Sem leilões do Banco Central (BC), o mercado de câmbio voltou a acompanhar no Brasil o movimento de valorização do dólar frente às moedas de economias emergentes. Dados fracos da indústria na China, principal destino das commodities industriais, e a alta leve nos juros pagos pelos Treasuries sustentaram mais um dia de fortalecimento da moeda americana no mundo.
Já entre as explicações domésticas ao comportamento do câmbio nesta sexta-feira, operadores citam fatores técnicos, relacionados à rolagem de contratos cambiais futuros, e remessas ao exterior de lucros e dividendos de investimentos no Brasil. A desaceleração da inflação, mostrada pela leitura de dezembro do IPCA-15, ajudou a aliviar a pressão sobre os juros no curto prazo, porém de forma contida porque a leitura qualitativa do índice segue ruim, com os serviços subjacentes avançando.
O mercado de trabalho apertado, como confirmado pela taxa de desemprego em 6,1%, o menor nível da série estatística de 12 anos, também reforçou a leitura de que o Banco Central (BC) terá de ser mesmo firme para buscar a convergência da inflação à meta. Porém, a tendência de juros mais altos no Brasil não ajudou a impulsionar o real, dado o olhar dos investidores para os riscos fiscais, agravados pela possibilidade de a crise das emendas prejudicar o andamento no Congresso da agenda econômica, que inclui o orçamento do ano que vem.
Assim, após bater a máxima de R$ 6,2154 e marcar valorização de 0,58% nos dez primeiros minutos do pregão, o dólar teve uma breve queda ainda na primeira hora da sessão. Chegou a R$ 6,1712 (-0,13%), a mínima do dia, sob a influência da primeira coleta de taxas para a formação da Ptax diária, a penúltima de 2024. No resto do pregão, no entanto, voltou ao terreno positivo, com a moeda americana marcando alta de 0,22%, a R$ 6,1931, no fechamento desta sexta-feira.
Economista-chefe da Monte Bravo, Luciano Costa comenta que, sem injeção de liquidez do BC, o desempenho do real ficou mais próximo de seus pares emergentes. Ele observa que, à medida que a posse de Donald Trump nos Estados Unidos se aproxima, as moedas desses países tendem a refletir cada vez mais a perspectiva das tarifas prometidas pelo futuro presidente. “Além disso, a dúvida fiscal continua presente. O mercado aguarda o anúncio pelo governo de mais medidas de ajuste.”
Segundo o economista-chefe da JF Trust, Eduardo Velho, o mercado, que vem mostrando forte aversão a risco, não acredita em recuperação consistente do real, dada a perspectiva de elevação da dívida pública. Ele cita uma percepção de investidores de que os juros não vão ter tanta eficácia para reduzir inflação, dado o repasse cambial, de forma que, entende, será necessário que o BC venda mais dólares.
“A dominância fiscal entrou no radar, deixando o dólar sob pressão. Sem apoio razoável no Congresso, em meio ao impasse das emendas, o governo vai ter mais dificuldade de aprovar medidas fiscais. Então, se não houver um choque fiscal muito forte, capaz de estabilizar a divida, não há razão para o dólar cair”, afirma Velho.
Ibovespa
O Ibovespa encerrou a última semana do ano em queda, colocando a perda acumulada no mês a mais de 4% e a do ano, na casa de 10%. Faltando apenas o pregão da segunda-feira, 30, para o término de 2024, acentuou hoje perdas em direção ao fechamento, em baixa de 0,67%, aos 120.269,31 pontos, bem mais perto da mínima (120.252,07) do que da máxima (121.609,40) da sessão, em que saiu de abertura aos 121.077,60 pontos. O giro ficou em R$ 17,2 bilhões nesta sexta-feira, em que o Ibovespa emendou a terceira perda semanal – nas últimas 10 semanas, avançou em apenas duas, no intervalo que retrocede a 21 de outubro.
