Cheguei aos 70 anos. Custo a crer que esta data tão esperada foi enfim alcançada. Há muito anseio por esse momento, contando cada ano, cada mês, cada dia, para gozar as alegrias da velhice, ou da melhor idade, como querem os adeptos dos eufemismos.
Como é bom ser velho. Posso furar a fila do caixa, na agência bancária onde movimento minha gorda aposentadoria, também me é permitido exigir um assento nos ônibus lotados, desalojando qualquer infeliz que ainda não chegou a esta maravilhosa fase. Tenho ainda o direito de entrar nos cinemas pagando meio ingresso e sem enfrentar filas na bilheteria. Nos supermercados reservam-nos atendimento exclusivo e especializado.
Os familiares agora vão me dar “desconto” quando contar repetidas vezes coisas do “meu tempo”; das dificuldades “daquela época”. Do meu antigo e invejável vigor físico. Acharão profundas minhas simplórias observações sobre a sociedade atual, suas facilidades e permissividades. Rirão com condescendência quando lhes afirmar que tenho 70, mais não me troco por um de 40.
Meu maior compromisso a partir de agora passa a ser o jogo de dama com algum outro velho como eu, discutindo a taxa de colesterol, a artrite, a pressão alta, o diabetes, comparando exames de laboratório e trocando idéias sobre a eficiência dos remédios antigos, certamente muito melhores que os atuais.
Convertido ao vegetarianismo agora defendo a importância dos legumes e das verduras na saúde humana falando da vantagem do chuchu cozido sobre a picanha assada, da saborosa alface diante o nefasto torresmo; do paladar inigualável do tofu e da gostosura do leite de soja.
Para os que não concordam muito com isso digo que é só questão de acostumar e que o açúcar e o sal devem ser evitados a todo custo.
Aos sábados, enquanto alguns idiotas vão comer uma horrível feijoada, eu e os amigos dessa nova fase, comeremos uma saborosa salada, tomando uma saudável cerveja sem álcool e sem gelo, rindo daqueles que continuam bebendo as horríveis cervejas alcoólicas e ainda por cima geladas.
À noite, depois de medir a pressão, o batimento cardíaco e tomar todos os remédios de uso contínuo, assistirei às novelas da Globo e aos jornais televisivos. Aí meio cochilando vou para a cama esperando a insônia da madrugada.
Reservarei dois dias por mês para me divertir nos clubes da “melhor idade” que são extraordinários. Estou ansioso pelos momentos artísticos e culturais que passaremos juntos, eu e toda a velharada, dançando, cantando e fazendo pequenas apresentações de teatro.
Amanhã mesmo vou revisar minha agenda de contatos, colocando em destaque os telefones do cardiologista, do geriatra, do fisioterapeuta, do acupunturista, do médico da dor, turma bem mais agradável e útil que os antigos companheiros.
Não vou me esquecer de manter sempre no bolso um crachazinho com meu nome, endereço e telefone de contato, para o caso de me perder ou de, de repente, esquecer quem eu sou.
Ah! Vou comprar no site “mercado livre” uma bengala bem transada, com cabo entalhado e fazer a maior inveja na garotada.
Renato de Paiva Pereira – empresário e escritor