"Não é justificável essa detenção por nove horas com base numa lei que se aplica a suspeitos por terrorismo. Hoje devo conversar com o chanceler William Hague e terei a oportunidade de abordar esse tema", disse Patriota.
Miranda ficou retido quase 9 horas numa sala com seis agentes da Scotland Yard (polícia metropolitana de Londres), quando fazia escala no país para voltar ao Rio.
A viagem do Miranda a Berlim foi financiada pelo jornal britânico "Guardian", onde trabalha Greenwald. Lá, ele visitou Laura Poitras, documentarista americana que auxilia o jornalista na divulgação dos documentos repassados por Edward Snowden
"Espero que o governo brasileiro faça alguma coisa porque a gente não sabe o que está acontecendo de verdade", afirmou ao desembarcar no Aeroporto Internacional Tom Jobim (Galeão), na Ilha do Governador, zona norte do Rio, por volta das 5h15 de hoje.
Patriota participa de evento em memória aos dez anos da morte de Sérgio Vieira de Melo. Em referência ao caso de Miranda, o ministro afirmou que o brasileiro, morto em atentado na sede da ONU em Bagdá, condenaria "desmandos e desvios no combate ao terrorismo".
"O terrorismo precisa ser combatido com muita seriedade, mas defendemos que seja dentro do direito internacional, das boas práticas multilaterais, sem infringir a soberania de países sem desrespeitar direitos humanos e de privacidade, sem enquadrar pessoas em que não há justificativa alguma de suspeita de envolvimento com terrorismo", afirmou.
O ministro afirmou ainda que o Itamaraty convocou pela manhã o embaixador britânico para passar a posição do Brasil sobre o caso. "Esperamos que isso não volte a acontecer. Essa mensagem foi transmitida claramente."
Detenção
Recebido no aeroporto do Rio por Greenwald, Miranda disse que foi questionado "sobre a minha vida inteira, sobre tudo". "Seguraram o meu computador, videogame, celular, pen drives, máquina fotográfica", lamentou.
O brasileiro afirmou que não foi ofendido, mas ficou irritado pela forma que foi abordado. Com aspecto de cansaço e nervosismo, ele contou que teve seu passaporte confiscado.
"Não me deram o meu passaporte. Antes eu comecei a fazer um escândalo no lounge falando que eu queria o meu passaporte, que eu queria sair dali, saber aonde eu ia, o que eles iam fazer comigo. Só depois de oito horas consegui que o advogado chegasse lá", lembrou.
Enquanto aguardava o companheiro, o jornalista afirmou à Folha que em conversa por telefone com o advogado recebeu a informação de que o companheiro sofreu ameaça de ser preso caso não respondesse as perguntas. Ele classificou o episódio com o companheiro como uma "intimidação à imprensa" e disse que recebe, desde o início, apoio do Ministério das Relações Exteriores.
Estudante de Comunicação na ESPM (Escola Superior de Propaganda e Marketing) do Rio, Miranda fazia apenas uma escala em Londres para retornar ao Rio. Ele havia encontrado uma jornalista –colaboradora do "Guardian"– em Berlim (Alemanha). A repórter escreve um documentário sobre a série de investigações do governo americano.
Greenwald vem publicando no "The Guardian", desde 5 de junho, artigos revelando ações de espionagem digital da agência nacional de segurança dos EUA (NSA, na sigla em inglês) utilizando documentos vazados pelo ex-funcionário da CIA Edward Snowden.
Oposição
A parlamentar Yvette Cooper, que acompanha pela oposição as atividades do Departamento de Justiça, exigiu uma investigação urgente do uso da lei de terrorismo na detenção de David Miranda, o namorado do jornalista Glenn Greenwald.
Segundo ela, os ministros devem determinar se houve mau uso da lei. "Qualquer sugestão de que poderes de combate ao terrorismo estejam sendo mal usados deve ser investigada e esclarecida com urgência", ela disse.
Horas antes, o chefe da Comissão de Assuntos Internos do Parlamento britânico, Keith Vaz, disse ao programa "Today", da rádio BBC 4, que a detenção do brasileiro deve ser explicada pela polícia.
"O que é extraordinário é que eles sabiam que se tratava do parceiro de Greenwald e, desta forma, fica claro que não apenas as pessoas envolvidas estão sendo alvos, como também pessoas ligadas aos envolvidos", disse Vaz.
Folha de São Paulo