Entre as pessoas públicas o embate de opiniões e posicionamentos, sobretudo direcionados à política, por vezes extrapolam as medidas de polidez e educação nos tratos dispensados uns aos outros, sem que se possa reconhecer a caracterização de danos à honra, sob pena de se impor indevida restrição ao debate e à liberdade de expressão.
Assim entendeu a 9ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo ao negar um pedido de indenização por danos morais feito pela jornalista Rachel Sheherazade contra o deputado federal Alexandre Frota por vídeos considerados ofensivos, que foram postados no canal do parlamentar no YouTube.
Segundo Sheherazade, Frota teria insinuado que ela teria se prostituído ao receber dinheiro para mudar de opinião política, além de proferir outras ofensas, como "sirigaita" e "porca". A jornalista pediu indenização de R$ 50 mil e que o Google fosse obrigado a retirar os vídeos do YouTube. No entanto, os pedidos foram negados em primeiro e segundo graus.
Para o relator do acórdão, desembargador Galdino Toledo Júnior, não há evidências de que as falas do deputado tinham objetivo específico de depreciar e macular a honra subjetiva de Sheherazade, "tampouco se extrapolou o direito à liberdade de expressão".
"No caso específico destes autos verifica-se que as falas do réu veiculadas nos vídeos indicados na inicial, embora sejam aptas a gerar descontentamento da autora, não passaram de fortes críticas às suas mudanças de posicionamento político referente ao governo federal", afirmou Júnior.
Na visão do desembargador, a alusão à "prostituição" não estaria vinculada ao sentido literal, nem teria o intuito de classificar a jornalista como "garota de programa”, "mas sim de expressar de modo metafórico que ela teria recebido dinheiro para mudar de opinião, segundo entendimento do réu".
O relator ainda citou trechos da sentença de primeira instância que diz que o conteúdo dos vídeos não ultrapassou as críticas próprias do debate político envolvendo "duas pessoas públicas e de personalidades notoriamente fortes, constantemente envolvidas em polêmicas, e ainda que de forma não muito polida, está dentro dos limites do aceitável e da liberdade de expressão".
Ainda segundo Júnior, as pessoas públicas estão mais sujeitas a críticas desfavoráveis e que, muitas vezes, se inserem no interesse público da informação, impondo-lhes, por consequência, maior resistência no que toca às circunstâncias passíveis de afronta aos seus direitos da personalidade.
"Em suma, o exercício do direito de crítica deve ser preservado, ainda que, em muitos casos bastante tênue os limites em que pode ele ser exercido sem violar os outros direitos constitucionais da mesma grandeza, e, na dúvida, deve prevalecer o interesse público que sempre se sobrepõe ao particular", finalizou.
Divergência na turma julgadora
O caso foi decidido por maioria de votos, em julgamento estendido. Ficou vencido o relator sorteado, desembargador Edson Luiz de Queiroz, que votou para acolher o recurso de Rachel Sheherazade. Para ele, não se pode chancelar comportamentos como o dos autos.
"Independentemente das particularidade de cada pessoa, dotadas de características próprias, sendo uns mais ou menos sensíveis, mais ou menos impetuosos, não há que se elevar o tom ou rebaixar os padrões comportamentais socialmente aceitos, porque alguns decidem utilizar palavras de baixo calão e metáforas excessivamente desmoralizadoras. Não se trata, meramente, de transmitir sua opinião e a partir disso, formar a opinião alheia, há de se ter cautela na conduta", disse.
Para Queiroz, não faltaram apenas polimento ou educação nas falas de Frota, como também sobraram ofensas pessoais, extrapolando a liberdade de expressão: "Não pode o réu, sob a justificativa dos direitos da liberdade de expressão, de ocupar cargo político e de ser a autora jornalista, escusar-se do dever de respeitar os direitos alheios. Todos os indivíduos da sociedade são dotados de direitos e obrigações".
O desembargador afirmou que a discordância sobre o ponto de vista político da jornalista é "plenamente aceitável", mas não se pode confundir com a "emissão indiscriminada de qualquer opinião, utilizando-se de quaisquer termos, ainda que a título comparativo". Queiroz votou para condenar Frota a indenizar Sheherazade em R$ 30 mil, além de determinar ao Google a retirada de seis vídeos.