Mix diário

Após eleição de Trump, dólar cai na contramão do exterior; Ibovespa reduz perda e cai 0,24%

O dólar fechou em baixa firme no mercado doméstico nesta quarta-feira, 6, na contramão da onda de valorização da moeda americana no exterior, após a vitória do republicano Donald Trump na corrida à Casa Branca. O real apresentou de longe o melhor desempenho entre as divisas mais relevantes, incluindo desenvolvidas e emergentes.

Operadores e analistas atribuíram a apreciação do real a fatores técnicos, como ajustes e realização de lucros, além da expectativa de que o governo Lula anuncie nos próximos dias um pacote robusto de corte de gastos públicos.

O triunfo de Trump, que tem agenda protecionista e de redução de impostos, é potencialmente inflacionário – o que tende a limitar o espaço para corte de juros pelo Federal Reserve no próximo ano e, por tabela, levar a fortalecimento global da moeda americana. A aposta majoritária é que o Fed anuncie uma queda de 25 pontos-base na taxa básica amanhã, 7. O Comitê de Política Monetária (Copom) deve acelerar o ritmo de alta da taxa Selic hoje, com uma elevação de 0,50 ponto porcentual.

No início dos negócios, o dólar chegou a esboçar uma arrancada por aqui, tocando máxima a R$ 5,8619, nos níveis vistos em 1º de novembro, quando fechou no segundo maior valor nominal da história. Apesar disso, o real ainda apresentava desempenho superior a de seus pares, em especial do peso mexicano.

O dólar trocou de sinal no início da tarde e aprofundou as quedas ao longo da segunda etapa de negócios. Com mínima a R$ 5,6659, a divisa fechou em baixa de 1,26%, cotada a R$ 5,6759 – menor valor de fechamento desde 24 de outubro.

Para o economista-chefe da Nova Futura Investimentos, Nicolas Borsoi, o “mercado comprou a tese” de que a vitória de Trump vai “forçar o governo a entregar um pacote crível de pacote de gastos” para evitar pressões adicionais sobre o real.

Ibovespa

Os sinais de que a vitória de Donald Trump pode ser completa, com controle da Câmara e do Senado pelos republicanos, tiveram o efeito inicial esperado sobre os ativos brasileiros nesta quarta-feira que precede a decisão do Copom, à noite, e do Federal Reserve, amanhã: elevação do dólar a R$ 5,86 na máxima do dia, avanço da curva de juros doméstica e retração do Ibovespa. Tais movimentos, contudo, foram moderados ou inteiramente revertidos ainda na virada da manhã para a tarde, colocando o dólar em baixa de 1,26%, a R$ 5,6759, no fechamento da sessão.

Na B3, o índice de referência encerrou hoje em leve baixa de 0,24%, aos 130.340,92 pontos, entre mínima de 128.822,16 e máxima de 130.669,69 pontos, à tarde, tendo saído de abertura aos 130.613,17 pontos. O giro foi reforçado a R$ 24,5 bilhões.

No exterior, o dia foi de avanço generalizado da moeda americana e de valorização do bitcoin, principal criptomoeda, pela primeira vez negociado a US$ 75 mil. O fortalecimento do dólar resultou, inicialmente, em depreciação de commodities como o petróleo, com efeito para as ações de Petrobras, que chegaram a cair mais de 1%, mas encerraram não muito distantes da estabilidade (ON -0,10%, PN +0,03%), com a mitigação do ajuste de preços no Brent, em Londres, e no WTI, em Nova York.

O minério de ferro também cedeu nesta quarta-feira pós-eleitoral, com perdas que chegaram a 2% em Cingapura – em Dalian, China, o ajuste ficou em -0,76% na sessão. Vale ON fechou em baixa de 1,13%, na B3. Destaque para Metalúrgica Gerdau (+9,15%) e Gerdau (PN +9,61%) após a divulgação de resultados trimestrais. Na ponta oposta do Ibovespa, vieram Carrefour (-3,63%), CSN (-3,01%) e Engie (-2,92%).

Com a percepção de que o segundo governo Trump será deficitário, inflacionário e protecionista, os rendimentos dos Treasuries subiram agudamente na sessão, em paralelo a avanço entre 2,53% (S&P 500) e 3,57% (Dow Jones) para os principais índices de ações em Nova York. O Federal Reserve, conforme se espera, deve ainda cortar a taxa de juros americana em 0,25 ponto porcentual na reunião desta quinta-feira, mas a avassaladora vitória de Trump pode resultar em um grau maior de cautela pela autoridade monetária, logo à frente, com interrupção do ciclo de corte de juros para observar o que virá em 2025.

“Os republicanos mudaram o Senado, conquistando mais de 50 cadeiras obtendo assim a maioria na casa, e estão se saindo bem na disputa pelo controle da Câmara dos Deputados, embora a maioria dos comentaristas considere que essa disputa continua muito acirrada. Espera-se que esse resultado resulte em mais estímulos para a economia dos Estados Unidos, embora a escala dependa de os republicanos obterem o controle total do Congresso”, aponta em nota Oliver Blackbourn, gerente de portfólio de Multi-Asset na Janus Henderson Investors.

