Cerimônia batismal da criança Macunaíma
No centenário da Semana de Arte Moderna, saudações à Tarsila do Amaral (1886-1973), mesmo ausente dos eventos de fevereiro de 1922 no Teatro Municipal de São Paulo. Desenhista e pintora paulista, artista-símbolo do Movimento Modernista e do Movimento Antropofágico, representa uma das personagens principais da arte plástica brasileira. “Abaporu”, nome de origem indígena, entendido como o “homem que come carne humana”, deu início ao Movimento Antropofágico, idealizado por Oswald de Andrade (1890-1954), na época, seu marido. Inspirado nos escritos de Rosseau, Marx, Freud e Montaigne, Oswald de Andrade provocou com intensidade a fé cristã, a raíz portuguesa e o padre Antônio Vieira.
O batizado de Macunaíma (1956)
O Movimento Antropofágico nasceu com o intuito de digerir influências artísticas estrangeiras e como num ritual de canibalismo, devorar o inimigo para obter suas qualidades. No campo das artes, buscou um carater com feições abrasileiradas. Uma alma nacional! Essa vontade fez renascer a figura do índio, apto a assimilar o estrangeiro, ao torná-lo carne da sua carne pelo ritual do canibalismo. Assim, o Brasil seria um país canibal e o indígena, ao digerir tudo o que vem a ele, absorveria as virtudes dos estrangeiros para tornar-se melhor e mais forte. Tornar-se brasileiro.
No óleo sobre tela “Batizado de Macunaíma”, de 1956, Tarsila do Amaral retrata a cerimônia batismal da criança Macunaíma, que nasceu do fundo do mato virgem. Filho do medo da noite, era feio. Cicatrizes marcavam seu corpo e percorriam seu caráter. Mário de Andrade (1893-1945), considerado um polímata nacional, publicou Macunaíma, em 1928, obra do indianismo moderno, uma renovação da linguagem literária brasileira. Romance emblemático, ressignificou provérbios, personagens do folclore amazônico e mitos indígenas, estes últimos transcritos da obra “Do Roraima ao Orinoco”, do etnólogo alemão Theodor Koch-Grünberg (1872-1924).
Assim como Macunaíma ao morrer se transformou na constelaçao Ursa Maior, Tarsila também passou a habitar o espaço cósmico. Recebeu, em 2008, uma homenagem dos pesquisadores da espaçonave Messenger, membros da União Astronômica Internacional, ao batizarem de “Amaral” uma cratera do planeta Mercúrio.
Anna Maria Ribeiro Costa é etnóloga, escritora, filatelista na temática ‘Povos Indígenas nas Américas’.