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Mercado reprova pacote do governo e faz dólar tocar R$ 6,00; Ibovespa cai 2,40%; taxas disparam

O dólar à vista emendou o segundo pregão consecutivo de alta firme no mercado doméstico nesta quinta-feira, 28, tocou o nível psicológico de R$ 6,00 nas máximas da sessão e voltou a fechar no pico nominal da história do real.

A depreciação da moeda brasileira reflete o aumento da percepção de risco fiscal. Além das medidas de contenção de gastos serem consideradas insuficientes para colocar as contas públicas nos trilhos, causou desconforto a proposta de isenção de Imposto de Renda para quem recebe até R$ 5 mil por mês, que significa renúncia de receita.

“Em vez de diminuir as dúvidas, esse pacote aumentou a incerteza, o que puxou o câmbio ainda mais para cima”, afirma o economista-chefe da Western Asset, Adauto Lima. “Ficou ainda mais clara a dificuldade do governo em bancar medidas mais duras do lado das despesas.”

A corrida mais forte ao dólar começou ontem à tarde com a informação de que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, faria pronunciamento em rede nacional à noite. Em sua fala, Haddad enalteceu o governo Lula e fez uma apresentação genérica do pacote fiscal, o que aguçou as expectativas para a coletiva de hoje pela manhã.

Programada para trazer detalhamento do impacto fiscal esperado por cada uma das medidas, a entrevista não foi capaz de reduzir o estresse no mercado cambial. Além do ceticismo com as estimativas do governo, a percepção é de que as informações a isenção do IR foram incompletas.

Com alta firme desde a abertura dos negócios, o dólar à vista rompeu o nível psicológico de R$ 6,00 ainda na primeira etapa de negócios, alcançando R$ 6,0036 na máxima. Após certo arrefecimento ao longo da tarde, a moeda fechou em alta de 1,29%, cotada a R$ 5,9895 – o que leva a valorização na semana para 3,01%.

A liquidez foi forte para um dia marcado pela ausência da referência dos mercados americanos, em razão do feriado do Dia de Ação de Graças nos Estados Unidos. Amanhã ocorre a tradicional disputa entre “comprados” e “vendidos” para a formação da última taxa ptax de novembro.

“O real teve um movimento muito forte de depreciação, totalmente descolado dos pares. Algumas das medidas anunciadas não vão ter o impacto estimado pelo governo”, afirma o economista-chefe da corretora Monte Bravo, Luciano Costa.

Dois dos principais pares do real, o peso mexicano e o rand sul-africano se valorizaram em relação ao dólar. Divisas de países exportadores de commodities, como dólar canadense e australiano, também ganharam terreno, embora de forma modesta.

Como já antecipado, o pacote traz uma redução de gastos acima de R$ 70 bilhões nos próximos dois anos – R$ 30,6 bilhões neste ano e R$ 41,3 bilhões em 2025. A política de valorização do salário mínimo vai se enquadrar nas regras do arcabouço, embora economistas ainda tenham relatado dúvidas sobre o mecanismo.

O plano ainda traz, entre outros pontos, ajustes em programas como Bolsa Família, abono salarial, Benefício de Prestação Continuada (BPC), mudança na previdência dos militares e nas emendas parlamentares. Há também limitação dos super salários do funcionalismo público.

“O grande problema é que se esperava uma resposta maior, mais estrutural do lado de despesas. O ajuste vai ser bem lento. E houve a surpresa negativa do IR”, afirma Lima, da Western Asset. “O ambiente externo já é de incertezas com a política monetária americana. E aqui dentro o governo perdeu uma oportunidade de dar um sinal positivo. Vamos ver como o Banco Central vai se portar. O mandato dele é controlar a inflação.”

Costa, da Monte Bravo, estima que as medidas apresentadas resultem em contenção de despesas em torno de R$ 40 bilhões e R$ 45 bilhões nos próximos dois anos, bem aquém dos R$ 71,9 bilhões estimados pelo governo. Ele também levanta dúvidas sobre a aprovação do pacote no Congresso, em especial no aumento do IR para faixa de renda mais alta para compensar a isenção de quem recebe até R$ 5 mil.

“O Congresso poderia passar a isenção, mas desidratar ou diminuir as compensações. Provavelmente, o governo será cobrado a dar uma resposta em relação à redução da velocidade de crescimento dos gastos em 2025 e 2026”, afirma o economista.

Segundo o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), sinalizou que fará “aquilo que for necessário” para aprovar o pacote de corte de gastos neste ano. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, disse que as medidas devem ser apreciadas no plenário da Casa na última semana antes do recesso parlamentar, que começa em 23 de dezembro.