Após baixas de 2,01% e de 1,06% nas semanas anteriores, o índice acrescentou 1,50% de retração no período que chega ao fim, colocando a perda de dezembro até aqui a 4,30% e a do ano a 10,37%. As ações de maior peso e liquidez, que ontem haviam avançado, hoje devolveram o movimento, entre as quais as de commodities e as de bancos. Na ponta perdedora do Ibovespa, Vamos (-7,17%), Carrefour (-4,62%) e LWSA (-3,30%). No lado oposto, Brava (+10,64%), Petz (+3,75%) e Automob (+2,94%).
Na contramão do petróleo, em alta superior a 1% na sessão para o Brent e o WTI, Petrobras cedeu na ON (-1,12%) e na PN (-0,31%), subindo ainda 19,51% e 16,23%, respectivamente, no ano, mas cedendo 2,56% e 1,44%, pela ordem, no mês – na semana, tiveram ganhos de 0,86% e 0,08%. Vale ON chegou a tentar virada no meio da tarde, mas fechou ainda em baixa, de 0,49%. Na semana, a ação da mineradora subiu 0,22%, ainda cedendo 6,17% no mês e 23,05% no ano.
O nível de fechamento do Ibovespa nesta penúltima sessão do ano foi o mais baixo desde 19 de junho, então aos 120.261,34 pontos. Apesar do ingresso líquido de R$ 2,131 bilhões em recursos estrangeiros na B3 em dezembro, o capital externo acumula saída de R$ 31,681 bilhões em 2024, conforme dados atualizados até dia 23.
Em Nova York, as perdas nos principais índices foram hoje a 1,49% (Nasdaq), com moderada variação na semana, entre +0,35% (Dow Jones) e +0,76% (Nasdaq).
Destaque da agenda doméstica nesta sexta-feira, o IPCA-15 de dezembro, considerado a prévia da inflação oficial do mês, encerrou 2024 com variação de 4,71%, acima do teto da meta, de 4,5%. Em dezembro, subiu 0,34%. “Embora com uma variação em dezembro abaixo das expectativas, o último IPCA-15 do ano confirmou que 2024 foi marcado por pressões inflacionárias consideráveis do ponto de vista de demanda”, diz Helena Veronese, economista-chefe da B.Side Investimentos.
“A divulgação de hoje não muda em nada as perspectivas de uma política monetária apertada ao longo do primeiro semestre de 2025”, acrescenta a economista. Ela menciona que, a despeito da leitura mais baixa e de uma composição benigna no IPCA-15, há “pressões relevantes contratadas para a inflação de curto prazo”, com nível de ocupação no mercado de trabalho em máximas históricas e crescimento do rendimento médio real.
No noticiário de Brasília, conforme antecipado ontem à noite pelo presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), a Câmara dos Deputados enviou hoje documento ao Supremo Tribunal Federal (STF), em resposta à determinação do ministro Flávio Dino de bloquear R$ 4,2 bilhões em emendas parlamentares na última segunda-feira, 23, alegando falta de transparência.
O documento de hoje cita que o procedimento adotado pelos líderes da Câmara foi considerado legal, mencionando pareceres da Advocacia-Geral da União (AGU) e da Casa Civil, além da análise de quatro ministérios – Fazenda, Planejamento, Gestão e Relações Institucionais. Ao determinar a suspensão, Dino avalia que houve “apadrinhamento” das emendas por líderes partidários, o que, na prática, impede a identificação dos parlamentares que fizeram os pedidos de distribuição.
Por sua vez, o ministro Flávio Dino afirmou hoje que a Câmara dos Deputados deixou de fornecer “informações imprescindíveis” sobre as emendas bloqueadas, e pediu novos esclarecimentos para viabilizar o pagamento dos recursos. Dino deu prazo até as 20h desta sexta-feira, 27, para que as respostas sejam dadas pela Câmara. Os recursos estavam previstos para pagamento até o fim do ano.
Juros
Os juros futuros tomaram caminhos distintos nesta sexta-feira, 27, dia marcado por liquidez reduzida. As taxas curtas experimentaram pequeno alívio, após resultado abaixo do esperado do IPCA-15 de dezembro, embora a abertura do índice desautorize apostas em arrefecimento significativo da inflação daqui para frente.
