A rigor, privilegiados por uma natureza exuberante – das mais belas do planeta – somos muito pouco interessados em tudo que nos diz respeito, não só em termos de estado, mas também da própria sociedade.
Ao contrário da cultura alemã, por exemplo, em que tudo é levado a sério nos seus menores detalhes, tendemos a menosprezar, e até ridicularizar, as preocupações obsessivas com tudo que diz respeito ao bem estar e segurança social.
Lembro-me que li que em uma das cidades da Alemanha Oriental, logo após a queda do Muro, numa pequena estação de trem soavam seguidamente pelos alto falantes os pedidos de desculpas pelo atraso de dois minutos nos trens em circulação. Aquilo me fez pensar o quanto éramos diferentes pelo mundo afora.
Com relação à tragédia ocorrida em Santa Maria, no sul do Brasil, com certeza não estamos diante de uma fatalidade.
Estamos sim, diante de um somatório de descaso, corrupção, adoração ao Deus Ouro, autoritarismo, truculência do sistema de segurança e, como noticiaram alguns jornais internacionais, de uma enorme boçalidade.
Em que outro lugar do mundo pode-se imaginar permissão para soltar fogos num ambiente fechado?
E se cabem 400 pessoas e o Deus Lucro manda que se coloquem 1.000 ou mais?
E se os órgãos fiscalizadores das normas de segurança não o fazem por razões muitas vezes escusas?
E se, para não perder comandas, impedimos que pessoas saiam em momentos de perigo?
E se falamos com tanta naturalidade que no Brasil algumas leis pegam e outras não? Como se as leis tivessem vida própria e nem sempre fossem feitas para serem cumpridas.
E, se herdeiros de um autoritarismo de estado que vivenciamos por 20 anos, ainda vemos o autoritarismo na sociedade que, com tanta frequência ainda ouvimos o “sabe com quem está falando”?
Diante desse quadro, não me venham falar que essa triste ocorrência foi uma mera fatalidade. Isso seria subestimar a inteligência do cidadão que paga impostos estratosféricos, dos maiores no mundo, sem que de volta tenha os seus direitos básicos assegurados.
Claro que em ambientes onde se misturam libido e drogas, sejam elas legais ou não, todas as regras de segurança deveriam ser indiscutivelmente obrigatórias e fiscalizadas com rigor.
Aguçando a nossa memória, tragédias com as do Bateau Mouche, as enchentes anuais que devastam algumas de nossas cidades, todas poderiam ser minimizadas se o poder público cumprisse o seu verdadeiro papel.
A essa altura não seríamos tantos chorando a perda de seus entes queridos e outros tantos revoltados com o desprezo com que somos tratados.
Gabriel Novis Neves