Conheci Julia Pascali quando morava junto ao povo Nambiquara, lá pelos idos de 1985. Sua estada na aldeia resultou em Índio sabido sim, que conta histórias que viveu e ouviu junto ao povo Nambiquara entre os anos de 1985 e 1987. Júlia, que se diz aprendiz de Nambiquara, carrega em seu cesto-cargueiro uma influência oriental-indígena. Aprendeu durante sua caminhada que o imaterial é mais importante que o material – uma lição Nambiquara.
Dentre os escritos de Júlia, acha-se O aparecimento da escuridão, uma narrativa mítica que explica como surgiu a noite. O pajé, que por sua condição religiosa é proibido de manter relações extraconjugais, namorou duas mulheres. Em represália ao seu comportamento, a escuridão assolou por um ano a vida Nambiquara. Além disso, os artefatos indígenas transformaram-se em animais.
A capa do livro traz uma sequência de palitos de fósforos que parece estar em movimento, a lembrar das ondas migratórias de nossos antepassados que chegaram ao continente americano há 15.000 anos (ou 50.000, como sustenta Niède Guidon?). Não importa o tempo e sim a magia do movimento impresso que induz ao seminomadismo tão característico dos diversos grupos que compõem a sociedade Nambiquara, antes do advento do contato com os não indígenas. Agora o tempo importa: de grupos outrora seminômades passaram a ser sedentários, confinados em reservas para usufruir de parcas benesses ofertadas por políticas públicas descompassadas das reais necessidades indígenas.