O ato está sendo organizado pela ativista da AMB (Associação de Mulheres Brasileiras) Rogéria Peixinho, que costuma se vestir de freira na Marcha das Vadias, e que repetirá a fantasia no próximo protesto. Segundo ela, a chegada do pontífice à capital fluminense terá como "contraponto a livre manifestação de uma outra juventude", na rua, "protestando contra a opressão e o controle da vida e da sexualidade das mulheres".
"A presença do papa e os recursos públicos alocados para a visita de um líder espiritual colocam em xeque a laicidade do Estado. (…) Esse tema está dentro dos eixos da marcha, assim como o direito ao corpo, as denúncias sobre os casos de estupro que estão aumentando principalmente no Rio, e a formulação de políticas públicas de proteção às mulheres", disse ela.
"A gente já havia definido que a Marcha das Vadias aconteceria em julho. Com a Jornada, realizar o ato durante a visita do papa também é uma forma de colocar outra juventude na rua, estabelecendo um contraponto político. Queremos mostrar que há uma outra juventude e uma outra forma de pensar o mundo, e a data também tem a ver com isso", completou Rogéria, lembrando o fato de que, no dia 27, milhares de jovens estarão reunidos em vigília na JMJ.
A fantasia utilizada pela ativista em outras marchas já está preparada para a edição deste ano, segundo ela. "A roupa de freira, como eu já me vesti outras vezes, é um símbolo de questionamento sobre a posição da igreja contra o aborto. Muitas mulheres engravidam dentro dos conventos e, muitas vezes, são obrigadas a abortar. A gente já vem colocando esse tema nas marchas há algum tempo", explicou.
Rogéria revelou ainda que ela e as demais organizadoras da passeata estão preparando uma performance especial em alusão à presença do papa Francisco e aos dogmas defendidos pela Igreja Católica.
"A Marcha é sempre muito irreverente. Eu uso a roupa de freira há pelo menos três anos, mas, assim como eu, outras mulheres certamente usarão fantasias em alusão ao papa. Vamos questionar a violência sexual que também é sofrida pelas mulheres que são freiras", disse.
A concentração do ato vai ocorrer no posto cinco da praia de Copacabana, a partir das 14h. Por volta das 16h, os manifestantes seguirão pela avenida Atlântica em direção ao posto dois, na altura da rua Senador Dantas, e entrarão na rua Nossa Senhora de Copacabana. A caminhada segue até a esquina com a rua Ministro Viveiros de Castro, com término na rua Prado Júnior.
Rogéria afirmou ao UOL que a organização da Marcha das Vadias terá uma preocupação especial em relação às condições de segurança dos participantes, uma vez que os atos recentes pela capital fluminense têm terminado em confronto com a polícia.
No domingo (14), manifestantes foram repreendidos pela Tropa de Choque da Polícia Militar com bombas de efeito moral na frente do hotel Copacabana Palace, na avenida Atlântica, onde era realizada a festa do casamento de Beatriz Barata, neta do principal empresário do setor de transportes do Rio, Jacob Barata, conhecido como "Rei do Ônibus".
"Pensamos em adotar um esquema de segurança com máscaras antigás, por exemplo, e outros itens. Até hoje, todas as edições da Marcha foram pacíficas. Mas o papa vai estar na cidade e o ato tem esse traço de irreverência e de ousadia. Temos, sim, um receio em relação ao que a PM pode fazer. Mas também contamos com a presença da imprensa e da mídia para inibir casos de violência", disse. "Queremos, claro, evitar não só a a ação da polícia, mas também dos machistas de plantão", completou.
Grupo gay diz "observar postura do papa"
O presidente do Grupo Arco-Íris de Cidadania LGBT, grupo que organiza a Parada Gay no Rio, Júlio Moreira, afirmou ao UOL ainda estar "observando a postura do papa" para definir se serão realizados protestos antihomofobia durante a Jornada Mundial da Juventude.
Segundo ele, até o momento, o argentino Jorge Mario Bergoglio –que, na época em que era arcebispo de Buenos Aires, expressou opiniões firmes em relação a assuntos de natureza sexual– não "atacou diretamente" ou mesmo "condenou" os homossexuais desde que foi eleito papa.
"Em princípio, ainda estamos observando. Diferentemente do antigo papa, Bento 16, que tinha uma opinião muito clara sobre os homossexuais, o papa Francisco ainda não foi incisivo. Pode ser que outros grupos de defesa dos direitos LGBT levem em consideração o passado dele, mas pensamos que ele agora ocupa um outro cargo. Ele é o chefe da Igreja Católica. Toda fala e postura representa como a Igreja vai repercutir na sociedade", disse.
Moreira afirmou não esperar que o pontífice faça qualquer declaração sobre a homossexualidade em seus discursos durante a Jornada Mundial da Juventude. "Ele não vai mexer com assuntos que estão quentes na política brasileira. Ele vai manter o o foco na juventude e na ideia tradicional da família, assim como na questão da pobreza. Ele pode até abordar a questão da homossexualidade de uma forma mais amena, mas não acredito que adotará um tom progressista", disse.
Porém, o presidente do Grupo Arco-Íris não descartou a possibilidade de que protestos sejam realizados caso o papa Francisco venha a se expressar de forma dura em relação à população LGBT. "Vamos esperar para ver", finalizou.
Visita do papa "reforça agenda conservadora", diz Cfemea
Para a socióloga do Cfemea (Centro Feminista de Estudos e Assessoria) Jolúzia Batista, a realização de uma Marcha das Vadias durante a visita do papa Francisco ao Rio é "um ato de resistência política", pois a vinda do pontífice seria, na visão dela, um "reforço da agenda conservadora da Igreja Católica".
"A Marcha é um ato de resistência política sobre o que consiste, na verdade, a presença do chefe da Igreja Católica em momento em que o país está se manifestando sobre liberdades que sempre foram tensionadas, questionadas e retrocedidas em termos de políticas públicas", disse.
De acordo com Jolúzia, os grupos feministas brasileiros não têm expectativas quanto a possíveis discursos do papa sobre o tema dos direitos das mulheres no decorrer da JMJ. "Pouco provável", sintetizou a socióloga, que considera o perfil do pontífice um "avanço em relação à postura tradicionalmente conservadora da Igreja Católica":
"Ele tem um perfil de combate à pobreza, mas ainda que ele tenha essas características, o dogma permanece. De qualquer forma, o perfil dele já é algo diferente".
Perfil conservador
Na Argentina, Bergoglio é conhecido pelo conservadorismo e pela batalha contra o kirchnerismo. O prelado também é reconhecido por ser um intenso defensor da ajuda aos pobres, e costuma apoiar programas sociais e desafiar publicamente políticas de livre mercado.
O pontífice é considerado em seu país natal um ortodoxo conservador em assuntos relacionados à sexualidade, se opondo firmemente contra o aborto, o casamento entre pessoas do mesmo sexo e o uso de métodos contraceptivos.
Em 2010, entrou em controvérsia pública com a presidente Cristina Kirchner ao afirmar que a adoção feita por casais gays provoca discriminação contra as crianças.
Fonte: UOL