Opinio Juris

Polêmica da legitimidade exclusiva: monopólio ministerial

As  modificações da Lei 8.429/1992 (Improbidade Administrativa) trazidas pela Lei 14.230/2021 continuam a trazer polêmicas. A mais nova delas é o ajuizamento de Ações Diretas de Constitucionalidade sobre a legitimação exclusiva do Ministério Público para o ajuizamento das Ações Civis Públicas, ou seja, a nova alteração legal criou um monopólio estatal. 

Foram ajuizadas duas Ações Diretas de Inconstitucionalidade, com pedido de medida cautelar, pela Associação Nacional dos Procuradores dos Estados e do Distrito Federal – ANAPE (ADI 7042) e pela Associação Nacional dos Advogados Públicos Federais – ANAFE (ADI 7043), cujo objeto, são os arts. 17, caput e §§ 14 e 20, e 17-B, da Lei 8.429/1992, alterados e incluídos pelo art. 2º. da Lei 14.230/2021, e os arts. 3o e 4o, X, da referida Lei 14.230/2021. 

Na ADI 7042, a ANAPE diz que as normas impugnadas, as quais retiram a legitimidade dos entes públicos lesados para ajuizar ações de improbidade, dificultam as investigações de atos ímprobos, e impõem obrigações às Procuradorias Estaduais, em ofensa ao princípio da vedação ao retrocesso social, ao direito fundamental à probidade, ao pacto federativo, à autonomia dos Estados e aos princípios administrativos da eficiência, da segurança jurídica e da moralidade. 

Por sua vez, na ADI 7043, a ANAFE afirma que a Lei 14.230/2021 transforma “os entes públicos personalizados em meros coadjuvantes no combate à improbidade administrativa”, excluindo os lesados da relação negocial de não persecução civil e suspendendo a tramitação das ações ajuizadas pelas Fazendas Públicas, convertendo-as “em demandas disponíveis e condicionadas ao silêncio ou manifestação de interesse do órgão ministerial no prazo de 1 (um) ano a contar da sua vigência”. 

Essas disposições questionadas nas citadas ADIs, parecem atentar diretamente com a melhor interpretação do art. 129, § 1º., da Constituição Federal, onde se encontra comando de que a legitimação do Ministério Público para as ações civis previstas não impede a de terceiros, nas mesmas hipóteses, segundo o disposto na própria Constituição e na lei. 

Ora, se a citada regra constitucional possibilita que o legislador infraconstitucional pode disciplinar e regulamentar a legitimação desses terceiros, força concluir que, por coerência, deverá buscar acima de tudo a eficiência no combate à corrupção, aos atos ímprobos e, por consequência a defesa do patrimônio público. E quanto mais legitimados, mais fiscalização haverá para tentar se inibir os nefastos atos de improbidade administrativa.

Com o monopólio dado ao Ministério Público, retirando a legitimidade ativa das pessoas jurídicas de direito público interno interessadas na recomposição dos atos de improbidade administrativa, fácil é verificar que o acesso à jurisdição fica prejudicado, assim com o princípio constitucional da eficiência e do zelo ao patrimônio público. Basta consultar a Constituição rapidamente nos art. 5º., XXXV, art. 23, I, e art. 37, caput, e verificar por simples leitura essa conclusão.

Outro ponto a ser dirimido, é que o Ministério Público não pode representar judicialmente e tão pouco prestar consultoria aos entes públicos estatais, quaisquer que sejam, consoante se retira do art. 129, XI, parte final, da Constituição Federal, destacando-se que o Supremo Tribunal Federal ), já afirmou que, no caso da Lei nº. 8.429/92, o Ministério Público não age como representante da entidade pública, mas como substituto processual de uma coletividade indeterminada, e que essa atuação, em caso de proteção do patrimônio público não afasta a atuação do próprio ente público prejudicado, conforme prevê o art. 129, § 1º., da Constituição (Recurso Extraordinário 409.356, Tribunal Pleno, DJe de 29/07/2020).

E aqui se pergunta: e quando a prática de ato ímprobo for de algum órgão de administração, execução ou auxiliar do parquet? Não poderia o ente federal por seus órgãos avaliar a ação ou omissão e ajuizar a ação civil pública? Como ficaria o combate judicial a eventual prejuízo ao erário nesse caso? Não ficaria em prejuízo a defesa da ordem jurídica, dos interesses sociais e do patrimônio público? As respostas, por si só, demonstram a fragilidade da legitimação única do Ministério Público trazida na novel alteração legal.

De igual maneria, quis custodiet ipsos custodes? Essa pergunta do poeta romano Juvenal, traduzida como "Quem há de vigiar os próprios vigilantes”?, citada na sua obra "As Sátiras", in Satire 6, 346–348,  bem ilustra a necessidade de existir um sistema de freios e contrapesos no caso do disparo das ações civis públicas de improbidade, evitando-se o monopólio dado ao Ministério Público, pois num sistema democrático também essa grande instituição deve ser fiscalizada como todas as demais.

Analisando a liminar dessas ADIs 7042 e 7043, o ministro Alexandre de Moraes, dando correta interpretação conforme a Constituição Federal, decidiu no sentido da existência de legitimidade ativa concorrente entre o Ministério Público e as pessoas jurídicas interessadas para a propositura da ação por ato de improbidade administrativa. Agora é aguardar como irá se posicionar definitivamente o Pretório Excelso no julgamento colegiado, esperando-se que corrija essa anomalia do monopólio ministerial que foi criado.

Antonio Horácio da Silva Neto é advogado, iniciou sua carreira jurídica como promotor de justiça do Ministério Público do Estado de Rondônia. Ingressou na magistratura no estado de Mato Grosso, onde exerceu cargos como juiz de direito substituto de segundo grau no Tribunal de Justiça, juiz membro do Tribunal Regional Eleitoral, diretor da Escola Superior da Magistratura de Mato Grosso e presidente da Associação Mato-grossense de Magistrados.

 

 

Redação

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