Os EUA e a oposição síria pressionaram pela saída do presidente Bashar al-Assad do poder durante um eventual governo de transição, mas o regime descarta a possibilidade e afirma que só o povo sírio pode se manifestar sobre a legitimidade do líder.
O ministro de Relações Exteriores da Síria, Walid al-Moualem, disse que o país vai fazer "o que for necessário" para se defender da maneira que achar apropriada. Ele afirmou que a guerra civil "não vai parar na Síria", mas vai afetar todos os países vizinhos.
Em um longo discurso, ele pediu às potências internacionais que parem de "apoiar o terrorismo" e removam as sanções contra Damasco.
O chanceler afirmou que ninguém pode contestar a legitimidade do governo de Assad, a não ser o próprio povo sírio.
Moualem acusou os membros da oposição de serem "traidores" e agentes estrangeiros.
"Eles dizem representar o povo sírio. Se vocês quiserem falar em nome do povo sírio, vocês não devem ser traidores do povo sírio, agentes a mando dos inimigos do povo sírio", disse.
Ele foi interrompido em sua longa defesa da política do regime de Assad por Ban Ki-moon, secretário-geral da ONU, que objetou que ele excedeu em muito o seu tempo. Moualem respondeu dizendo que tinha o direito de expressar a posição de seu país e continuou seu discurso, com Ban lamentando sua atitude.
Comparação com nazismo
Falando depois, o líder oposicionista sírio Ahmad Jarba comparou as fotos de torturas de presos, supostamente feitas pelas forças do governo, a crimes semelhantes cometidos pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial.
"As imagens de tortura são sem precedentes, exceto nos campos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial", disse.
Jarba disse que o presidente Assad era responsável por crimes contra a humanidade no país devastado pela guerra e disse que não existe negociação possível enquanto ele estiver no poder.
"Peço (para a delegação do regime) que assine imediatamente o documento de Genebra 1 (que prevê) a transferência das prerrogativas de Assad, incluindo as do Exército e da segurança, a um governo de transição", afirmou Jarba.
Transição sem Assad
O secretário de Estado dos EUA, John Kerry, também voltou a defender a posição americana de uma transição política sem Assad no país.
"Precisamos lidar com a realidade aqui… consentimento mútuo, que é o que nos trouxe até aqui para um governo de transição, significa que o governo não pode ser formado por alguém que é contestado por um lado", declarou Kerry na abertura.
"Isso significa que Bashar al-Assad não fará parte desse governo de transição. Não há nenhuma maneira, não é possível imaginar, que o homem que liderou esta resposta brutal contra seu próprio povo possa recuperar a legitimidade para governar", disse.
Kerry disse que a negociação de paz entre representantes do regime sírio e da oposição exilada vai ser "dura e complicada".
'Novo começo'
O encontro começou com um discurso de Ban Ki-moon, que apelou para que as partes em guerra tentem "um novo começo", apoiadas pela comunidade internacional.
"Esta conferência é a sua oportunidade de… mostrar unidade", disse.
Segundo o chefe da ONU, há grandes desafios para que se chegue um acordo, mas eles não são intransponíveis.
Ban apelou para que as partes permitam o acesso imediato da ajuda humanitária, principalmente às regiões do país que estão sob cerco.
Oportunidade histórica
O ministro russo das Relações Exteriores, Serguei Lavrov, disse que as negociações não serão simples ou rápidas, mas a realização de uma conferência de paz representa uma oportunidade histórica.
"As negociações não serão simples, nem serão rápidas", declarou Lavrov no início da conferência. "Há uma responsabilidade histórica sobre os ombros de todos os participantes", declarou aos representantes das partes beligerantes da Síria e de outros 40 países.
"Nosso objetivo comum é conseguir colocar fim ao trágico conflito na Síria", declarou o chefe da diplomacia russa, que também denunciou a presença de "extremistas provenientes de todo o mundo, que semeiam o caos na Síria e reduzem a nada os cimentos culturais e democráticos do país, formados durante centenas de anos".
"A conferência nos dá uma verdadeiraoportunidade, embora não seja de 100%, de concluir a paz", considerou.
O ministro de Relações Exteriores da França, Laurent Fabius, pediu um cessar-fogo imediato no país e a abertura de corredores para a chegada de ajuda humanitária.
O chanceler saudita, príncipe Saud al-Faisal, engrossou o coro pela saída de Assad, cujas mãos disse estaram "manchadas de sangue".
Ele pediu a retirada de todas as forças externas da Síria, incluindo os combatentes do grupo libanês Hezbollah e da Guarda Revolucionária do Irã, que apoiam o governo Assad contra os rebeldes.
Resumindo o estado de espírito de muitos participantes na conferência, o ministro alemão das Relações Exteriores, Frank-Walter Steinmeier, considerou que ninguém deve esperar por um "milagre".
Ainda assim, a reunião de Montreux certamente ajuda a preparar a reunião que começa sexta-feira na ONU, em Genebra, envolvendo apenas as duas delegações sírias e o enviado especial da ONU e da Liga Árabe, Lakhdar Brahimi.
Este deve ser o início de um processo longo, de sete a dez dias de uma primeira etapa, de acordo com um membro da delegação russa, citado pela agência de notícias Interfax.
Ele poderia resultar em alguns acordos para aliviar o sofrimento dos civis e troca de prisioneiros.
Tarefa gigantesca
Diminuir o fosso entre as duas partes em guerra parece uma tarefa gigantesca.
Não só as duas partes estão comprometidas a lutar nas linhas de frente, onde a vitória ainda continua a escapar dos dois lados, mas a maioria na miríade de grupos rebeldes repudiou a organização opositora Coalizão Nacional, no exílio, por ter aceitado participar das conversações.
E embora o mediador da ONU, Lakhdar Brahimi, teoricamente tenha o apoio consensual das potências mundiais, o alvoroço causado pelo convite ao Irã ilustra como a guerra distanciou potências ocidentais da Rússia e colocou contra o Irã xiita os Estados árabes sunitas, que apoiam os rebeldes.
O presidente russo, Vladimir Putin, e o presidente dos EUA, Barack Obama, mantiveram por telefone uma conversa "construtiva e voltada para negócios" sobre a Síria, disse o Kremlin. O chanceler russo, Sergei Lavrov, e o secretário de Estado norte-americano, John Kerry, devem se reunir mais tarde em Montreux.
No entanto, a disseminação da violência, que já matou mais de 130 mil pessoas e levou um terço dos 22 milhões de habitantes da Síria a deixarem suas casas, fez com que surgisse um novo ímpeto para os esforços internacionais para deter o derramamento de sangue.
Já se passaram 18 meses desde que a conferência internacional de paz anterior, chamada Genebra 1, terminou em fracasso, e todas as outras iniciativas diplomáticas se mostraram infrutíferas.
"Na melhor hipótese, Genebra 2 vai reafirmar acordos feitos durante a primeira conferência de Genebra, pedir cessar-fogos, talvez trocas de prisioneiros e assim por diante", disse um diplomata ocidental.
"Ao mesmo tempo, quem participa das conversas está, na prática, dando legitimidade a Damasco. Eles estão conversando com o governo de Assad do outro lado da mesa. E, portanto, o show deverá continuar enquanto Assad permanece no poder."
O diálogo poderá aumentar, contudo, a luta interna entre as facções oposicionistas rivais, que já é bastante violenta. A conferência está sendo boicotada pelas poderosas facções islamitas sunitas que controlam parte substancial território sírio. Elas qualificam a oposição política no exílio como traidora por participar das conversações.
G1 Mundo