Lei nº 8.213/2019, conhecida como Lei de Cotas, estabelece que todas as empresas com 100 funcionários ou mais devem ter, pelo menos, 2% das vagas preenchidas por pessoas com deficiência (PcD). Contudo, a teoria nem sempre retrata a realidade. Relatório do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2022 aponta que 7 em cada 10 brasileiros com algum tipo de limitação – seja física, auditiva, visual ou intelectual – estão fora do mercado de trabalho. Dois dos principais fatores são o preconceito e a dificuldade de acesso à educação.
Em todo o país, são mais de 17 milhões pessoas com essas condições, sendo que 168 mil delas vivem em Mato Grosso. Ainda assim, o percentual de descumprimento à legislação é de cerca de 50%. Temos um contingente de PCDs em idade laboral suficiente para preencher em até 15 vezes as vagas ofertadas pela Lei de Cotas, aponta a auditora fiscal do trabalho Caroline Mendes Lima, que também coordena o projeto de inclusão de PCDs ao mercado de trabalho no estado. Na visão dela, o cenário requer medidas de fiscalização mais rigorosas para garantir a ocupação destes postos de serviço.
Uma das que estão ativas no mercado é a assistente social Marta Bordignon, 35, que tem deficiência visual. Ela desempenhou várias funções na carreira profissional antes de ser integrada ao setor administrativo da Faculdade de Tecnologia do Serviço de Aprendizagem Industrial de Mato Grosso (Fatec Senai MT). A rotina de trabalho é atribulada, conta. Lanço as avaliações de egressos no sistema, faço ativos e resolvo pendências no ambiente escolar, entre outras tarefas. Às vezes, sou um pouco rígida, mas isso é necessário para garantir a ordem e o bom andamento dos trabalhos. Estou amando tudo isso, detalha.
Mesmo empregada, Marta segue realizando capacitações e cursos técnicos voltados para a área de logística. Assim como em qualquer categoria, a busca por qualificação é um diferencial que tem peso ainda maior entre as pessoas com deficiência. Conforme o Observatório da Indústria, apenas 20% das PCDs concluíram o ensino médio. O mercado de trabalho é muito competitivo, mas, aos poucos, as portas estão se abrindo. Expandir os conhecimentos é fundamental para lidar com esse novo momento, finaliza Bordignon.
+Oportunidades
Justamente para aumentar a oferta de qualificação e estimular a contratação de PCDs, o Sindicato das Indústrias de Bioenergia (BIOIND-MT) e o Serviço de Aprendizagem Industrial de Mato Grosso (Senai MT) lançaram, na última semana, o programa “+ Possibilidades”.
“O objetivo é dar independência e fazer com que essas pessoas sejam protagonistas de suas próprias histórias. Isso só é possível tendo uma vida profissional produtiva. Esperamos que esse exemplo inspire empresas em outros estados”, diz o presidente da Bioind-MT e Federação das Indústrias do Estado (Fiemt), Silvio Rangel.
Ao todo, 340 pessoas vão ser atendidas em 10 cidades do estado ao longo dos próximos 12 meses. O processo será dividido em fases teórica e prática, sendo que cada uma terá duração de 6 meses. Além dos colaboradores, as empresas também serão qualificadas para receber e facilitar a adaptação dos novos profissionais.
“Dessa forma, tornamos o processo mais gradual tanto para os empregadores como para os trabalhadores”, comenta Lhais Sparvoli, diretora-executiva da Bioind-MT. Ao término da capacitação, os PCDs escolherão suas áreas de interesse com base na demanda de cada região, explica a dirigente.
Injeção de confiança
O estudante Daniel de Oliveira, 32, faz secretariado há cerca de um mês e meio e revela que a capacitação promove um mergulho pela história da indústria. A formação também aborda processos de produção e qualidade e aula de Libras (Língua Brasileira de Sinais). “A experiência está sendo maravilhosa porque as temáticas são complexas. Já estou ansioso para conquistar um emprego”, destaca Oliveira, portador do transtorno do espectro autista (TEA).
A auditora fiscal do Trabalho, Caroline Mendes, enfatiza que a inclusão das pessoas que sofrem com algum tipo de limitação é essencial para dar injeção de confiança a este público. “Deficiência não é anomalia, mas sim uma diferença. O fato de um indivíduo ter deficiência não significa que ele não possa fazer um determinado trabalho. Isso é um mito. A diferença só se torna problema quando a sociedade cria barreiras para impedí-lo de executar uma função”.