Transcorria o ano de 1979. Foi sentado na areia de Copacabana, sob sol escaldante, que Jacutinga e seus amigos começaram a sonhar com uma vida junto aos indígenas, após a leitura do edital para concurso público, em nível federal, para provimento de cargo de Indigenista da Fundação Nacional do Índio (Funai), publicado no “O Globo”.
Rumos citadinos tomaram os amigos. Jacutinga, na Praia de Copacabana, o chamado; Colégio Santo Inácio, o concurso; Brasília, o curso; Posto Indígena Manairisu, o estágio. Para diversas partes do país seguiram seus colegas mais próximos: Alípio Timbira, Cesar Oda, Estevão Taukane, Samuel Vieira Cruz, Paulo Cordeiro dos Santos, Osmar Vicente de Souza Coelho e David de Oliveira, os dois últimos da etnia Terena.
De Toyota, conduzida pelo indigenista e Chefe de Posto, Sílbene de Almeida, o indígena Cristóvão Hahaintesu e Jacutinga chegaram ao Posto Indígena Manairisu. À espera estava Maria Aurora da Silva, Atendente de Enfermagem dos Nambikwara desde 1976. Nessa aldeia, a ave permaneceu por mais ou menos dez dias, participando da formação de pomar e roças. Ambientou-se até ser conduzido à aldeia Wasusu, grupo Nambikwara do Vale do Guaporé, próxima à Fazenda Guanabara, nome muito familiar à ave carioca.
Sílbene de Almeida e Reinaldo Florindo, Engenheiro Agrimensor da Funai, conhecido por “Rei”, seguiriam para o Sararé com o intuito de iniciar os trabalhos de demarcação da Área Sararé; Jacutinga permaneceria por duas semanas, mais ou menos, na aldeia do grupo Wasusu, sob os cuidados de Etreca. Foi com a roupa do corpo e a rede de dormir, comprada no bairro Porto, em Cuiabá, que não poderia faltar, orientação dada pelos colegas: “no mato, você pode esquecer de tudo, até da escova de dentes, nunca da rede e do facão.”
Do Posto Indígena Manairisu à aldeia Wasusu. Paragem na aldeia Alantesu, onde trabalhava Arlene Lamas, atendente de enfermagem, mais tarde, indigenista. A jovem morava em uma casa-enfermaria de palha, edificada pelos indígenas. Da aldeia Waikisu até à Wasusu. A Toyota azul sumia na estrada. O ronco do motor tornou-se inaudível.
Juntos aos quarenta e três Wasusu, Jacutinga, em meio à boa e alegre hospitalidade indígena. Em meio à outras realidades: sem café e cigarros, fartura de mandioca, banana e carne de caça, surto de malária, Tordon (Agente Laranja, herbicida utilizado na guerra do Vietnã), ataques constantes de borrachudos, que deixavam seu corpo pintado com incontáveis minúsculos pontos vermelhos de sangue, quando, quase sempre, o refúgio era o mergulho no rio. À noite, sua rede sobre as cinzas da fogueira para se livrar da fumaceira que embaçava a casa. Além da nuvem de insetos, Jacutinga e um grupo de indígenas, ao retornar da roça, sofreram perseguição do temido Atasu, espírito maléfico, semelhante ao macaco, com pés avantajados.
Jacutinga foi levado pelos Wasusu ao sítio arqueológico no interior das cavernas sagradas “Abrigo do Sol”, próximo ao rio Galera, afluente do Guaporé. Taihãntesu, denominação dada pelos indígenas, possui expressiva quantidade de gravuras rupestres e materiais líticos e cerâmicos que evidenciam a presença humana de pelo menos 10.000 anos (há estudos datam 14.000 anos). O complexo de cavernas é utilizado pelos indígenas para abrigar as almas de seus mortos. Sua destruição fará com que os espíritos enfurecidos provoquem o fim do mundo.
Próximo ao término do estágio, Etreca e Jacutinga, a cavalo, chegaram à Areia Branca, lugarejo às margens da BR-364. Daí em diante, de carona em carona, chegou até às proximidades do Posto Indígena Manairisu. Precisava escrever seu relatório, com roteiro previamente estabelecido pela Funai. Última etapa do Curso de Formação em Indigenismo. Estava no dia 15 de dezembro de 1979. Chegou ao Rio no dia do Natal. Em 15 de fevereiro de 1980, Jacutinga passou a pertencer ao quadro de pessoal da Funai, com lotação no Posto Indígena Nambikwara, com os grupos do Cerrado, ãnũnsu, palavra ligada à raiz do verbo partilhar.