Queria falar de carnaval. Se pudesse. Esse título também caberia na crônica que imaginava escrevinhar no meio do mundo, pra variar, no domingo. O tema seria o samba do Salgueiro, um canto comovente e realista sobre os Yanomami.
https://youtu.be/BWmsESrW7tM?si=XHhRsIXOsarljzw8
Só que… Hoje é 12 de novembro, Dia do Pantanal.
Antes de ligar o bioma a efeméride vejo o drama que se desenrola em parte da maior planície inundável do mundo. Mais uma vez, como em 2020, ela arde sob os olhares complacentes e cúmplices de quem tem o dever constitucional de preservá-la.
Mesmo assim pensei em manter o foco na folia, ou falar dos planos do réveillon carioca, para compensar o peso dos últimos textos sobre os acontecimentos no Oriente Médio.
Resisti até abrir o “X” e me deparar com postagens do PL. Ele, o Partido Liberal, comemorando o Dia do Pantanal nas redes sociais. Ele e, também, sua parlamentar Carla Zambelli, a dona que correu atrás de um eleitor apontando uma arma pelas ruas de São Paulo nas últimas eleições.
Foi a gota d´água para mudar minha melodia de um samba enredo para um lamento nativista. Falo de “Queimada”, um dos socos no estômago que levei na 10 Califórnia da Canção Nativa do Rio Grande do Sul, a primeira que acompanhei, em 1980. Defendida por Miguel Gonzalez, Os Uruchês e o piano triste e pungente de Cide Guez, sua melodia acompanha e sublima as imagens poéticas da agonia da terra e dos animais. Os versos finais dizem: “É hora do homem parar de agredir, ou gerações futuras serão caravanas errantes, condenadas a morte na fome numa terra que não vai parir”.
https://youtu.be/xn2XjVD-HXk?si=jCR1QgP0ISE-TN46
Ali caiu minha ficha da responsabilidade que tenho como cidadã desse mundão de não me omitir para alertar, a quem interessar possa, sobre o tamanho da encrenca em que nos metemos ao mexer com o planeta como estamos fazendo. É uma luta longa, muitas vezes inglória e frustrante. Mas, como diz o título do texto, se tem bambu, tem flecha.
E essas são as flechas que carregam mensagens a você, leitor, para alertá-lo a não se deixar enganar por banners motivacionais postados por aqueles que, com seus votos, colaboram de forma direta e criminosa para a destruição de nossas riquezas naturais.
Como assim? O partido que abriga representantes da bancada do agro, (a que quer ampliar a área de plantio às cabeceiras do Pantanal, demarcá-lo na vazante e não na cheia, fazer PCHs -Pequenas Centrais Hidroelétricas, interferindo no curso natural das águas que garantem o frágil equilíbrio do bioma, a mesma que incentiva o avanço indiscriminado agrícola no Cerrado, principalmente na chamada zona do Alto Paraguai), exaltando o Dia do Pantanal? Nele também pontifica a bancada da bala, que avança com projetos de liberação da caça!
Menciono um partido, mas sabemos que esse vírus invasivo permeia outros. Eles desenvolvem ações orquestradas nas câmaras parlamentares municipais, estaduais e federais que corroem a rede de proteção ambiental. O que tem de gente fazendo cara de paisagem, como se nada estivesse acontecendo. O que tem de manipulação de dados e informações!
Todo cuidado é pouco, por exemplo, quando o diligente ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, cria de Blairo Maggi, o eterno Motoserra de Ouro, “recorta” dados sobre o agro que não respeita as normas ambientais usando o santo nome de sua colega Marina Silva, do Meio Ambiente, em vão. “Ela disse que menos de 2% dos agricultores cometem delitos”, afirma o pupilo do magnata da soja, “mais de 98% agem de forma correta”, conclui.
Sabe conversa pra boi dormir? É por aí. O que ele não menciona é a quantidade absurda de terras que os “menos de 2%” detém. São os latifundiários que controlam a maior parte. Hoje, 0,7% das propriedades têm área superior a 2 mil hectares. Mas… somadas elas ocupam 50% das terras agricultáveis. Portanto, olha o tamanho do espaço em que esse pequeno e privilegiado contingente pode fazer estragos. Isso se chama manipulação de dados.
E, como ainda tem bambu, não custa nada flechar a meia informação tendenciosa de quem, como gestor público, contribui para colocar lenha na fogueira que arde sem a devida prevenção e contenção no Pantanal e no Cerrado, enquanto vende ao mundo a “defesa” da Amazônia.
Tudo parte do mesmo movimento, o alvo a ser atingido por informações claras que desmascarem a minimização de um problema gigantesco, concentrado e com recursos quase infinitos para patrocinar candidaturas, postergar ações judiciais e vender conceitos como o de que “O AGRO é POP”, botando no mesmo balaio os mega tubarões e o agricultor familiar pra confundir a cabeça do povo. Sinceramente, não acho que seja fácil mensurar o tamanho do problema e das forças que enfrentamos.
Então, deixo uma sugestão. Especialmente aos mato-grossenses que seguiram até aqui a trajetória dessa flecha.
Abra sua janela, tente ver o horizonte e inspire fundo o ar contaminado pelas consequências da ganância que destrói o meio e corrói a qualidade do nosso ambiente. Olhe em volta. Pense no futuro.
Agradeça se (ainda) houver algum bambu a seu alcance. E lute!
*Valéria del Cueto é jornalista e fotógrafa. Crônica da série “Parador Cuyabano” do SEM FIM… pantanalsemfim.wordpress.com
Texto e foto de Valéria del Cueto