No mês em que as escolas estão reabrindo suas portas para as atividades presenciais, a evasão e o abandono escolar ainda são fontes de preocupação para a gestão pública e sociedade civil. No Estado do Mato Grosso, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios durante a pandemia (PNAD covid), mais de 70 mil crianças e adolescentes, entre 6 e 17 anos, não frequentaram a escola em 2020. O número representa 10% desta população.
Os impactos da pandemia na educação, segundo estudos mais recentes do Fundo das Nações Unidas pela Infância (UNICEF), agravaram diversos problemas relacionados à aprendizagem e à evasão escolar. O documento apresenta o cenário da crise global da educação no mundo e, quando fala do Brasil, o estudo revela que em vários estados do país, cerca de três em cada quatro crianças do 2º ano do ensino fundamental estão fora dos padrões de leitura — número acima da média de uma em cada duas crianças, antes da pandemia.
Em todo o Brasil, um em cada dez estudantes de 10 a 15 anos relatou que não planeja voltar às aulas assim que sua escola reabrir. Em novembro de 2020, foram registrados mais de 5 milhões de meninas e meninos sem acesso à educação — número semelhante ao que o país registrava no início dos anos 2000. Diante desse cenário, crianças de 6 a 10 anos são as mais afetadas pela exclusão escolar na pandemia, impactando nos processos de alfabetização infantil e resultando em uma série de consequências negativas ao desenvolvimento de meninas e meninos, por muitos anos.
De acordo com a Chefe do Território Amazônico do UNICEF no Brasil, Judith Léveillé, uma das prioridades é o combate aos impactos provocados pela pandemia, como o aumento da exclusão escolar que ocorre mundialmente. “Sabemos que os estudantes mais vulneráveis foram os que menos puderam aprender nesses últimos anos, e muitos abandonaram os estudos. Por isso, é urgente e necessário ir atrás de cada criança e investir para que possam voltar para a escola, recuperar as perdas de aprendizagem e avançar”, declara Judith Léveillé.
Respostas à evasão escolar – O UNICEF, desde o início da pandemia, tem contribuído na resposta à covid-19. Neste momento em que muitas escolas reabrem suas portas para um novo ano letivo, as ações do UNICEF e parceiros continuam, a fim de assegurar a manutenção de atividades essenciais de forma segura para crianças e adolescentes. Entre as iniciativas estão estratégias como o Selo UNICEF, com 78 municípios mato-grossenses participantes, e a Busca Ativa Escolar, que atuam como ferramentas para fortalecimento das ações realizadas pelos gestores e técnicos municipais. Além desse aparato tecnológico, doações de insumos que vão desde materiais de higiene a estações de lavagens das mãos, cursos e ferramentas de autoavaliação das condições de água, higiene e saneamento nas escolas e o incentivo à vacinação de funcionários e estudantes são distribuídos ou disponibilizados.
No estado do Mato Grosso, os municípios que adotaram a estratégia Busca Ativa Escolar já somam 137 prefeituras, e juntas acumulam aproximadamente 1400 rematrículas na plataforma, isto é, registros de crianças e adolescentes identificados em situação de evasão ou em risco de abandono escolar que retornaram às atividades escolares por meio das ações estratégicas da iniciativa. Além destes, mais de 26 mil alertas foram gerados e 3000 casos estão sendo investigados e analisados por meio da busca ativa nos municípios.
Neste momento de retorno às aulas, a estratégia desenvolvida pelo UNICEF e a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (UNDIME) é uma das ferramentas gratuitas e acessíveis para garantir o direito à educação aos meninos e às meninas mais vulneráveis. O objetivo é ajudar cada estado e município a ir atrás de quem está fora da escola e tomar as medidas para garantir que o estudante volte às salas de aula e permaneça inserido na comunidade escolar, aprendendo.
