Povos Indígenas e a Ditadura Militar
O dia 31 de março deste ano marca 58 anos do golpe que derrubou o presidente João Goulart. Com o apoio de uma parcela da sociedade civil, da Igreja Católica e de outras instituições, a ditadura civil-militar foi instaurada no Brasil por mais de duas décadas. Um período repleto de capítulos dramáticos que causaram impactos profundos à democracia brasileira, quando se pretendia combater o “espectro do comunismo”, termo empregado por Marx e Engels nas primeiras linhas do Manifesto Comunista de 1848.
O desenho do indígena da etnia Waimiri-Atroari (Roraima e Amazonas) representa um dos ataques sofridos por seu povo durante o período militar. Nos “anos de chumbo” uma verdadeira guerra de extermínio foi custeada pela ditadura que planejava implantar projetos de desenvolvimento sem levar em conta os territórios indígenas, considerando-os “espaços vazios”.
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O desaparecido “Relatório Figueiredo”, de 1968, documento produzido pelo Ministério do Interior que foi encontrado em 2013, possui milhares de páginas redigidas pelo procurador Jader de Figueiredo Correia. Denunciam perseguições aos indígenas com metralhadoras e dinamites lançadas de aviões, inoculação intencional de varíola e doação de açúcar refinado misturado a estricnina. A fim de apurar denúncias de crimes cometidos contra os povos indígenas, o procurador esteve à frente do grupo de investigação que, por quase um ano, percorreu mais de 16.000 quilômetros por todo o país, quando se constataram diversos crimes contra a pessoa indígena.
A Comissão Nacional da Verdade, colegiado criado pelo governo brasileiro para investigar as graves violações de direitos humanos ocorridas entre 18 de setembro de 1946 a 5 de outubro de 1988, confirmou um verdadeiro genocídio de indígenas ocorrido durante o período da ditadura militar, mais precisamente na década de 1970. Relatos apontam que cerca de 8.350 indígenas morreram em consequência da omissão ou da ação de agentes governamentais. Foram exterminados em frentes de construção de estradas e ocupações de terras onde estavam edificadas suas aldeias, a exemplo dos povos Panará e Nambiquara, este último ainda em luta pela demarcação de parte de seu território de ocupação milenar.
Para saber como agentes do Estado brasileiro trataram os povos originários deste país, vale a leitura do livro de Rubens Valente “Os fuzis e as flechas: história de sangue e resistência indígena na ditadura”, investigação jornalística que descreve centenas de mortes de indígenas durante a ditadura civil-militar.
Em tempos cinzentos, a ameaça à democracia ronda o país. Mas, hoje ainda assim, há o que se comemorar em 31 de março, principalmente porque foram cessados os preceitos da Constituição Federal de 1967, a mais repressiva de todas as constituições brasileiras e que serviu como argumento para a atuação do regime civil-militar sobre a vida da população brasileira. Há o que comemorar em 31 de março porque a Constituição Federal de 1988 dá sustentação a um Brasil que se quer democrático.
. “Censura nunca mais”.
Anna Maria Ribeiro Costa é etnóloga, escritora, filatelista na temática ‘Povos Indígenas nas Américas’.