O dólar à vista fechou no nível de R$ 5,70 pela primeira vez desde 5 de agosto, com a divisa americana ganhando força tanto entre pares fortes quanto entre divisas emergentes e exportadoras de commodities, em mais um dia de “Trump trade”, com antecipação de uma possível vitória do republicano Donald Trump nas eleições americanas. A falta de novidades do governo brasileiro sobre potencial corte de gastos, levando a persistência de ruídos fiscais, a maior cautela sobre cortes de juros do Federal Reserve (Fed, BC americano) e a frustração com as perspectivas de crescimento da China também ficaram no radar.
A moeda americana à vista fechou em alta de 0,75%, a R$ 5,7051, acumulando ganho de 0,11% na semana e de 4,73% no mês de outubro. Já o índice DXY, que mede a variação da moeda americana ante uma cesta de pares fortes, teve alta de 0,25% hoje e de 0,79% ante sexta-feira passada, a 104,313 pontos.
Na avaliação do economista-chefe da Western Asset, Adauto Lima, a maior pressão no câmbio nesta sexta-feira é externa, com fortalecimento do dólar globalmente por dois motivos. “O primeiro é eleição americana com mercado colocando risco de que o candidato republicano Donald Trump seja eleito. E o segundo é o fato de que dados americanos continuam vindo fortes desde a última reunião do Federal Reserve (Fed)”, comenta.
Lima observa que a valorização do dólar ante o real foi leve nesta semana, “praticamente estável”, enquanto o DXY teve alta mais expressiva. “Então acho que pressão mais recente veio mais do exterior, embora aqui o governo não tenha feito nada para tirar nada a percepção de risco”, pondera.
No período da tarde, os ativos domésticos chegaram a piorar enquanto o mercado digeria falas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante a assinatura da revisão do acordo com as empresas envolvidas no desastre de Mariana. Na ocasião, o chefe do Executivo voltou a afirmar que investimentos na área social não devem ser vistos como despesas, além de mencionar que o novo acordo sobre Mariana deve ficar como lição para que as mineradoras revejam as consequências da “ganância por lucro”.
Os agentes monitoraram ainda fala do ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, que os recursos previstos no novo acordo de Mariana não estão sujeitos à “camisa de força” das regras fiscais.
Pela manhã, o diretor de Organização do Sistema Financeiro e Resolução do Banco Central, Renato Gomes, mencionou a incerteza sobre a política fiscal futura como um dos pontos que explicam a desancoragem das expectativas de inflação.
Outro fator monitorado pelo mercado cambial diz respeito à China, que anunciou nesta sexta-feira que fará um Congresso Nacional nos dias 4 a 8 de novembro, gerando expectativas de que mais medidas de estímulos sejam anunciadas.
Ibovespa
O bom suporte proporcionado pela ação de maior peso no Ibovespa, Vale ON – em alta de 3,40% após o balanço trimestral e o acordo sobre Mariana (MG) -, assegurou fechamento perto da linha d’água para o índice da B3 nesta sexta-feira, em baixa de 0,13%, aos 129.893,32 pontos. Na semana, o Ibovespa acumulou perda de 0,46%, após avanço de 0,39% na semana anterior que havia sucedido recuo de 1,37%. Assim, em outubro, que chega ao fim na próxima quinta-feira, cede 1,46%, colocando a perda do ano a 3,20%. O giro desta sexta-feira foi a R$ 19,8 bilhões.
Além de Vale, o Ibovespa contou com o apoio de Petrobras (ON +1,00%, PN +0,70%) nesta última sessão da semana, em pregão negativo para outro setor de peso, o financeiro, com destaque, entre os grandes bancos, para Bradesco (ON -1,13%, PN -1,45%) e Itaú (PN -1,12%). Na ponta perdedora do Ibovespa, IRB (-6,49%), Carrefour (-6,16%) e Hypera (-5,55%). Na face oposta, ao lado de Vale, destaque para CVC (+5,05%) e Bradespar (+3,03%), bem como para Usiminas (+4,24%) e Suzano (+2,79%), que também divulgaram resultados trimestrais.
