Por Renato de Paiva Pereira
Às vezes queremos fazer o universo caber dentro do nosso pensamento. Esse processo
reduz o mundo à nossa moral particular.
Pode acontecer por insuficiência de conhecimento: como não entendemos as coisas
que nos rodeiam, tendemos a explicá-las com o pouco que sabemos. Fenômenos
complexos exigem esforço de reflexão, que, por sua vez, requer bagagem intelectual.
Mas a bagagem, infelizmente, não está disponível a todos. O acúmulo de
conhecimento necessita de tempo, esforço, vontade e de recursos financeiros, bens
sabidamente escassos.
Outras formas de tentar moldar o mundo a nós, são a arrogância, pretensão e as
cegantes ideologias. Fanáticos de todos os estratos (políticos, religiosos, ideólogos,
etc.) quase todos reducionistas, criam uma visão de mundo própria e tentam a todo
custo impingi-la aos outros.
As ideologias, com toda a concepção idealista que carregam, foram as principais
causadoras de mortes e sofrimentos no mundo. As cruzadas e guerras religiosas, o
holocausto e tragédia que Mao Tse Tung impôs à China são bons exemplos. As crenças
ideológicas, que tanto mal já fizeram ao mundo, quando parecem arrefecer,
recrudescem com novo vigor a cada tempo. Grupos islâmicos radicais, que apavoram o
mundo moderno, são exemplos atuais.
Por moralizar, no sentido que o texto explora, entenda-se transformar os diferentes
até que pensem exatamente como nós. Em política, direita e esquerda disputam a
posse da verdade. A religião é um caso crônico. Os cristãos que vão morar no paraíso
celestial depois da vida terrena, querem convencer todos a irem também pra lá. Os
muçulmanos, agraciados com 70 virgens cada um quando chegarem ao céu, já aqui na
terra desprezam e desdenham os que não acreditam nisso.
Uma boa metáfora para a moralização é a Cama de Procusto. Na mitologia grega o
bandido Procusto tinha uma cama de ferro do seu exato tamanho. Recebia os viajantes
que passavam por sua casa e lhes dava hospedagem. Quando se deitavam, os
dominava e moldava ao tamanho da cama. Se eram menores esticava-os até o
tamanho dela, se maiores cortava partes do corpo da vítima até a adaptação completa.
Moralizar é impor o nosso “tamanho”: tentar mudar os gays, ridicularizar os que
ouvem funk ou moda sertaneja, desprezar o Candomblé, debochar da cultura ou
endeusá-la, olhar enviesado para os fumantes, convencer-se de que comer somente
vegetais é a salvação do mundo ou rir dos que pensam assim.
O que pode nos afetar se duas pessoas do mesmo sexo se unem? Se cultuam um Deus
diferente do nosso ou nenhum? Se são incultos ou sofisticados demais? Se gostam de
funk, torcem para o Corinthians…
Observando bem nossos atos, talvez cheguemos à conclusão de que somos muito
parecidos com o Procusto Grego: queremos adaptar todos à nossa baliza.
Este texto, de repente, pode estar tentando impor uma ideia moralizante, baseada no
meu conceito de moral. Olha o Procusto aí de novo.
Foto: Arquidiocese de Belo Horizonte