O mercado imobiliário é um setor que desperta grande interesse e expectativa por parte dos compradores, que buscam realizar o sonho da casa própria ou investir em imóveis. Mas nem sempre os negócios ocorrem como planejado, resultando no chamado distrato imobiliário, ou, em palavras populares, rescindir, cancelar o negócio realizado.
Neste artigo, abordaremos o conceito de distrato, as dores dos adquirentes, a atuação da Justiça e os entendimentos quanto aos percentuais de multa que podem ser cobradas, a aplicação da Lei do Distrato em vigor desde 2019 em contratos anteriores a ela e, ainda, a
questão da retenção por parte das loteadoras da chamada "taxa de fruição" ou "taxa de ocupação".
O distrato imobiliário é o procedimento de rescisão/cancelamento de um contrato de compra e venda de imóvel, podendo ocorrer em empreendimentos de loteamentos ou imóveis na planta, desde que financiados diretamente com à construtora, incorporadora ou loteadora.
A Lei 13.786/2018, conhecida como Lei do Distrato estabelece regras específicas para essas situações.
De acordo com a lei, as construtoras e incorporadoras podem reter até 50% dos valores pagos pelo adquirente, desde que tal previsão esteja expressa no contrato e o empreendimento esteja em patrimônio de afetação.
Entretanto, os percentuais de retenção e outras taxas e valores, vem sendo questionados judicialmente por muitos adquirentes que pretendem desfazer o negócio, e a Justiça segue entendendo que os percentuais devem flutuar entre 10% a 25% (a depender da data da assinatura do contrato) sobre os valores pagos (diferente do que vemos costumeiramente ser praticado – multa sobre o valor atualizado do contrato ou sobre o valor do imóvel -, visando garantir maior equilíbrio as partes.
Há ainda, diversos outros assuntos que envolvem o tema, como a existência de garantia de alienação fiduciária nos contratos, seu registro no cartório competente ou não, a existência ou não de benfeitorias em caso de lotes, dívidas de IPTU não pagas, enfim, uma imensidão de detalhes que necessitam de observação.
As principais dores dos adquirentes nos casos de distrato incluem a demora na devolução dos valores pagos (onde a Justiça entende que a devolução de valores deve ocorrer em parcela única e corrigido), multas abusivas e taxas cobradas no distrato, a exemplo da denominada “taxa de fruição".
Muitos adquirentes, ainda, se sentem prejudicados com a retenção de uma porcentagem considerável do valor pago, algumas vezes sendo informados que não possuem nenhum valor a ser restituído, questionando a adequação dessa prática em relação aos prejuízos efetivamente causados à construtoras e loteadoras.
A atuação da Justiça, inclusive do STJ, em casos de Distrato Imobiliário tem sido cada vez mais presente. As decisões têm se mostrado favoráveis aos adquirentes, embora cada caso seja analisado individualmente.
A Justiça tem considerado abusiva a cláusula contratual que prevê a retenção de valores excessivos, determinando a devolução integral do montante pago, por exemplo, quando a construtora não cumpre suas obrigações contratuais, como a entrega do imóvel fora do prazo estabelecido no contrato. Neste último exemplo, os adquirentes tem questionado a inversão da multa contratual e indenizações pelo atraso ou não entrega do imóvel.
No que se refere à aplicação da Lei do Distrato, em vigor a partir de 2019, à contratos assinados anteriormente a ela, a interpretação é de que a lei não pode retroagir para prejudicar o adquirente.
Portanto, nos contratos firmados antes da entrada em vigor da Lei, a tendência é que deva ser aplicadas as regras vigentes à época da assinatura.
Já quanto à retenção da "taxa de fruição" ou "taxa de ocupação" nos distratos imobiliários, a questão é controversa. Alguns entendimentos jurisprudenciais consideram que essa taxa não deve ser retida pelas construtoras ou incorporadoras, pois ela representa uma cobrança indevida, já que o imóvel não foi efetivamente usufruído pelo adquirente, ou seja, em caso específico de lotes, onde não houve construção alguma, esta cobrança se traduz abusiva.
No entanto, existem casos em que as construtoras argumentam que essa taxa é legítima, devido ao período em que o adquirente esteve com a posse do imóvel. Cabe à Justiça analisar cada caso e determinar se essa taxa pode ou não ser cobrada, levando em consideração os princípios de equidade e proporcionalidade.
Em conclusão, o Distrato Imobiliário é uma questão complexa que requer atenção e conhecimento jurídico, com análise de cada contrato, vez que não se pode tratar todos os casos de forma idêntica. Os adquirentes devem buscar amparo legal para proteger seus direitos e interesses, com auxílio sempre de profissional especialista na área.
* Igor Giraldi Faria, OAB/MT 7.245, é advogado, fundador do escritório Igor Giraldi Advogados e especialistas em Direito Imobiliário.