Das cerca de 100 queixas que profissionais de saúde apresentaram à Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), em 2021, por supostos conflitos contratuais com operadoras de convênios médicos, apenas nove resultaram em autos de representação que podem acarretar alguma punição às empresas.
Segundo a própria ANS, quase a totalidade das reclamações dos prestadores de serviços em saúde que aceitam convênios médicos foi arquivada ou porque a operadora de plano de saúde resolveu o problema antes que um auto de infração fosse lavrado, ou porque o processo não avançou devido à falta de informações que corroborassem a denúncia.
“Não fico surpreso com este resultado. Infelizmente, com o passar do tempo, a agência que foi criada para fiscalizar o funcionamento das operadoras passou a atuar em prol das operadoras”, criticou o diretor de Defesa Profissional da Associação Paulista de Medicina (APM), Marun David Cury.
De acordo com Cury, o número de reclamações que chegam à agência está muito aquém da real dimensão dos conflitos entre trabalhadores e empresas. Para a ANS, o problema está no receio que os próprios profissionais de saúde têm de sofrerem algum prejuízo caso se identifiquem.
“Há, sim, casos em que as entidades médicas encaminham as queixas de profissionais que temem sofrer alguma represália caso sejam identificados. São queixas fundamentadas, documentadas, mas, ainda assim, a resposta demora e, na maioria das vezes, não há resultados práticos. Daí o desapontamento dos profissionais e o pequeno número de queixas apresentadas”, acrescentou Cury, explicando que, por razões práticas, nos últimos anos, a APM e outras entidades têm procurado diretamente as operadoras para tentar resolver as queixas de profissionais.
No último dia 31, a APM e a Associação Médica Brasileira (AMB) divulgaram os resultados de uma pesquisa feita com 3.043 médicos de todo o país que atendem a clientes de planos de saúde.
Oito em cada dez entrevistados afirmaram já ter enfrentado restrições das operadoras ao prescreverem a seus pacientes a realização de exames laboratoriais ou de imagem. Pouco mais da metade (51%) dos respondentes disse já ter enfrentado dificuldades na hora de internar seus clientes e 53% afirmam já ter sofrido pressão para antecipar a alta médica de pacientes internados. Outro problema destes médicos é a glosa, ou seja, quando as operadoras de planos de saúde deixam de pagar por atendimentos já realizados ou medicamentos e materiais fornecidos.
Melhores condutas e práticas
Em nota, a ANS garante que sempre incentivou as melhores condutas e práticas para o setor. E lembra que possui um canal de denúncias específico para receber, dos profissionais de saúde, queixas relacionadas a problemas com as operadoras de convênios médicos – mas, legalmente, o profissional precisa se identificar e reunir uma série de documentos que sustentem sua queixa, além de cumprir todos os prazos estabelecidos.
Sobre os resultados da pesquisa da AMB e da APM, a ANS comentou que as recusas à realização de atendimentos e procedimentos dizem respeito ao “atendimento ao beneficiário [cliente] de planos de saúde”, não sendo possível identificar se houve interferência na autonomia médica. E sobre as glosas, a agência garantiu que, sempre que recebe uma reclamação, notifica a operadora a apresentar sua defesa, analisando a situação dentro do prazo legal.
“A ANS notifica a operadora em busca de uma solução para o problema. Uma parte das denúncias acaba sendo arquivada nessa fase, com sua resolução. Já aquelas que prosseguem sem solução são encaminhadas para outros setores da agência para que sejam analisadas questões assistenciais e econômico-financeiras das operadoras que poderiam motivar tal conduta, isso porque não existe uma infração específica na norma para a conduta”, explicou a agência.