Dessas voltas que a vida dá, Papai do Céu resolveu chamar minhas duas avozinhas no mesmo dia: 31 de dezembro. A Dona Dalila, em 1991 e Dona Lola, em 2021. Entre outras coisas em comum, as duas, depois que saíram de seus sítios, não voltaram mais. Mas suas raízes ficaram fincadas profundamente.
Quem conhece a Estância Tarumã, a última morada de Vovó Lola, sabe que parece o paraíso. Não pelo luxo. Vovó nos ensinou que as coisas mais importantes da vida, não são coisas. É um lugar repleto de Jambos centenárias, caminho de Palmeiras Imperiais, com mangueiras do tamanho de prédios, macaco, ouriço, tatu, tucano, à beira do rio Cuiabá. Foi lá que eu, Flor e Joãozinho, moramos quando chegamos do Rio. Na primeira visita da dona da casa, disparei sorridente com todo charme de neto carinhoso:
– Vó! Pode confiar que vou cuidar da casa!
Ela franziu a cara e olhou nos meus olhos.
– Junior, confiança não se pede, se conquista.
Assim era vovó. Na lata. Sincera. Se algo a lhe incomodava, falava mesmo, doa a quem doer. Só assim para conseguir criar 11 filhos por ela paridos e um que criou desde de bebê. Só assim para trabalhar décadas e décadas alimentando a produção da fazenda, numa época que o agro passava longe de ser glamuroso. Lembro que na Fazenda Jaraguá, em Rosário Oeste, ela colocava um colchão na cozinha para cuidar dos netos e fazer o quebra-torto. Sim, netos de todos os lugares do Brasil se juntavam a ela no final de ano, fazendo desses encontros um dos momentos mais felizes da nossa infância. Assim era Dona Lola. Intensa. Uma leoa que lambe as crias. Adorava Roberto Carlos. Natal na sua casa sempre foi a maior festança. Gostava da casa cheia, mas não gostava de gente feia. Quando conheceu o meu sogro, virou a cabeça pra mim disfarçadamente e como já estava surda, perguntou muito alto:
– Quem que é esse bicho feio?
Fazia isso com todo mundo. Que pessoa maravilhosa Dona Lola é. Teve a vida plena. Nem remédio da pressão tomava. Até chegar à Pandemia e o Alzheimer bater duro. Essa doença é como um carro em perfeitas condições que vai perdendo a gasolina. E vai parando. Parando. Parando. A última vez que vovó viva foi lá. Tinha de ser. Levamos ela para perto da piscina. Maria deu pra ela costela. Joãozinho conversou. Tiramos fotos. Demos gargalhadas. De repente um sinal, balançando a cabeça e apontando. Eu e vovó sempre tivemos essa conexão. Não precisávamos nos falar para se entender. Soltei a cadeira de rodas. Queria ir embora. E assim foi. Com seus cabelos brancos, encaracolados.
Uma rainha sempre sabe a hora de partir.