Projeções apontam 199 cadeiras para os republicanos e 180 para os democratas, com 56 ainda a serem definidas na Câmara, reportou nesta tarde a Associated Press. Para controlar a casa, um partido precisa de 218 assentos, do total de 435.

“A gestão republicana deve trazer maior tensão comercial e geopolítica, o que eleva a aversão a risco. E a combinação desse ambiente internacional de volatilidade e de juros globais em alta deve implicar menos atratividade nos fluxos para mercados emergentes. Nesse contexto, os fundamentos locais ganham muita relevância”, diz o economista-chefe do banco BV, Roberto Padovani. “Quadro global é desafiador para emergentes”, enfatiza.

No que diz respeito ao Brasil, a eleição de Trump deve resultar em câmbio pressionado e inflação elevada no País, com a taxa de juros podendo continuar alta por mais tempo, avalia o economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, para quem o resultado reforça a necessidade de ajuste fiscal robusto no Brasil, reporta a jornalista Ana Scabello, do Broadcast. Caso o ajuste seja avaliado como inadequado pelo mercado, ele destaca a chance de o dólar chegar a R$ 6.

“Todos passam a estar concentrados em entender quais serão os próximos passos do Trump e as implicações disso para os mercados como um todo. Domesticamente, ainda não temos muitas definições com relação ao fiscal, uma discussão que prevaleceu no interesse do mercado nas últimas semanas, ainda à espera de decisão do presidente Lula”, diz Rodrigo Ashikawa, economista da Principal Claritas.

Nessa conjuntura interna e externa, “há probabilidade de 89% de aumento de 50 pontos-base na taxa Selic hoje à noite. A vitória dos republicanos fortalece o dólar, intensificando as pressões inflacionárias e ampliando as expectativas de juros mais altos para conter a inflação. E a ausência até o momento de medidas fiscais por parte do governo brasileiro, e a incerteza sobre a trajetória econômica, tem levado investidores a adotar postura mais cautelosa”, diz Felipe Uchida, head do departamento de análises quantitativas e sócio da Equus Capital.

“O cenário atual exige postura mais agressiva por parte do Copom para controlar a inflação, que continua desafiadora e bem acima da meta estipulada. O aumento projetado de 0,50 ponto porcentual na Selic nesta reunião reflete a pressão do câmbio depreciado e os riscos fiscais, que têm exacerbado as expectativas de inflação no curto prazo”, diz Guilherme Jung, economista da Alta Vista Research.

No horizonte mais amplo, “um mundo com dólar forte, um Federal Reserve que não consegue cortar tanto os juros, e riscos de menor aquecimento econômico na China e nos EUA, diante de um protecionismo maior, dificultará a capacidade do BC brasileiro de reduzir os juros na segunda metade do ano que vem”, prevê o diretor da consultoria política Eurasia para as Américas, Christopher Garman, reporta de Nova York a correspondente Aline Bronzati, do Broadcast.

“Com a onda vermelha, o Brasil não tem espaço para qualquer tipo de derrapada fiscal. O grau de liberdade do governo se reduziu muito”, diz Borsoi, acrescentando que as moedas emergentes reduziram as perdas ao longo da tarde, o que contribui para as mínimas do dólar por aqui. “Além disso, os ativos locais estavam muito estressados e havia espaço para um ajuste.”

Além da moeda brasileira, apenas o rublo russo e o shekel israelense se apreciaram em relação ao dólar hoje. Principal par do real, o peso mexicano – que caiu mais de 2% pela manhã – chegou a operar pontualmente em terreno positivo. As moedas asiáticas apresentaram fortes perdas, dada a perspectiva de volta da guerra comercial entre EUA e China.

O índice DXY – termômetro do comportamento da moeda americana em relação a uma cesta de seis divisas fortes – superou os 105,400 pontos na máxima e girava ao redor do 105,100 pontos no fim do dia, em alta de mais de 1,60%. As maiores perdas foram do euro e do iene japonês.

O chefe da mesa de câmbio da EQI Investimentos, Alexandre Viotto, chama a atenção para fatores técnicos por trás do desempenho da moeda brasileira hoje. “O real pode ter sido usado como hedge nos últimas semanas. E hoje tivemos uma reversão dessas operações, o que trouxe o dólar para baixo”, diz Viotto.

Dado que o mercado futuro de câmbio local é mais líquido e de fácil acesso, investidores haviam aumentado a posição “vendida” em real contra o dólar nas últimas semanas para se proteger em caso de alta mais forte da moeda americana em relação a divisas emergentes por conta da vitória de Trump. Após a disparada da do dólar pela manhã, investidores partiram para realização de lucros e ajuste de posições, o que contribuiu para o alívio na taxa de câmbio.

