas ajudam a transmitir a intensidade emocional dos momentos-chave, intensificando os momentos de tensão e vitória, conectando o público emocionalmente à trajetória de Beth.

Cabe destacar a atriz Anya Taylor-Joy que entrega uma atuação magistral como Beth Harmon. Ela encarna com autenticidade as múltiplas facetas da personagem: a orfandade precoce, a genialidade no xadrez, os desafios internos e o vício. Seu olhar expressivo transmite tanto a força quanto a vulnerabilidade de Beth, permitindo que o público se conecte profundamente com suas emoções, torcendo por suas vitórias e sentindo suas derrotas.

Taylor-Joy domina o espaço cênico, capturando a evolução de Beth com sutileza. Desde sua postura hesitante no início, passando pelos momentos de arrogância e colapso, até alcançar a maturidade e confiança que a definem no final, a atriz faz de sua performance um dos grandes destaques da obra.

O Gambito da Rainha é mais do que uma narrativa sobre xadrez; é uma jornada sobre superação, autoconhecimento e o custo do sucesso. A série equilibra elementos técnicos de altíssima qualidade, como direção, fotografia e trilha sonora, com uma narrativa rica e emocionalmente envolvente. A atuação de Anya Taylor-Joy é o coração pulsante da história, trazendo vida a uma protagonista fascinante, que inspira e comove.

A obra oferece uma reflexão poderosa sobre como o talento pode ser tanto um presente quanto um fardo, especialmente quando combinado com os desafios pessoais e sociais. É um lembrete de que, mesmo nas partidas mais difíceis da vida, a estratégia certa e a resiliência podem levar à vitória

 A série é uma celebração do poder do intelecto e da força de vontade, mostrando que as adversidades podem ser superadas com determinação e apoio. Além disso, serve como uma inspiração para mulheres em ambientes desafiadores, reforçando a mensagem de que o talento não conhece barreiras de gênero.

Vale a pena assistir.

Olinda Altomare é magistrada em Cuiabá e cinéfila inveterada, tema que compartilha com os leitores do Circuito Mato Grosso, como colaboradora especial.

Olinda Altomare

About Author

Olinda Altomare é magistrada em Cuiabá e cinéfila inveterada, tema que compartilha com os leitores do Circuito Mato Grosso, como colaboradora especial.

Deixar um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.

Você também pode se interessar

Opinião

Dos Pampas ao Chaco

E, assim, retorno  à querência, campeando recuerdos como diz amúsica da Califórnia da Canção Nativa do Rio Grande do Sul.
Opinião

Um caminho para o sucesso

Os ambientes de trabalho estão cheios de “puxa-sacos”, que acreditam que quem nos promove na carreira é o dono do