“Hoje, temos mais de 3 mil municípios e 20 Estados participando da Busca Ativa Escolar. Desde o começo da pandemia, mais de 80 mil crianças e adolescentes foram encontrados por meio da iniciativa”, declara a consultora para Educação e Proteção do UNICEF, Nayana Góes. Segundo a Consultora para Educação e Proteção do UNICEF Brasil, Nayana Góes, “a estratégia se torna cada vez mais necessária, visto que quanto mais tempo crianças e adolescentes permanecerem fora da escola, menor a probabilidade de retornarem, o que acontece especialmente nas famílias em situação de maior vulnerabilidade”.
No estado, uma parceria importante na Busca Ativa Escolar e do Selo UNICEF é a Associação para Desenvolvimento Social dos Municípios de Mato Grosso, também designada APDM-MT. Segundo Letícia Albuquerque, assistente social da instituição, a entidade contribui no diálogo com gestores e no acompanhamento da estratégia. “Acompanhamos as ações de implementação de retorno das aulas presenciais nos municípios. A gente vem fazendo esse tipo de trabalho, de acompanhamento, conversando e verificando junto aos gestores essa questão das aulas presenciais. Estamos falando sobre a importância, reforçando”, declara.
Autoavaliação das condições de água nas escolas – O fornecimento de água potável, saneamento e condições higiênicas é essencial para prevenir e proteger a saúde humana durante todos os surtos e epidemias de doenças infecciosas. Para a prevenção da covid-19, garantir serviços de Água, Saneamento e Higiene (Ashi) e práticas de Prevenção e Controle de Infecções (PCI), aplicando continuamente nas escolas, ajuda a impedir a transmissão da doença. Para promover o retorno seguro, é fundamental investir e fortalecer os municípios. Nesse sentido, a Chefe do Território Amazônico explica como o UNICEF tem dado esse apoio, no Brasil. “Disponibilizamos equipamentos, informação e formações para ajudar com a continuidade dos serviços de educação, assistência social e saúde. Já que precisamos garantir o direito aos serviços de educação, saúde e proteção para cada menina e menino”, afirma Judith Léveillé.
Para o gerente de projetos do Instituto Peabiru, Cláudio Melo, é gratificante atuar como parceiro do UNICEF na logística das doações e fazer chegar os materiais até os municípios. “Nós fazemos um trabalho de sensibilização e diálogo com os gestores municipais para reforçar a importância do retorno seguro às escolas. Desde 2021, realizamos diversos cursos EAD com profissionais da educação, saúde e assistência social para orientá-los na promoção de boas condições de água, higiene e saneamento”. Entre os materiais doados estão os kits de higiene, materiais de limpeza e estações de lavagem das mãos.
O município de Vila Bela da Santíssima Trindade foi um dos contemplados com as doações do UNICEF. Ao todo 17 escolas receberão absorventes e sabão líquido para ajudar no retorno seguro. O mobilizador de educação do Selo UNICEF no município, Denildo Costa, explica que algumas dessas escolas estão distantes até 200 km da sede de Vila Bela Santíssima Trindade, e no momento, a gestão organiza a logística para entrega das doações. “É importantíssimo as ações que o UNICEF desenvolve. Sabemos que há muitas demandas e nem todos os municípios conseguem atender o básico, como deveriam, no tocante à higiene, saúde, educação e bem estar. a gente avalia que é de grande valiosidade os trabalhos do UNICEF em se preocupar com a qualidade de vida e bem estar de crianças e adolescentes. As doações são fruto desse trabalho. Dar dignidade às pessoas, oportunidade de ter utensílios de uso cotidiano”
Outra instituição que tem apoiado o retorno seguro às escolas é a Associação Mato-grossense dos Municípios (AMM), que também é parceira do Selo UNICEF no estado. De acordo com o presidente Neurilan Fraga, a instituição defende o retorno das aulas presenciais com a adoção de medidas de biossegurança para garantir a proteção dos alunos, professores e de toda a comunidade escolar. “ A instituição orientou os gestores, por meio de notas técnicas e de reuniões remotas, sobre a adequação das escolas para a retomada das atividades. As medidas foram adotadas por muitas prefeituras, que prepararam as escolas, mas algumas tiveram dificuldades. Agora que as crianças estão sendo vacinadas o retorno tornou-se mais viável, mas a recomendação é o monitoramento constante dos números da pandemia, para que novas medidas de segurança sejam adotadas, caso sejam necessárias”, afirma o presidente.
