Opinião

Animal branco: Ensine a seu povo que somos amigos

Livro à vista! A indicação de As doenças do Brasil veio de Danton, meu “irmão cult do Rio”, como a ele se refere a amiga Rosana Campos. Nunca havia estado com Valter Hugo Mãe, nascido em Saurimo, Angola. Pelo fato de abordar o solo brasileiro de maneira tão única as raízes e cicatrizes do colonialismo pelas vozes dos povos indígenas e africanos, faz uma “homenagem às pessoas dessa terra: os que aqui já estavam e os que vieram forçados; ambos fogem da fúria que extermina todos aqueles que não consegue escravizar.” Situação que ainda se faz presente na contemporaneidade, a manifestar tão vivos preconceitos.

Denílson Baniwa e Conceição Evaristo abrem para os leitores as portas do romance. O artista plástico, do povo indígena que vive no Amazonas, na fronteira do Brasil com a Colômbia e Venezuela, responsabiliza-se pela arte da capa; o prefácio da escritora dos “Cadernos Negros” abre-se à colonização portuguesa no Brasil, “sentida, vivida segundo a experiência indígena e negra.”

Chega a vez do autor do romance. Prepara o leitor com fragmentos de textos históricos que dão suporte ao cenário da trama por onde se passam os XV, XVI, XX e XXI. Fontes primárias e secundárias que se apresentam no pátio central do livro-aldeia: Pero Vaz de Caminha, Vicente do Salvador, Antônio Vieira, Davi Kopenawa e Ailton Krenak. Mas, não se deixe levar, leitor. O romance quer das fontes primárias as intensões de seus autores – indígenas e não indígenas.

Pelas vozes do indígena e do negro elucidam-se outras histórias. Outras vivências. O som da dor. Do injustificável. Vozes que diferentemente dos registros históricos fazem um audaz deslocamento: situa a pessoa indígena no centro da narrativa que escancara o genocídio promovido pela invasão europeia. Cenário, personagens, linguagem, visão de mundo são criações do autor.

Tudo começou com sua experiência com o povo indígena Anacé, habitante da Taba dos Anacés, no interior da Reserva Indígena Anacés, ainda em estudo, nos municípios de São Gonçalo do Amarante e Caucaia, região metropolitana de Fortaleza. Sua emergência étnica está estreitamente vinculada aos inúmeros empreendimentos do Complexo Industrial e Portuário do Pecém, palco de disputas de empresários do ramo imobiliário.

Como há muito tempo leitores brasileiros cobravam de Valter Hugo Mãe uma obra ambientada no Brasil, a Taba dos Anacés apresentou-se como uma ímpar oportunidade, a fazer uma relação do Brasil com Portugal. Em 2017, ao visitar o povo indígena Anacé, Valter Hugo Mãe foi recebido com cantos e danças. Em sorrisos, pediram paz. Ao lado do líder indígena Antonio Anacé, manifestou seu apoio à luta da etnia pela terra: “Sou muito pequeno para a grandeza de vossa causa. A sensação que tenho é que venho visitar o Brasil original. Vocês são de verdade os anfitriões do Brasil. Eu, sendo português, é muito simbólico, pois vocês estão aqui sem que vossa cultura tenha sido eliminada. Vocês são os proprietários desta terra, pois a respeitam.” E Anacé respondeu: “ensine a seu povo que somos amigos”.

Walter Hugo Mãe fez do encontro entre Honra e Meio da Noite sua denúncia à matança e escravização de indígenas e negros pelos “brancos” que atravessam séculos e séculos com idênticos propósitos, ainda que com novas roupagens. Outros olhos para enxergar o Brasil. Precisamos.

Anna Maria Ribeiro Costa é etnóloga, escritora e filatelista na temática ‘Povos Indígenas nas Américas’.

Redação

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Reportagens realizada pelos colaboradores, em conjunto, ou com assessorias de imprensa.

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