Dia claro, céu sem nuvens, ondas médias. Praia? Aceitável para um dia de semana, mesmo que o último. O verão está indo embora. Os turistas? A maioria já partiu. Digo a maioria por experiência própria. Há um desequilíbrio visível entre o número de banhistas e de ambulantes que circulam oferecendo seus produtos.
À minha direita, na direção do perfil dos Dois Irmãos e do Vidigal, um casal de argentinos parece ser a rapa do tacho da temporada internacional. Corpos sarados, com experiência de praia. Dá pra notar pelas atitudes. Um mergulho aqui, uma tostadinha ali.
O marido puxa conversa com um dos muitos vendedores de queijo coalho que passam e tenta regatear o preço do produto. Diz ao rapaz que havia comprado “dos por diez”. Depois faz de conta que tem dificuldade para entender a explicação do ambulante que diz que cada palito custa R$12,00 e pode, no máximo, fazer um por R$10,00.
Combinado o valor ele informa ao vendedor, que furiosamente abana o braseiro, puxando assunto: “soy argentino”. (Cá pra nós, nenhuma novidade para quem trabalha nas areias dessa área no verão. É o que mais tem.) Daí pro futebol não precisou nem ajeitar a bola, quer dizer, o esbaforido ambulante responder e já veio a declaração de que torcia pelo Boca Júnior.
Nenhuma reação do preparador do queijo coalho e uma nova declaração, com um certo desdém do argentino: “Acá todos son Flamengo”. Nenhuma reação. “…Vasco?”, arrisca. O vendedor preferiu não responder em palavras, apenas abanar com ainda mais vigor a brasa que não tinha força, ainda, para derreter o queijo. A reação do morador da Vila São Luíz (descobri depois e é spolier) foi nenhuma. Mas algo me disse que ele era torcedor do Mengão.
Com o abanico na mão, subindo e descendo (e nada do queijo chega no ponto), ele entabula assunto com outro coalheiro (acabei de inventar a designação, acho) que largando o braseiro, os ingredientes numa caixa de isopor e a camisa na areia, não sem antes pedir para que o colega desse uma olhada, voltava de um mergulho refrescante.
Depois de discutirem o calendário do Campeonato Carioca e informar ao gringo que teria jogo no final de semana, justamente Flamengo e Vasco, decidindo que irá à final com o Fluminense, mudaram de assunto.
Passaram a lamentar a morte de um “fechamento” que aconteceu numa quebrada da região metropolitana. Uma chacina em que acabou sobrando para os moradores, pra variar. Foi aí que pesquei que o ambulante que preparava o queijo coalho era do bairro de Duque de Caxias, a Vila São Luiz. Eles comentaram um vídeo da execução que, deu pra entender, receberam de vários canais de redes sociais. Cá pra nós, um tema mais urgente que time de futebol para eles que esmiuçavam os motivos que levaram ao trágico desenlace.
Ao lado, o argentino que minutos antes fazia de conta que não entendia o que o rapaz dizia durante a negociação do preço da mercadoria, fazia sinais (discretos) à mulher para ficar de olho nos seus pertences que estavam na areia. Os ambulantes nem notaram. O queijo havia ficado pronto. Foi entregue e, surpresa, os R$10,00 foram pagos sem barganha ou comentários.
O assunto prosseguiu entre os ambulantes. Pela toada, entendi que esse era o estopim da interrupção do tráfego na Rodovia Washington Luiz, que vai para a região serrana do estado, na véspera. Deu um nó no fluxo da região. Realmente, um tema muito mais urgente no cotidiano dos locais. Cariocas ou da região metropolitana. O futebol? A alegria do povo ficou pro domingo.
Saindo da praia, descobri que dois enormes transatlânticos estão ancorados no Rio, o que aponta a razão de nossa praia ainda não ter sido 100% devolvida. Não, o verão real ainda não terminou.
PS: O Mengão ganhou por 3X1 do Vasco e é finalista do Campeonato Carioca.
Bônus
Os vídeos do Verão 2023 na playlist do youtube.com/@delcueto. Se inscreve no canal!
https://youtube.com/playlist?list=PLNVGym3VNemCVU-kJe7aIpk5jpvipq3V0