Já os juros intermediários e longos voltaram a subir com força, ainda refletindo um ambiente político conturbado, com a queda de braço entre o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Congresso em torno das emendas parlamentares. A alta do dólar, na ausência de intervenções do Banco Central, e do retorno dos Treasuries de 10 e 30 anos também contribuíram para o aumento dos prêmios.
A taxa do contrato de Depósito Interfinanceiro (DI) para janeiro de 2026 encerrou em 15,435%, de 15,37% ontem no ajuste, e a do DI para janeiro de 2027 subiu de 15,637% para 15,855%. O DI para janeiro de 2029 terminou com taxa de 15,625%, de 15,274%.
O IPCA-15 desacelerou de 0,62% em novembro para 0,34% em dezembro, leitura abaixo da mediana de Projeções Broadcast (0,45%). Analistas ouvidos pelo Broadcast ponderaram que o comportamento benigno do índice cheio esconde um quadro qualitativo ainda ruim, com núcleos e serviços ainda em níveis elevados.
A economista-chefe da Armor Capital, Andrea Damico, diz que a composição do IPCA-15 não foi positiva, uma vez que a desaceleração do índice ocorreu por resultado mais baixo de passagens aéreas e preços administrados. “Em contrapartida, tanto os serviços subjacentes quanto os bens industriais apresentaram piora na margem, indicando pressão inflacionária prospectiva”, afirma Damico.
Investidores também absorveram dados do IGP-M. O índice desacelerou de 1,30% em novembro para 0,94% em dezembro, ficando abaixo da mediana das estimativas (1,07%) e dentro do intervalo previsto pelo Projeções Broadcast (0,81% a 1,15%). Com o resultado, o indicador encerrou 2024 com alta de 6,54%.
“Embora o IPCA-15 tenha vindo abaixo do consenso, a qualidade da inflação está muito ruim, com as medidas subjacentes já muito contaminadas. O IGP-M sem muito refresco também mostra que tem muita inflação para chegar no varejo ainda”, afirma o economista-chefe da Nova Futura Investimentos, Nicolas Borsoi, acrescentando que, a despeito do qualitativo ruim do IPCA-15, a leitura cheia abriu espaço para um ajuste na ponta curta de juros.
Dados de emprego não tiveram impacto relevante na formação das taxas. A avaliação geral é a de que o mercado de trabalho continua forte e corrobora o quadro de crescimento acima do potencial que respalda um aperto monetário mais intenso.
A Pnad Contínua mostrou que a taxa de desocupação no Brasil ficou em 6,1% no trimestre encerrado em novembro, em linha com as expectativas dos analistas ouvidos pelo Projeções Broadcast. Já o Caged trouxe geração de 106.625 carteiras assinadas em novembro, perto do piso das de Projeções Broadcast, que iam de 105 mil a 150 mil vagas, com mediana de 125 mil vagas.
“Os dados do mercado de trabalho mostraram resultados mistos, ainda que continuem indicando aquecimento. A taxa de desemprego atingiu o menor nível da série histórica”, afirma Damico, da Armor.
Além da agenda carregada, investidores monitoraram a chamada crise das emendas parlamentares deflagrada após o ministro Flávio Dino, do STF, suspender o pagamento de R$ 4,2 bilhões. A previsão era de liberação desses recursos até o fim do ano. Há receio de que o imbróglio prejudique a apreciação do Orçamento de 2025, na volta do recesso parlamentar, e mine a capacidade do governo de dar andamento à sua agenda no Congresso.
Como prometido ontem à noite, o presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), enviou hoje pela manhã documento ao STF defendendo a lisura e legalidade na distribuição das emendas. Dino disse que a Câmara deixou de fornecer “informações imprescindíveis” sobre as emendas bloqueadas e pediu novos esclarecimentos para viabilizar o pagamento dos recursos, com prazo final às 20h desta sexta-feira.