“Tempo voraz, ao leão cegas as garras” já dizia Shakespeare há quase 500 anos. Impiedoso é também o tempo pra quem não tem garras: atrofia o que não devia, amolece o que precisa ficar rijo, enrijece o que era pra permanecer maleável, torna lento o que se quer rápido e faz esquecer o que era pra ser lembrado. De bom não sei se traz, o tempo, alguma coisa. Alguns dizem que a experiência. Mas, adianta boa turbina sem chassi e fuselagem?
Pra diminuir a voracidade do tempo apelamos pra mil coisas: combate aos radicais livres, meditação transcendental, terapia anti-stress, massagem rejuvenescedora, aplicação de botox.
Mas “Contra a foice do tempo é vão combate” o mesmo Shakespeare nos lembra em outro poema.
A turma da ½ (meia) idade 3/4 ou 7/8 adora falar das foiçadas do tempo: “Quanto é sua pressão?” “E o colesterol?” “Credo… você não faz exercício…?” “ Oh essa barriga… Barrigudo e da perna fina….” “E a próstata como vai?”
Sucumbindo à pressão familiar resolvi fazer ginástica e natação. Arrumaram-me uma mucuta que mais parecia lancheira pra criança de pré-escola. Foi a primeira gozação, “O que tá levando de lanche hoje, pai? Finjo não escutar e me mando. Ontem ia saindo pra a academia de chinelo. Já que ia fazer natação na seqüência da musculação achei que era muito trabalho tirar o sapato, colocar o tênis, tirar o tênis para nadar e voltar a calçá-lo.
“Você não tem vergonha?”. “Sem noção…” “Coisa mais absurda…” “Ninguém faz uma coisa dessa”. Eram quatro dedos apontados condenando com furor missionário.
Me senti o maior caipira. Só não desisti por que já tinha pago o mês adiantado.
Na volta as inevitáveis risadas.. “Sabe a última do pai? queria fazer ginástica de chinelo.” “Não acredito…” “Tá gagá mesmo”.
Coisas ridículas poucos podem fazer. O Tom Jobin, por exemplo, tido como um dos maiores músicos brasileiros fez uma rima mais ou menos assim: “Quero a luz do olhos teus/na luz dos olhos meus /sem mais tra-lá-lá-lá”. E todo mundo acha lindo.
Também a maioria já ouviu falar do ex-bilionário Eike Batista que ostentava na sala de estar de sua mansão uma reluzente Mercedes prateada. Os convidados acham a coisa mais normal do mundo ter um carro daquele nível enfeitando a casa.
Pois é, o Tom Jobin pode terminar um verso com esse infame tra-lá-lá-lá, que dito por outro seria considerado a maior falta de recurso de vocabulário. Também o bilionário está liberado para ornar a sala com um carro, sem ser chamado de novo-rico ou cafona.
Muitas vezes a diferença entre o bizarro e o excêntrico depende menos do ato do que de quem o pratica. Mas, pensando bem devo admitir, ir para academia de chinelo deve ser ridículo para qualquer ser humano.
Renato de Paiva Pereira