“Vale e Usiminas apresentaram balanços trimestrais sólidos, com lucros significativos que superaram as expectativas do mercado. A Vale registrou lucro líquido de US$ 2,412 bilhões no terceiro trimestre e anunciou um acordo importante para a reparação do acidente da Samarco, o que trouxe mais confiança aos investidores”, diz Christian Iarussi, sócio da The Hill Capital.
“Resultado da Vale veio 15% abaixo do mesmo trimestre do ano anterior, mas acima do que os analistas esperavam para o período, o que deu ânimo para alta que chegou a superar 4% na ação. E a novela de Mariana chegou ao fim dentro do que o mercado esperava”, diz Rodrigo Moliterno, head de renda variável da Veedha Investimentos.
O presidente da Vale, Gustavo Pimenta, afirmou que o acordo assinado hoje no Brasil, relativo à reparação da tragédia ocorrida em 2015, em Mariana, Minas Gerais, mostrou que a jurisdição correta de negociação é o Brasil. “Hoje conseguimos corroborar isso, que a jurisdição correta para se fazer o acordo é o Brasil”, afirmou Pimenta em videoconferência para comentar o balanço da empresa.
Para Bruna Centeno, sócia e advisor da Blue3 Investimentos, em dia de agenda externa esvaziada, o desempenho de Vale ON foi fundamental para assegurar alguma estabilidade para o Ibovespa neste fechamento de semana, em sessão amplamente negativa para outros pesos-pesados do índice – e de dólar ainda pressionado, assim como a curva de juros doméstica, em meio às incertezas fiscais.
Dessa forma, para além de números corporativos bem recebidos pelo mercado nesta sexta-feira, o dia foi pautado, na B3, pelas persistentes dúvidas em relação à condução das contas públicas pelo governo, após a trégua do dia anterior, no mercado. Se, ontem, palavras do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de respeito ao arcabouço fiscal haviam trazido algum alívio, hoje o tom no Planalto foi outro.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva cobrou publicamente de seus ministros que estejam prontos a apresentar projetos de uso dos recursos do novo acordo sobre o desastre de Mariana. “Se não dermos conta do recado, daqui a 20 meses aquilo que hoje é festejado como o maior acordo já feito, vai ser cobrado do governo como a pior coisa que já aconteceu”, afirmou. Por sua vez, o ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, disse que os recursos previstos no novo acordo de Mariana não estarão sujeitos à “camisa de força” da regra fiscal, em referência à limitação de gastos prevista na regra de controle das contas públicas.
No agregado, as mensagens do dia foram lidas pelo mercado como reiteração de que o governo continua inclinado a uma agenda de projetos que justifiquem gastos, em detrimento de contenção de despesas para haver equilíbrio fiscal – o que contribuiu, nesta sexta-feira, para a alta do dólar (+0,75%, a R$ 5,7051 no fechamento) e para pressão adicional na curva de juros doméstica.
“Houve hoje uma reversão do movimento positivo que tivemos na quinta-feira. A atenção tem se voltado para a agenda de revisão de gastos prometida pelo ministro Haddad, que pode trazer novidades na semana que vem, passado o segundo turno das eleições municipais neste domingo. Pano de fundo ainda é a cautela relacionada à situação fiscal, pendente quanto ao pacote que vier a ser anunciado, muito importante para que se melhore a confiança e traga descompressão aos ativos”, diz Rodrigo Ashikawa, economista da Principal Claritas.
Apesar das incertezas, o mercado financeiro está mais otimista quanto ao desempenho das ações no curtíssimo prazo. É o que mostra o Termômetro Broadcast Bolsa desta sexta-feira. Entre os participantes, 42,86% disseram esperar que a próxima semana seja de ganhos para o Ibovespa, contra 28,57% na edição anterior, enquanto a fatia dos que acreditam em queda caiu de 28,57% para 14,29%. A parcela que prevê estabilidade manteve-se em 42,86%.
