Opinião

Tudo junto misturado: Victor Brecheret e Kalapalo

Homenagens: Victor Brecheret, com sua boina; Kalu Kalapalo, com seu vestido de algodão e seus colares de madrepérola. Recorro a Victor Brecheret para diluir minha vontade de Kalu Kalapalo. O artista ítalo-brasileiro dedicou aos povos indígenas uma expressiva parte de seu conjunto de esculturas e desenhos, dentre eles o povo Kalapalo, em um período em que o Brasil discutia as questões raciais com base na doutrina eugênica.

Brecheret integrou a Semana de Arte Moderna, momento em que expôs dezenas de esculturas no salão do Teatro Municipal de São Paulo, com forte apelo de Mário de Andrade para levar o Brasil para dentro de sua arte. De 1940 em diante devotou-se aos temas indígenas, quando a terracota, a madeira e o bronze foram escolhidos pelo artista para expressar temas como A luta da onça, O índio e a suaçuapara, Mãe índia, Bartira, A índia e o peixe, Luta de índios Kalapalo, dentre outros. Uma arte que buscou um “indianismo modernista”.

Em A luta dos índios Kalapalo, de 1951, Brecheret representa o huka-huka, duelo competitivo que evidencia a força e virilidade dos jovens, praticado no ritual do Kwarup que homenageia os mortos. Conheci Kalu Kalapalo em 1982, ao chegar à aldeia Nambiquara. À época, casada com Raimundo, da etnia Nambiquara, tinha para lá de quarenta anos. Além de sua língua, falava português, bakairi e entendia a diferenciação dos dialetos existentes na língua dos grupos da etnia Nambiquara.

Sempre esguia, seus cabelos lisos cobriam suas costas e de tão brilhosos pareciam estar na existência do azul-marinho. Estava sempre a trabalhar: ora na roça, ora no campo, ora no rio, ora na produção de artefatos. Possuía um saber fitoterápico impressionante. Medicava-se, embelezava-se e perfumava-se com plantas que ela mesma coletava. Também cuidava de quem a procurasse.

Para as mulheres indígenas e não indígenas, preparava beberagens para trazer crianças ao mundo, com direito à escolha do sexo; para “segurar homem”, para combater o ciúme excessivo dos maridos. Kalu adaptou-se ao viver Nambiquara trazendo um pedaço do Xingu para as aldeias Nambiquara. E não havia um que rejeitasse seus quitutes xinguanos!

Aprendi com Kalu algumas artimanhas indispensáveis ao gênero feminino. Kalu se foi… Silenciosa como uma folha que baila vagarosamente da copa da árvore ao chão. Ainda posso sentir sua presença no quentinho beiju de mandioca, que se feito e saboreado ao pôr do sol toma suas cores; no peixe moqueado sem sal e com pimenta do xinguana; nos belos colares de miçangas e nas estampas dos vestidos das índias. Na saudade de Raimundo Nambiquara, no Loike Kalapalo, na Luciana Kalapalo Nambiquara.

 

Anna Maria Ribeiro Costa é etnóloga, escritora, filatelista na temática ‘Povos Indígenas nas Américas’.

 

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Reportagens realizada pelos colaboradores, em conjunto, ou com assessorias de imprensa.

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