Jonas Salk, médico e cientista norte-americano, após lançar a primeira vacina contra a poliomielite, em famosa entrevista que concedeu em 1955, ao ser perguntado “Quem possui a patente desta vacina?”, respondeu: “O povo, eu diria. Não há patente. Você poderia patentear o sol?”, tornando-se clara a defesa de que os medicamentos devem ser acessíveis à população.
É certo que o preço dos medicamentos está diretamente ligado à existência ou não de uma patente, que é o instrumento que garante exclusividade na fabricação e venda de um medicamento, e assim, a falta de concorrentes faz com que os valores dos remédios sejam mais altos garantindo um maior lucro à indústria farmacêutica.
O problema no Brasil é que uma singularidade da legislação permite que o monopólio de um medicamento dure mais tempo do que a média mundial, posto que um artigo da Lei de Propriedade Industrial, autoriza o tempo extra às patentes caso o Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) demore mais de 10 anos para analisar um pedido. Atualmente esse mencionado órgão leva, em média, 13 anos para concluir uma análise do setor farmacêutico, ampliando para 23 anos em média, o monopólio sobre determinado medicamento.
É certo que toda patente registrada tem um tempo máximo de existência, e no Brasil, esse tempo é de 20 anos após a data de depósito da patente ou 10 anos após a data da concessão (sendo escolhida a opção mais benéfica para o titular), e, durante esse tempo, o seu titular poderá explorar economicamente o produto, seja por produção própria ou por transferência de tecnologia.
No caso dos medicamente, o titular da fórmula poderá escolher os laboratórios que produzirão aquele medicamento, e estipular uma quantia para tanto, que são os royalties.
Então, expirando a data da patente desse medicamento, sua fórmula entrará em domínio público, surgindo os conhecidos medicamentos genéricos, o que significa que todos terão acesso aos detalhes técnicos daquela invenção, e outros laboratórios poderão produzir aquele medicamento, sem pagar nada ao titular da patente, o que explica o fato dos referidos medicamentos genéricos serem mais baratos.
O parágrafo único do artigo 40 da Lei de Propriedade Industrial é o dispositivo que permite a extensão do prazo de patentes para além dos 20 anos fixados e aceitos internacionalmente, o que prejudica a concorrência e traz, por consequência, prejuízos aos cofres públicos, não medida em que o SUS poderia economizar se pudesse adquirir medicamentos genéricos a um preço mais baixo, trazendo também a opção do consumidor de poder optar pelo medicamento de referência ou outros genéricos.
O Brasil é o país que mais tempo leva, no mundo, para conceder patentes, e essa demora, causada pela ineficiência do INPI (Instituto Nacional de Propriedade Industrial), com a consequente extensão dos prazos das patentes, tem efeitos perversos para que precisa de medicamentos para tratar doenças importantes.
Esse parágrafo único do artigo 40 permite a extensão do prazo de patentes para além dos 20 anos fixados em lei, e está sendo questionado em ação, movida pela Procuradoria-Geral da República (PGR), onde argumenta que a prorrogação das patentes configura uma distorção de um benefício que era para estimular a pesquisa e inovação. Na prática, no entanto, tem mantido elevado por mais tempo os preços de medicamentos usados no tratamento de várias doenças.
Essa questão encontra em julgamento pelo Supremo Tribunal Federal, na Ação direta de Insconstitucionalidade -ADIn 5.529 de 2016, proposta pela Procuradoria Geral da Republica, que defende ser inconstitucional do artigo 40, parágrafo único da Lei de Propriedade Industrial. Vale ressaltar que essa ação reproduz uma ADIn anteriormente ajuizada pela Associação Brasileira das Industrias de Quimica Fina, Biotecnologia e suas Especialidades.
Referida ação questiona a existência de uma compensação ao depositante de uma patente, quando há demora no exame desse temporário monopólio, que decorre de inúmeros fatores, como por exemplo, a insuficiência de estrutura e reduzido número de examinadores do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), que significa dizer que, mesmo sendo o prazo de vigência da patente de um medicamento, no máximo de 20 anos, a aplicação do artigo 40, parágrafo único da LPI, pode conceder ao depositante da patente 30 anos ou mais de monopólio sobre determinado medicamento.
Está nas mãos do Supremo Tribunal Federal corrigir essa distorção.
O ponto nodal é de total interesse público na exata medida que postergar a entrada em domínio público de uma patente, seja ela qual for, com certeza acarreta um profundo impacto na sociedade em geral, no que diz respeito ao acesso à saúde, a inovação tecnológica e a promoção de concorrência.
Esse excesso de prazo para que o medicamento passe a ser de domínio público traz um impacto muito negativo, por restringir a concorrência, limitando a opção de compra a um único fornecedor, que estabelece artificialmente preços altos, inacessíveis para o consumidor já vulnerável.
A questão retira da população a eficácia dos mandamentos constitucionais de acesso à saúde, direito do consumidor e direito concorrencial.
Defender a inconstitucionalidade do parágrafo único do artigo 40 da LPI, não significa ser contrário à inovação ou o respeito ao direito à patente, mas o que se combate é o abuso decorrente da prorrogação de uso exclusivo de determinado princípio ativo por prazo superior a 20 anos, impedindo-se a fabricação e comercialização do correspondente medicamento genérico, e impondo, assim, principalmente à população mais vulnerável a indevida e injusta restrição ao acesso a medicamentos inovadores.
Pode-se dizer que a compensação de prazo, cuja constitucionalidade está sendo avaliada pelo STF nesta oportunidade, constitui um verdadeiro benefício para os depositantes do pedido de patente, pois tem o direto de explorar o medicamente inovador por prazo superior ao limite legal.
Os direitos fundamentais da população de acesso à saúde e a medicamentos inovadores está restrito em razão da inconstituicionalidade do parágrafo único do artigo 40 da LPI.
Por outro lado, a atualmente comentada ‘quebra de patente’, é corretamente chamada de “licença compulsória”, que é uma antecipação da expiração da patente, ou seja, a patente entra em domínio público antes do prazo comum, fazendo com que ocorra uma queda nos lucros do titular, considerando a possibilidade de outros laboratórios optarem por produzir o medicamento.
Tal instituto é previsto nos artigos 68 e 71 da LPI, trazendo como uma das circunstancias para a sua aplicação, os casos de emergência nacional e interesse público, e para tanto é preciso que o titular da patente transfira os dados e conhecimentos tecnológicos da inovação para outros laboratórios.
No Brasil, o primeiro caso de licença compulsória, conhecida como quebra de patente, ocorreu em 2007, com a patente do medicamento Efavirenz, utilizado no tratamento da AIDS, e foi uma medida do governo para ampliar o acesso a esse medicamento, uma vez que estando a patente em domínio público os seus custos diminuem e a oferta aumentam.
Nesses tempos de pandemia vividos por toda população, e ante a dificuldade de conter a tempo e a contento do vírus da Covid, tais discussões e providencias tornam-se urgentes e de suma importância, como forma de garantir o acesso dos cidadãos à saúde, tratamentos e medicamentos, constitucionalmente garantidos.
Olinda de Quadros Altomare Castrillon
Juíza de Direito e pós graduanda em Direito Médico e bioética pela Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo