É neste período de festas que ocorre o maior número de viagens tanto no Tietê quanto em Cumbica. Mais gente circulando significa mais objetos perdidos ou simplesmente abandonados.
Além de usuais celulares, documentos, livros, malas e roupas, a lista inclui objetos sui generis. Em Guarulhos, por exemplo, já foram encontrados pranchas de surfe, tampões de porta-malas de automóvel, carrinhos de supermercado, mantas de carne-seca, pés de porco e até um "cachacímetro", espécie de dosador de cachaça.
O terminal Tietê não fica atrás. Fogões, pias, bicicletas, jacas, geladeiras e mesmo uma TV de 60 polegadas engrossam o curioso rol, do qual constam também muitas dentaduras, cadeiras de rodas, muletas e bengalas.
"Parece que a alegria e a euforia de viajar são tamanhas que as pessoas acabam se curando na hora do embarque", brinca Caetano, 42.
No Tietê, os territórios dos "perdidos" são as cadeiras de descanso e a área de embarque. Principalmente entre as plataformas 51 e 72, de onde partem os ônibus para as regiões Norte e Nordeste.
Ali, é comum a aglomeração de gente carregando na cabeça e nas costas ou arrastando pelo chão eletrodomésticos, brinquedos e móveis. Na semana passada, o mestre de obras
Josenildo da Silva, 53, carregava, além de duas bagagens, brinquedos para sobrinhos, uma TV e uma centrífuga para as irmãs.
"Presente de Natal", contou, empolgado, incorporando o Papai Noel. "Aqui é mais barato do que lá no Norte", disse antes de encarar, num primeiro trecho, 3.308 km em 54 horas de viagem para Sobral (CE), de onde partiria para a sua cidade natal.
"Pago a multa, sim senhor, mas não deixo aqui, não."
O preço pelo excesso de bagagem para quem segue de ônibus ou de avião é um dos principais motivos do abandono de objetos, segundo as empresas que administram o aeroporto e a rodoviária.
No Terminal do Tietê, cada passageiro pode levar até 33 kg de bagagem. Acima disso, ele paga pelo excedente.
Em voos domésticos, o limite é de 23 kg (5 kg para bagagem de mão). Nos internacionais é assim: são duas bagagens de até 32 kg cada uma por peça; já por peso varia de 20 kg a 40 kg, a depender da classe em que a pessoa viaja.
De ônibus ou de avião, o valor muda de acordo com o destino e a companhia.
Só para ter uma ideia, hoje, no aeroporto mais movimentado do Brasil, há 2.100 objetos à espera de um dono.
Segundo a GRU Airport (empresa responsável pela administração do terminal), 40% deles são devolvidos.
As áreas dos "achados" são banheiros, saguão de desembargue, portão de embarque e os aparelhos de raios x; nestes, já foram encontradas espadas de samurai e de Jedi.
No check-in da TAM, o empresário Gilberto Almeida Araújo, 49, esqueceu a mala de mão Louis Vuitton com notebook, iPad e celulares, quando seguia para Natal.
Tanto ele como a mulher só se deram conta da perda na sala de embarque.
Araújo procurou o setor de perdidos e achados, mas a bolsa não estava lá. Aflito, refez o trajeto. Felizmente, uma funcionária do balcão de embarque havia guardado a preciosa mercadoria.
"É comum ficar muito ansioso antes de viajar. Confesso, já estava com a cabeça na praia."
CADÊ MINHA CHINCHILA?
Todo material encaminhado ao setor de perdidos e achados é catalogado. Traz informações com dia, horário e local onde foi encontrado, dados estes que serão confrontados na devolução.
No Tietê e em Cumbica, os objetos permanecem guardados por 60 dias –os perecíveis por, no máximo, 48 horas. Caso o dono não apareça, o material é encaminhado a instituições filantrópicas. Na última leva, mil encostos de pescoço saíram de Cumbica para a doação.
Normalmente, 800 objetos são achados por mês no aeroporto, número que cai para 300 na rodoviária.
Dia desses, um passageiro perdeu na área de desembarque de Cumbica um "maço" de R$ 9.000. Outro viajante encontrou e entregou na seção de perdidos e achados, que fez a bolada voltar para as mãos do avoado.
"Muitos desistem de procurar porque não acreditam na honestidade das pessoas, mas elas surpreendem", conta Sérgio Pacheco, 45, do departamento de perdidos e achados do GRU Airport.
Uma chinchila "esquecida" no saguão da Asa C de Cumbica não teve a mesma sorte. A gaiolinha estava devidamente identificada, o dono foi acionado pela equipe do aeroporto, mas não deu as caras. O destino do bichinho?
Foi encaminhado a um abrigo de animais vítimas de maus-tratos e abandono.
A propósito: a urna com as cinzas encontrada no Tietê, essa, sim, teve um final feliz.
Pela etiqueta de identificação, o setor de achados e perdidos contatou a viajante, que se desculpou "por ter esquecido a mãe" na área de embarque. Em duas semanas, a urna com as cinzas voltou para os braços da filha.
UOL