Acontece que estou impregnada do meu amor primeiro, apesar de traído várias vezes, o Leme. É a ele que o olhar se volta assim que chego perto da guarita da pedra, na divisa do Forte de Copacabana. Uma mureta e um aramado impedem a passagem guardada por um soldado vigilante. Pergunto se sabe onde nascerá a lua. Diz que não com cara de quem não entende muito de coisas de lua. Natural, espacial nem esotérica. Aviso que é muito sortudo apesar do friozinho. Do ponto em que está de sentinela verá um lindo anoitecer.
A lua subirá cedo, às 17:42. Enquanto escrevo ergo o olhar e observo o céu azul sem nuvens. Só com a barra de poluição sendo colorizada em tons rosados no lusco-fusco. Observo a quantidade de pinguins, os turistas, que esperam o sol cair para aplaudi-lo em Ipanema. Que contraluz. Tudo lindo!
Acho que expandi a sensibilidade visual ontem no Leme. Fazia tempo que não ia ao meu paraíso perdido. Achava que seria uma passagem rápida só pra acarinhar, como sempre, a Pedra do Leme do Caminho dos Pescadores. O tempo andou manhoso, birrento, cheio de crises de choro. O mar pesadão sempre em tons de chumbo refletindo o céu cinzento e nublado que trazia as chuvaradas. Não esperava nada do passeio, só que…
Quando cheguei na subida do Caminho dos Pescadores, já na estátua de Clarice Lispector e seu cachorro sentada na mureta, vi que o passeio ia dar liga. A primeira imagem pulou da câmera quando um outro cão se chegou na poetisa enquanto seu dono estava sentado ao lado. O fundo era aquele visual de Copacabana inteira. Cortei o dono (que me perdoe) e esperei um tempo até o Totó olhar para os mistérios de Clarice.
Continuei para o Caminho em busca do ponto em que entre pichações, grafites variados e, hoje, uma bike camuflada. Me agarro nela, a pedra, para saudá-la. Imagine a cena, caro eleitor. De costas à beleza estonteante, mãos e corpo grudados ao monolito como uma lagartixa, conversando com os meus e os visitantes passando de um lado pro outro. O ritual não é demorado. É o tempo uma saudação, um Pai Nosso, aquecer a alma e deixá-la ser embalada pelo som das ondas e marolas do vai-e-vem do mar no costão do Leme. Estou em casa.
Depois de impregnada da força da pedra é só fazer um giro de 180 graus e abrir, aí sim, a visão para a força estonteante do cenário que se descortina de lá. Imagino caravelas em tempos antigos acompanhando o deslizar de um veleiro.
Pode ser que essa beleza não provoque nenhum efeito em outras pessoas. Em mim é um sopro de vida, numa ressuscitação boca-a-boca. Audição e visão expandidas à grandiosidade da paisagem. Minha reação é baixar os olhos para o local que produz o som inconstante que hipnotiza e, achava, estaria turvo, agitado. Aí, vem o que fez mudar o rumo do registro aqui no caderninho. O primeiro ponto é a cor da água. O segundo, sua limpidez azul esverdeada. Está bom? No sobe e desce da maré da lua cheia (olha ela) deu para sentir a sedução?
Enquanto me entregava ao ritmo calmo do mar, vi a dupla passeando. Duas tartarugas brincavam no play aquático natural do costão entre cardumes. O tempo parou para nadar com eles e eu engatei nas imagens. Ô sina. Sabe aquele compromisso? Perdi a hora.
E agora, para finalizar porque o espaço está acabando, vou ali correndo! Se escrever mais as “tugas” (estou íntima) também me fazem perder a lua cheia do mês de junho que está nascendo. Onde? Para o lado de onde sou cria. Do Leme… #saiodoLememasoLemenaosaidemim
*Valéria del Cueto é jornalista e fotógrafa. Texto das séries “Arpoador e Ponta do Leme” do SEM FIM… delcueto.wordpress.com