Juros
Os juros futuros fecharam a sessão desta sexta-feira em alta, refletindo a cautela sobre o que virá do pacote de corte de gastos esperado para depois do segundo turno das eleições municipais, com a agenda de indicadores pesada na semana que vem e pela piora nos rendimentos dos Treasuries, o que também ajudou o dólar a se firmar nos R$ 5,70. Na semana, a curva perdeu inclinação, com taxas curtas e intermediárias perto dos níveis da última sexta-feira e queda moderada da ponta longa.
No fechamento, a taxa do contrato de Depósito Interfinanceiro (DI) para janeiro de 2026 estava em 12,69% (máxima), de 12,60% ontem, e a do DI para janeiro de 2027 subia de 12,73% para 12,83%. O DI para janeiro de 2029 tinha taxa de 12,83% (de 12,74%).
Em boa medida, a perda de inclinação na semana foi assegurada pelo movimento de ontem, quando as taxas cederam em torno de 25 pontos-base, mas esse ajuste não conseguiu se estender, nem com o anúncio da Aneel de que em novembro passará a vigorar a bandeira amarela nas tarifas de energia.
Um dos motivos é a proximidade do prazo de entrega do pacote de corte de gastos e o mercado desconfia sobre o tamanho e a qualidade do ajuste que será aprovado pelo presidente Lula, que disse hoje “que é preciso mudar a cultura brasileira sobre o que é considerado gasto”.
Para João Mauricio Rosal, economista-chefe da Terra Investimentos, este tipo de declaração reforça a ideia de que “vender esse pacote do Haddad para o Lula não vai ser trivial”. “Nesse tipo de sinalização, o mercado aproveita para corrigir um pouco. É que o Lula hoje é o ministro da Economia, é o presidente do Banco Central, ele é tudo isso. Então, tem de ter a anuência dele”, diz.
A expectativa do mercado é de que o ajuste fique entre R$ 30 bilhões e R$ 50 bilhões. “O Haddad falou que vai ser uma mudança estrutural do ponto de vista fiscal, mas a gente não sabe de verdade, precisamos esperar e ver o que ele vai anunciar”, afirma Helena Veronese, economista-chefe da B.Side Investimentos.
Em complemento à cautela com o pacote, ela lembra que há dados relevantes nos EUA na semana que vem, como o índice de preços dos gastos com consumo (PCE, em inglês), indicador de inflação preferido do Federal Reserve, payroll e PIB. “Tudo isso deixou a cautela falar um pouco mais alto à tarde, e aí voltou o cenário que a gente estava tendo a semana inteira”, avalia.
O economista-chefe da Monte Bravo, Luciano Costa, lembra que o segundo turno da eleição municipal tem sido usado como um argumento para o governo não discutir nesse momento as medidas fiscais. “Teoricamente, na próxima semana, o governo estará livre para fazer as discussões”, afirma. “Quanto mais despesas ficarem dentro da mesma regra do arcabouço, mais sustentabilidade. O mercado vai entender que tem a continuidade do arcabouço até o final desse mandato do governo”, disse.
Na etapa vespertina, os juros locais foram ainda contaminados pela aceleração da alta dos rendimentos dos Treasuries, com o da T-Note de dez anos chegando a 4,247% nas máximas, refletindo o aumento das apostas na vitória do republicano Donald Trump, o que tende a fortalecer o dólar e tornar mais lento e restrito o alívio monetário nos EUA. Pesquisa final feita pela CNN mostra Trump empatado com Kamala Harris, com 47% das intenções de voto.
No fim do dia, a Aneel informou que a bandeira tarifária será a amarela para novembro, mas sem impacto sobre a curva, na medida em que os analistas já vinham incorporando essa possibilidade em seus cenários, dado o maior volume de chuvas nos últimos dias.