Cidades

Doença social avança em ritmo alarmante

 
O alcoolismo avança como uma doença social cada vez mais perigosa e que conta com o incentivo desmedido de campanhas publicitárias. “Se cerca de 10% das pessoas que precisassem de ajuda estivessem aqui, com certeza nós não teríamos espaço suficiente para atendê-los”. Esta informação de um dirigente do Alcoólicos Anônimos (AA) de Cuiabá atesta o quanto o alcoolismo tem vitimado cada vez mais pessoas e um número cada vez maior de mulheres e jovens. Como é lícito o consumo de bebida alcoólica, a identificação da doença é outro agravante para o aumento também de óbitos.
 
Ele alerta que, além do acompanhamento realizado pelas instituições de auxílio como o AA, ou outras até mesmo ligadas a diversas religiões, é extremamente necessário o acompanhamento médico e até psicológico, dependendo da gravidade do dependente.
 
A médica Hélia Vexel, especialista no tratamento de dependentes químicos, reforça: “O alcoolismo tem que ser visto como uma doença crônica que causa sérias deteriorações no corpo humano, até mesmo irreversíveis. O problema é físico e muitas vezes se necessita de tratamento com remédios e até, em casos extremos, de internação”. Ainda segundo Hélia Vexel, um dos principais problemas no tratamento do alcoolismo é a família, que muitas vezes pensa que o paciente não quer se livrar do vício por pura falta de vontade, não encarando o grave estado de dependência do familiar. 
 
Outro grave problema na recuperação destacado pela médica é a cultura adotada na sociedade, que incentiva o consumo do álcool como algo capaz de garantir status.  “Não são raros relatos de pacientes que disseram ficar constrangidos em festas onde se recusaram a beber e foram duramente discriminados até mesmo com piadinhas, e por fim acabaram cedendo ao vício”. Dessa forma, é extremante necessário que o paciente em início de tratamento se mantenha afastado de eventos sociais regados a bebidas alcoólicas. 
 
O afastamento dos antigos hábitos está diretamente ligado às diretrizes do Alcoólicos Anônimos, como relata César M. que há mais de 30 anos é assíduo nas reuniões da instituição e há muitos anos também participa da organização do projeto. “Velhos hábitos nos levam a velhos caminhos, então, se queremos nos livrar deste triste vício, é extremamente necessário o afastamento destes locais que nos levam ao erro”, observa.
 
Mulheres estão bebendo mais
 
Segundo um estudo divulgado recentemente pela revista Clinics e pelo Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (CISA), que investigou os padrões de consumo e diferenças entre gêneros em relação aos problemas relacionados ao uso do álcool, a mudança no papel da mulher na sociedade contribuiu para o consumo exagerado de bebidas alcoólicas. Os resultados apontam que aproximadamente 22% dos entrevistados (32,4% das mulheres e 8,7% dos homens) são abstêmios, 60,3% são bebedores não pesados (sem diferença entre os gêneros) e 17,5% (26,3% homens e 10,9% mulheres) relataram ter feito uso pesado e frequente de álcool. Outro dado que diferencia o consumo entre os gêneros é que a ingestão de bebidas alcoólicas entre as mulheres está diretamente relacionada a um maior grau de instrução e melhores condições econômicas. 
 
O relato de uma alcoólatra 
 
Para Maria Clara (nome fictício), 47 anos, o vício em álcool começou aos 16 anos, dentro de casa e até mesmo com o incentivo dos familiares. “No começo eles achavam bonitinho, que era coisa da idade mesmo, que logo ia passar”. Vinda de uma família de classe média alta, o aporte financeiro auxiliou no aumento da frequência das bebedeiras. “Eu sempre estava em festas e bebendo muito. No começo ia às festas que me interessavam e bebia para ficar mais desenvolta; seis meses depois eu já estava assídua em qualquer festa regada a bebida. Sempre arrumava uma desculpa para beber”, relata.
 
Há 20 anos com o vício controlado (alcoolismo não tem cura), Maria conta que aos poucos foi se apaixonando perdidamente pela sensação causada pelo álcool. “Por mais que as pessoas te falem para parar de beber, não adianta, principalmente quando você descobre que é muito fácil conseguir bebida, é só ir ao bar e beber, não tem segredo”, conta ainda ressaltando que após um ano já estava totalmente entregue ao vício. 
 
Ainda segundo Maria, o período mais crítico da doença veio no terceiro ano de consumo diário do chope e cerveja. Sem conseguir terminar os estudos, passou a ser indesejável na família, principalmente pelo descontrole de personalidade apresentado durante o estado alcoólico. 
“Quando se bebe muito, você fica totalmente sem controle, é horrível principalmente para as mulheres. Minha saúde foi definhando, minha beleza se acabando, não conseguia manter um relacionamento estável, a bebida te consome de uma forma que não te deixa prosseguir”. 
 
Aos 27 anos e grávida, o vício parecia não ter mais controle. “Quando estava grávida, aconteceu uma coisa extraordinária: eu enjoei da bebida, mas não via a hora de ter o meu filho para beber novamente. Mas foi quando ele nasceu, cerca de quase um ano depois, quando a minha família quis levá-lo de perto de mim, foi que pensei em pedir ajuda de verdade”, conta emocionada, ainda dizendo entender a atitude de preocupação dos familiares, já que a sua situação estava totalmente sem controle. 
 
“Eu vivia toda machucada, inchada e doente, então a melhor coisa que eles poderiam fazer era levá-lo mesmo, mas graças a Deus consegui forças para procurar o AA, porque sem ajuda ninguém consegue. O vício é muito mais forte do que a gente”, afirmou dizendo estar muito feliz pelos seu 20 anos de sobriedade. 
 
 
Mayla Miranda – Da Redação
Fotos: Pedro Alves e Diego Frederici

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