Ibovespa

Com o dólar em nova marca inédita, a R$ 6 durante a sessão, o Ibovespa se curvou à aversão a risco posterior ao pacote fiscal – detalhado em entrevista nesta manhã – que, além do câmbio, colocou pressão extra na curva de juros doméstica, conduzindo o índice da B3 ao menor nível de fechamento desde 28 de junho, então aos 123,9 mil. Mesmo parte das ações com correlação positiva ao dólar, como Vale (ON -1,03%) e Petrobras (ON -1,67%, PN -1,03%), foram incapazes de segurar a Bolsa nesta quinta-feira de feriado de Ação de Graças nos EUA, sem negócios em Nova York.

Ao fim, o índice mostrava queda de 2,40%, aos 124.610,41 pontos, entre mínima de 124.389,63 (-2,57%) e máxima de 127.667,73, quase idêntica à abertura (127.667,40). O giro foi a R$ 27,7 bilhões, muito consistente para um dia sem a referência de Wall Street – feriados nos EUA costumam reduzir acentuadamente a liquidez na B3. Na semana, o Ibovespa recua 3,50%, e no mês, faltando a sessão de amanhã para o fim de novembro, cai 3,93%. No ano, cede 7,14%. Em porcentual, a perda desta quinta-feira foi a maior desde 2 de maio de 2023 (também -2,40%).

O detalhamento das iniciativas do governo para entregar uma “economia” de R$ 70 bilhões em recursos públicos nos próximos dois anos – confirmada ainda na noite de ontem pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, em pronunciamento na TV – foi incapaz de melhorar o humor dos investidores. A confiança já estava abalada, ontem, com o rumor, afinal confirmado, de que os cortes serão acompanhados por uma benfeitoria do governo, com efeito negativo para a arrecadação: a isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil por mês. Tal isenção seria compensada por tributação de 10% sobre quem recebe pelo menos R$ 50 mil. A sensação, porém, é de que uma iniciativa não compensará a outra.

Para Felipe Miranda, CEO e co-fundador da Empiricus, a economia pretendida pelo governo na prática tende a ser menor, algo entre R$ 40 bilhões e R$ 50 bilhões. “É uma tentativa de evitar um colapso fiscal”, diz Miranda, ressalvando que o pacote deveria ser “muito mais restritivo”. “Mas é o viável no momento”, acrescenta. “Cria uma ponte até 2026, quando será essencial promover rediscussão profunda, estruturante e reformista do Brasil. A partir de 2027, independentemente de qual governo for eleito em 2026, será inevitável, por uma questão aritmética, revisitar a questão fiscal e redefinir o tamanho do Estado”, diz.

O plano do governo “carrega fragilidades que comprometem sua eficácia a longo prazo”, diz Guilherme Jung, economista da Alta Vista Investimentos. “A profundidade das medidas e suas compensações deixam sérias dúvidas sobre a viabilidade fiscal e a sustentabilidade econômica do País”, acrescenta o economista, mencionando que, pelo lado das despesas, os cortes estão “muito aquém do necessário para estabilizar a crescente relação dívida/PIB”.

“As mudanças nas regras do abono salarial, por exemplo, foram diluídas em uma transição lenta. No lado das receitas, a isenção do IR pode gerar perdas anuais de R$ 40 bilhões, enquanto as compensações propostas, como a taxação de dividendos e alíquotas adicionais para rendimentos elevados, enfrentam incertezas no Congresso”, aponta Jung.

Na B3, como ontem, a sessão foi amplamente negativa para as ações de grandes bancos, com destaque hoje para Bradesco (ON -3,69%, PN -4,20%). As principais ações de commodities – Vale e Petrobras – mostravam variação relativamente moderada mais cedo, tendo sustentado leves ganhos, mas passaram a acentuar perdas em direção ao fechamento. Com o dólar pela primeira vez a R$ 6, e a R$ 5,9895 (+1,29%) no encerramento, empresas com receita na moeda americana foram um escape para compras, com destaque para JBS (+3,35%), Suzano (+3,00%) e Klabin (+1,97%), na ponta do Ibovespa, além de SLC Agrícola (+2,64%). Do lado oposto, MRV (-14,10%), CVC (-13,38%) e Lojas Renner (-10,16%).

Assim, empresas como as de frigoríficos e papel e celulose, exportadoras com receitas dolarizadas, contribuíram para que o ajuste do Ibovespa não fosse ainda pior na sessão, na medida em que o governo não conseguiu entregar um plano “condizente” com o que o mercado esperava, diz Thiago Lourenço, operador de renda variável da Manchester Investimentos. “Alguns bancos já estão trabalhando com taxa terminal para a Selic no atual ciclo de elevação do juros de referência acima de 14%”, acrescenta. “As contas que o governo têm feito não são as mesmas do mercado. O cenário é desafiador também para a inflação, e a curva de juros permanece muito estressada”, acrescenta.

“A comunicação do pacote foi confusa, gerando mais dúvidas do que confiança. Esse cenário só eleva o risco-país e pressiona os preços das ações, especialmente em setores mais expostos à economia doméstica”, diz Anderson Silva, head da mesa de renda variável e sócio da GT Capital. “Os motivos para a alta dos juros e do dólar são os mesmos das últimas sessões: um governo que não inspira confiança”, acrescenta. “O cenário para os próximos dias promete ser de turbulência, com volatilidade para o Ibovespa.”

Juros

Os juros futuros fecharam a quinta-feira em alta firme.

A repercussão negativa ao pacote fiscal sustentou as taxas em níveis elevados por toda a sessão, refletindo uma crise de confiança do mercado em relação à capacidade do governo em promover um ajuste fiscal. A reação foi tão violenta que os principais contratos voltaram a rodar em níveis não vistos desde o governo Dilma, com algumas taxas tocando os 14%. A precificação de Selic terminal na curva batia nos 14,75% no fim da tarde.

A taxa do contrato de Depósito Interfinanceiro (DI) para janeiro de 2026 encerrou em 13,91%, na máxima histórica, de 13,55% ontem no ajuste. A do DI para janeiro de 2027 terminou em 14,04%, maior taxa desde 8/4/2016 (14,14%), de 13,66% ontem no ajuste. O DI para janeiro de 2029 fechou a 13,91%, máxima desde 31/8/2015 (14,29%), ante ajuste de 13,48%.

A liquidez foi forte para um dia sem mercados em Nova York em função do feriado do Dia de Ação de Graças. O DI mais líquido – para janeiro de 2026 – girou cerca de 1 milhão de contratos. Entre ontem, com as informações extraoficiais sobre o aumento da faixa de isenção do imposto de renda, e hoje, com a confirmação das medidas, as taxas avançaram entre 70 e 80 pontos-base. O mercado vê desgaste na credibilidade da equipe econômica e coloca suas fichas numa atuação firme do Banco Central para sustentar a âncora monetária, uma vez que percebe a âncora fiscal se desmanchando.

Há ceticismo sobre a capacidade do governo em promover os R$ 71,9 bilhões em economia estimados nos próximos dois anos com as medidas, que podem ainda ser desidratadas durante a tramitação no Congresso. A Warren Investimentos calcula que, na prática, o valor deve ser 62,7% disso, ou cerca de R$ 45,1 bilhões. Para o Itaú Unibanco, o potencial de economia em 2 anos é de R$ 53 bilhões.

Além disso, o anúncio do aumento da isenção do imposto de renda foi visto como inoportuno. Quem ganha R$ até 5 mil terá isenção completa; aqueles que ganham entre R$ 5 mil e R$ 7,5 mil terão aproveitamento do benefício; e quem ganha acima de R$ 7,5 mil, conforme a escala da tributação, terão isenção de até os R$ 2 mil do salário mínimo. A renúncia estimada é de R$ 35 bilhões, que será compensada com medidas como a taxação dos super ricos, entre outras.

“Ainda que o aumento da isenção seja autofinanciável, o que é muito duvidoso, não faz sentido anunciar isso junto com o pacote. Acabou alavancando um impacto negativo de um ajuste que já veio fraco e tardio”, afirmou o estrategista-chefe da Monte Bravo, Alexandre Mathias, que se disse “perplexo” com o que o governo entregou. “Deu saudade dos tempos em que o pacote era adiado.”

Dada a percepção de que agravou-se o desequilíbrio entre a política fiscal e a monetária, a esperança do mercado é que o Banco Central atue para estancar a sangria. “Se quiser manter sua credibilidade e continuar trabalhando para coordenar expectativas, só vai restar ao BC reagir. Deveria dar 100 pontos de alta na Selic na próxima reunião”, afirmou Mathias, que calcula que para levar a inflação para perto da meta de 3% seria necessário apertar o juro a 14% ou 14,50%.

Nos DIs, as apostas de alta de 100 pontos na Selic no Copom de dezembro avançaram, com a probabilidade, que ontem era de apenas 4%, saltando a 28%, ante 72% de chance de aumento de 75 pontos. Para as reuniões de janeiro e março, a aposta de 100 pontos era quase consenso na curva nesta tarde. A Selic terminal projetada era de 14,75%. A última vez em que a taxa básica esteve em tal marca foi em agosto de 2006, na primeira gestão de Lula.

Estadão Conteudo

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