Borsoi, da Nova Futura, acredita que há espaço para uma rodada adicional de apreciação do real caso o governo entregue um pacote de gastos que convença os investidores não apenas do cumprimento das metas fiscais como da sustentabilidade do arcabouço nos próximos anos. Ele não vê, porém, a possibilidade de uma taxa de câmbio abaixo de R$ 5,40 no curto prazo, justamente pela perspectiva de um dólar globalmente mais forte com a vitória de Trump.

“Temos outras questões que devem trazer volatilidade. A China pode aumentar os estímulos ao crescimento, o que é positivo para o real. Mas Trump deve trazer de volta a guerra comercial, o que é negativo. O impacto dessas forças divergentes sobre a moeda é uma incógnita”, afirma Borsoi.

Juros

Os juros futuros chegaram ao fim da sessão em alta até os vencimentos intermediários, enquanto os longos estavam de lado, num dia de volatilidade ditada pela reação dos mercados à vitória contundente de Donald Trump na eleição americana e às expectativas pelo pacote fiscal e pela decisão do Copom nesta noite. Com o resultado do pleito nos EUA sem dar margem para contestação, cresceu a aposta num pacote fiscal robusto que possa limitar os efeitos da eleição americana sobre o câmbio e, consequentemente, sobre a inflação.

A taxa do contrato de Depósito Interfinanceiro (DI) para janeiro de 2026 encerrou em 12,97%, de 12,85% ontem no ajuste. A do DI para janeiro de 2027 subiu de 12,97% para 13,04% e a do DI para janeiro de 2029 fechou estável em 12,99%.

Nas máximas pela manhã, as taxas chegaram a subir em torno de 20 pontos-base e nas mínimas, à tarde, a recuar 10 pontos-base. A amplitude do movimento mostra as incertezas tanto daqui quanto do exterior. Lá fora, uma delas, a de quem venceria a eleição, foi dissipada com a vitória maiúscula de Trump, que se elegeu tanto pelo voto popular quanto no colégio eleitoral, com os republicanos ainda levando o Senado e, provavelmente, a Câmara. “Isso dá a ele muito capital político para implantar sua agenda”, disse o estrategista-chefe e sócio da EPS Investimentos, Luciano Rostagno.

Embora Trump tenha hoje amenizado o discurso agressivo da campanha, há dúvidas sobre o que será de fato colocado em prática da sua pauta protecionista, que deve atingir principalmente México e China, esta a principal parceira comercial do Brasil. “Ele teve uma fala mais moderada, sugerindo que não vai esticar a corda. Mas não há como saber”, avaliou Rostagno.

Assim, pela manhã o mercado de juros digeria mal a eleição nos EUA, com taxas todas com avanço firme, mas houve melhora no fim do período, com os agentes amadurecendo a ideia de que o governo não terá outra alternativa a não ser caprichar nas medidas para proteger a economia brasileira do efeito Trump.

“A vitória de Trump colocará muita pressão sobre o Planalto para fazer cortes de gastos o mais rápido possível. A conta é simples: se Lula não estancar a piora da visão das contas públicas o dólar em alta irá destruir em 2024 as chances dele (ou o PT) ganhar em 2026”, avalia o economista André Perfeito.

Para o sócio da Oriz Partners, Carlos Kawall, é mais provável que o governo adote medidas “que lhe permitam a travessia 2025/2026” do que ações de caráter mais estrutural, como mudança nos parâmetros do Benefício de Prestação Continuada (BPC). “A ideia de ouvir todos os ministros me parece que reduz as chances de medidas mais estruturais, mas alguma coisa certamente vem”, afirmou o economista.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, avaliou que as reuniões com os ministérios sobre a agenda de corte de gastos foram bem sucedidas e que todos os ministros estão conscientes da necessidade de reforçar o arcabouço fiscal.

O maior otimismo sobre o pacote ajudou a neutralizar, nas taxas longas domésticas e no câmbio, o impacto da escalada dos rendimentos dos Treasuries. A descida da cotação abaixo dos R$ 5,70 é ótima notícia para o Copom, que hoje decide sobre a Selic. As apostas estão consolidadas na alta de 0,50 ponto porcentual, para 11,25%, e, com isso, a maior expectativa é pelo comunicado, sobretudo eventual sinalização sobre os próximos passos.

Segundo Rostagno, a curva precificava nesta tarde 51 pontos-base de alta para a decisão desta noite, ou seja, 94% de probabilidade de aperto de 0,5 ponto e 6% de chance de 0,75 ponto. Para dezembro e janeiro, precificação de 59 e 71 pontos, respectivamente, indica avanço da aposta de 0,75 ponto. Por fim, a curva projeta Selic chegando a um nível entre 13,5% e 13,75% em julho de 2025.

Estadão Conteudo

About Author

Você também pode se interessar

Mix diário

Brasil defende reforma da OMC e apoia sistema multilateral justo e eficaz, diz Alckmin

O Brasil voltou a defender a reforma da Organização Mundial do Comércio (OMC) em um fórum internacional. Desta vez, o
Mix diário

Inflação global continua a cair, mas ainda precisa atingir meta, diz diretora-gerente do FMI

A diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Kristalina Georgieva disse que a inflação global continua a cair, mas que deve