Segundo o Oficial de Água, Higiene e Saneamento do UNICEF no Brasil, Paulo Diógenes, é fundamental planejar a retomada das aulas pensando na saúde dos estudantes, familiares e servidores das unidades de ensino. “Todas as escolas devem dispor de água e esgotamento sanitário e promover práticas de higiene que propiciem condições de saúde nas escolas. Isso evitará que doenças como a covid-19 se alastrem e assegura que a escola seja reconhecida, também, como um espaço de promoção de saúde por meio da higienização das mãos, limpeza do ambiente escolar, etiqueta respiratória, entre outras práticas positivas”, declara. Por isso, o UNICEF também disponibiliza ferramentas de autoavaliação e checagem de protocolos para o retorno seguro às escolas.
O Oficial explica que essas ferramentas fazem parte da metodologia do Selo UNICEF, iniciativa que atinge 2023 municípios na Amazônia e no Semiárido brasileiro. “O Checklist é direcionado à implementação de protocolos seguros nas escolas e a Autoavaliação visa a verificação das condições de água, esgotamento sanitário e práticas de higiene, para a gestão e comunidade escolar conhecer melhor a estrutura e o funcionamento do ambiente escolar”. No estado do Mato Grosso, até o início de fevereiro, mais de 200 autoavaliações foram feitas e 84 instituições de ensino preencheram o checklist. Após o preenchimento da autoavaliação, a pessoa recebe recomendações para promoção do retorno seguro, com base nas respostas fornecidas no ato de preenchimento.
Em Tangará da Serra (MT), 67 escolas preencheram os formulários de autoavaliação e o checklist do UNICEF. A preocupação com a reabertura das escolas, que ocorreu no último dia 14 de fevereiro no município, foi a principal motivação para a realização das atividades, segundo a mobilizadora de educação do município, Simony Medeiros. O município não poupou esforços para sensibilizar a comunidade escolar da importância de manter práticas de prevenção à covid-19 no cotidiano das escolas. “A secretaria de educação já realizou uma palestra orientativa com os gestores, acerca dos protocolos de segurança. Todos os nossos centros têm cartazes educativos. A secretaria de saúde, junto com a secretaria de educação, vai realizar uma agenda de palestras nas escolas para os profissionais e para estudantes. Palestras orientativas, com relação ao distanciamento, aos protocolos de biossegurança. Além disso, também os profissionais também estão sendo orientados e colocando isso em prática, trabalhando em sala de aula os protocolos de biossegurança”, afirma. As ferramentas de pesquisa podem ser acessadas em: https://pesquisas.buscaativaescolar.org.br/. Outros materiais de apoio ao retorno seguro estão disponíveis em: https://www.unicef.org/brazil/reabertura-segura-das-escolas.
Vacinação – Neste momento de retorno, também é fundamental incentivar a vacinação de crianças e adolescentes. Segundo a Oficial de Educação do UNICEF, Nayana Góes, em todo o mundo, o UNICEF apoia a vacinação de crianças assim que os imunizantes estiverem disponíveis para elas – e quando os grupos prioritários estiverem totalmente protegidos. Esse é o caso do Brasil, que está com 70% da população imunizada e as vacinas agora estão disponíveis também para meninas e meninos a partir de 5 anos, e são seguras. “A ausência da vacinação, no entanto, não pode impedir o acesso dos estudantes à escola. O direito à educação deve ser sempre garantido e priorizado”, alerta.
Outros dados – Segundo o movimento Todos pela Educação, em 2021, dados da PNAD contínua do IBGE revelaram que a evasão escolar no país no segundo trimestre do ano cresceu. Eram, aproximadamente, 90 mil crianças e jovens de 6 a 14 anos fora da escola em 2019, e este número passou para, aproximadamente, 244 mil, em 2021.
O censo escolar de 2021 revela que a educação infantil foi o setor que mais diminuiu os números de matrículas entre 2019 e 2021 em todo o Brasil. Neste período a diminuição foi de 7.3%.