Ê, ê, ê, ê, ê, Índio quer apito
Se não der, pau vai comer!
Ê, ê, ê, ê, ê, Índio quer apito
Se não der, pau vai comer!
Lá no bananal mulher de branco
Levou pra índio colar esquisito
Índio viu presente mais bonito
Eu não quer colar! Índio quer apito!
A sonoridade de minha infância foi ritmada pelo compasso das marchinhas, graças à minha mãe que sabia todas de cor e salteado: “Índio quer apito”, “Cidade maravilhosa”, “Ó abre alas, que eu quero passar!”, “Mamãe eu quero”, “Chiquita bacana”, “O teu cabelo não nega”, “Aurora”, “Cachaça”, “Cabeleira do Zezé”, “Turma do funil”, “Me dá um dinheiro aí” e tantas outras. Todas atemporais, passam de geração a geração com o mesmo sucesso de quando foram lançadas.
“Índio quer apito”, composição de Haroldo Lobo e Milton de Oliveira, é uma das marchinhas mais tocadas em todo Brasil. Corre pelos cantos da Internet que os versos “Lá no bananal mulher de branco/ Levou pra índio colar esquisito/ Índio viu presente mais bonito/ Eu não quero colar!/ Índio quer apito” são derivados de um fato ocorrido na Ilha do Bananal, durante uma visita de Juscelino Kubitschek e Sarah, sua mulher. Contam por aí que em “visita a uma comunidade indígena, a esposa do então Presidente Juscelino Kubitschek, Sarah, havia levado muitas bugigangas para agradar os índios. Na hora em que ela tentava colocar um colar no pescoço do chefe índio (que era bem mais alto do que ela), a primeira-dama soltou um leve ‘pum’. Aí o chefe, inocentemente, ou sacanamente, teria dito a famosa frase que passaria a circular no anedotário carioca.”
Outra versão é que não Sarah, mas “um integrante da comitiva se agachou para pegar um colar a ser oferecido ao cacique e – prrrrrf – a taba foi tomada pelo som da flatulência. O chefe indígena, que se preparava para pôr o presente no pescoço, de súbito mudou de ideia. Desinteressou-se do colar, só querendo saber do apito que tinha emitido som tão peculiar.” O indígena preferiu o apito das crianças indígenas, presente de Sarah.
No ano de 1961, o então presidente do Brasil, ao som da marchinha “Índio quer apito”, inaugurou o Hotel JK, um luxuoso balneário na Ilha do Bananal, a maior ilha fluvial do mundo. Era a garantia de uma estância de lazer, às margens do lendário rio Araguaia, destinada às pessoas abastadas de Brasília. Mas, labaredas levaram o sonho de Kubitschek. Para a etnia Karajá, habitantes seculares da região, foi o retorno do sossego da vida cotidiana, já tão sacrificada pelo contato com a sociedade não indígena.
A marchinha de Haroldo Lobo e Milton de Oliveira “Índio quer apito” é cantada em muitos carnavais, com mais de vinte regravações nas vozes de Walter Levita, Jorge Goulart, Pixinguinha, Beth Carvalho, Mr. Catra, Denis DJ, Mart’nália e tantos outros. Vale a pena escutá-los.
Se índio quer apito? Claro que quer! Diversos povos indígenas no Brasil confeccionam apitos, com diferentes materiais (cabaça, barro, conchas, madeiras). Alguns exemplares são belamente decorados com penas coloridas ou com grafismos pirografados. O apito é um aerofone, instrumento de sopro “que produz som mediante a vibração do ar soprado no interior de um receptáculo”. De uso masculino, é visto fixado em colares durante expedições de caça, “em viagens para chamar os companheiros ou como pio para atrair animais de caça”, como descreveu a antropóloga Berta Ribeiro. Errôneo chamá-lo de instrumento musical. É, sim, um importante instrumento sonoro de sinalização.