Opinião

Pés no chão, corpos pintados e Oyá por nós…

Cheguei pegando leve na concentração da Mangueira, no ensaio técnico da Sapucaí, no domingo, 29 de janeiro de 2023. Afinal, por motivos alheios a minha vontade não frequentei como gostaria os ensaios de quadra e rua da escola de samba carioca.

Parece desculpa, mas não é. Até a ausência pode ser um trunfo na intenção capturar as emoções de uma passagem com a verde e rosa no Sambódromo. Por que? Pelo fato de gerar um novo olhar, em que tudo é surpresa.

Imagina quando a surpresa é boa… Sim, é quase um spoiler. De peito aberto e pintado com marcas africanas. Caras também. Pés no chão.    

Depois do contato imediato de primeiro grau com os Mestres Taranta Neto e Rodrigo Explosão, que abriram o acesso à ala da Bateria da Mangueira, deu tempo de fotografar o grid dos instrumentos que iam sendo alinhados no chão seguindo o mapa colorido. Os diretores circulavam entre os instrumentos enquanto colocavam etiquetas indicando o respectivo ritmista e afinavam as peças.

Uma rápida ida até a grade, a chance de reencontrar vários amigos e a cavada daquele lugar, um espaço entre as meninas dos xequerês.

Atrás das cuícas, lá fui entrando no setor 1 sem ideia do que ia acontecer. Gravando! Após aquela introdução sempre emocionante, começou um alarido, uma bateção de pés no chão. Pela coluna central foram passando bailarinos até frente da bateria e lá fizeram uma empolgante performance “timbaladista”.

Aqui, uma pausa para explicar que esse ano o enredo da Mangueira é “As Áfricas que a Bahia canta”. O que o título não explica fica para o texto do carnaval, em breve nesse veículo, porque lá vem Evelyn Bastos, a rainha, pelo mesmo corredor.

Fui até o primeiro recuo com a bateria. Das duas primeiras cabines de julgamento registrei a comissão de frente e o casal de mestre-sala e porta-bandeira, Matheus Olivério, com o nome de seu filho recém-nascido DOM na cabeça, e Cintya Santos, que chegou para formar o Casal Furacão. Gostei tanto que voei para a torre para fazer imagens “aéreas”.

Desci novamente para a pista pelo segundo recuo da bateria. Foi lá que me embolei no movimento de entrada e arrumação dos ritmistas. O “meia-volta, segue-a-fila” desarrumou a simetria dos desenhos corporais, num desencontro descombinado em movimento.

Me perdi no contraste corpo/pintura e na (falta de) luz no espaço. Apesar dos contornos duros, a iluminação não explodia no contra da imagem, não brigava com os objetos. Tudo era corpo, desenho e movimento.

Claro que registrei com muito carinho o povo do samba e seus segmentos principais. Perdi alguma coisa? Perdi e doeu. A passagem de Renan e Débora, o segundo casal verde rosa. Demorei mais que o normal na bagunça organizada dos ritmos dos instrumentos da bateria.

Quando a rainha ocupou o espaço entre a última ala e os ritmistas que saíam do recuo, passou pelas lentes representantes de um dos ramos da frondosa árvore mangueirense, o da família Firmino: Guanayra, presidente da Mangueira, Dona Gilda e a nova geração que vem chegando.

Do terceiro módulo de julgamento para frente a luz, novamente, mudou. Muito forte apenas de um lado da Sapucaí. Problema? Não. Outras possibilidades de recursos “naturais”. Claro/escuro. Até a chegada na dispersão de um dos mais animados ensaios técnicos que já participei na Sapucaí em todos esses anos. Não que outros não tenham sido bons. Muitos foram. Mas esse, me pegou pela beleza do despojamento, dos pés descalços da bateria e o que mais admiro e procuro nas agremiações: a força harmoniosa e a voz robusta e uníssona do povo do samba do morro da Mangueira.  

PS: Em 2013 o enredo da verde rosa foi “Cuiabá, Paraíso no Centro da América”. A Mangueira ganhou os Estandartes de Ouro de Melhor Escola, Porta-Bandeira e Revelação.  

*Valéria del Cueto é jornalista e fotógrafa. Texto da série “É carnaval” do SEM FIM… delcueto.wordpress.com

 
 

 

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Reportagens realizada pelos colaboradores, em conjunto, ou com assessorias de imprensa.

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