Coluna Social

Educação Afrocêntrica – Sim!

A educação afrocêntrica surge como derivação da filosofia de mesmo nome criada pelo cientista e filósofo norte-americano Molefi Kete Asante, na década de 1980. Ela parte da premissa da centralidade da África para entender o mundo. É uma proposição a partir dos elementos fundamentais das culturas, dos modos de ser e estar africanos.

A consultora educacional, escritora, professora universitária e empresária Dra. Bárbara Carine Soares Pinheiro explica o conceito: “A educação afrocêntrica busca formar nossas crianças com uma perspectiva curricular e educacional vinda das matrizes africanas que potencializam nossa existência. Ela trata de nossa relação com as pessoas, com os mais velhos e como a gente se relaciona com a natureza. Há também a perspectiva historiográfica, que não é a narrativa eurocentrada que coloca o marco fundacional africano como iniciado pela escravidão nas Américas, e sim que foram os povos africanos que fundaram a humanidade.”

A professora detalha: “Os povos africanos surgiram em África há 350 mil anos, constituíram grandes impérios, grandes civilizações, inúmeros conhecimentos científicos, tecnológicos, filosóficos, culturais e políticos. Então, a perspectiva educacional afrocêntrica busca resgatar essa potência ancestral, para caminhar em frente.”

No Brasil é difícil citar locais nos quais está em perspectiva a educação afrocêntrica porque o debate sobre o assunto é escasso. Existem leis de 2003 e 2008 que estabelecem a obrigatoriedade do ensino de História da Cultura Africana e Afro-brasileira (ameríndia) nos currículos de toda educação básica, no entanto, pouco se aplica na prática.

A consultora e professora universitária narra que fundou a primeira escola com educação afrocêntrica do Brasil, a Maria Felipa, em Salvador, na Bahia, em 2019, a partir de uma demanda educacional familiar. Ela é negra, tem uma filha negra e surgiu a preocupação com o processo formativo da criança. O nome é uma homenagem à heroína negra, Maria Felipa de Oliveira, escrava alforriada, pescadora que lutou pela independência da Bahia e passou à História como Maria Guerreira.

Dra. Bárbara define a Maria Felipa como uma escola afrocentrada, antirracista, afro-brasileira. “Em nosso entendimento, mesmo sendo Salvador a Cidade mais negra do mundo fora do continente, nós sentimos que havia uma carência muito grande. Carência de pessoas negras no espaço de poder, carência de ver como a estética negra é representada no ensino e no sentido curricular.“

“Então nos perguntamos: que história, quais conhecimentos, a partir de quais marcadores, as entidades socializam as crianças. Todos esses elementos ajudam a compor a subjetividade, o psiquismo e a identidade da criança. Hoje, grande parte da existência da escola é num contexto remoto de pandemia. Mas estamos com bravura tentando manter o projeto de pé.

A escola funciona no ensino infantil e este ano começou o 1º ano do fundamental. Ela segue a legislação federal, estadual e municipal bem como os padrões curriculares nacionais. Porém, com um olhar analítico como esclarece a consultora educacional. “Não reproduzimos estereótipos brancocêntricos , eurocêntricos, racistas, machistas, dentro da construção pedagógica da escola. “

“Procuramos educar a criança para que ela reconheça que a sociedade é diversa e que é bom viver num ambiente assim, é bom festejar a diversidade. É importante saber que somos muito singulares e belos em nossas particularidades. Que temos elementos culturais e fenotípicos que nos diferenciam, e que isso não é para ser visto como algo menor.”

A filosofia africana dos povos Akan traz o elemento de Sankofa, que ilustra esse lugar da importância do afrocentramento da educação. Sankofa (sanko =voltar, fa=esqueceu) literalmente “voltar ao que foi esquecido”. Isso significa buscar o que ficou para trás para ressignificar o presente.

A educadora elucida que o estabelecimento preza pelos conhecimentos clássicos já estabelecidos, mas é feito um resgate de aprendizados ancestrais indígenas e africanos. “A escola parte desse marcador. Somos constituídos por três grandes marcos civilizatórios. A população africana e povos da diáspora, povos indígenas e a população européia. E a partir dessas bases, da perspectiva decolonial a gente busca desconstruir paradigmas e perspectivas sociais muito cristalizadas que criam hierarquias sócio-raciais a que muitos de nós fomos submetidos ao longo de nossas vidas. E lutamos hoje arduamente pela superação desses contextos.”

Dra. Bárbara deixa claro que o local não é para crianças negras e sim para toda família. Quem quiser educar seus filhos a partir da perspectiva anti- opressiva terá na escola um espaço acolhedor.

Embora com pouco tempo de vida, a Escola Maria Felipa já é conhecida no exterior por afroestadunidenses e africanistas com quem mantém diálogos enriquecedores.

Para a consultora: “O fundamental da educação afrocêntrica é essa construção da identidade a partir de uma ancestralidade que nos positiva. Geralmente, pessoas negras e pessoas indígenas constroem sua identidade, principalmente as negras, no contexto da diáspora, a partir de uma ótica de negação. Então a branquitude constrói as teses sobre quem nós somos e nós passamos a vida negando essas teses. Eles dizem que somos propícios ao crime, dizem que somos feios, que somos vadios, que somos menos inteligentes e para tudo isso, nós dizemos que não somos.”

Ela elucida: “A gente passa a vida inteira orbitando em torno da negação desse constructo social, ocidental. E a educação afrocêntrica vai colocar o acento em nossa construção subjetiva, não no ocidente, não na negação do racismo, mas na perspectiva da beleza da constituição subjetiva de nossos antepassados. Então, a gente olha para a África e a partir desses marcadores ancestrais africanos dizemos quem somos e não nos construímos a partir de um processo de negação. E sim por um processo de afirmação positiva de nossa existência através de nossa ancestralidade.”

Bárbara Carine Soares Pinheiro é mãe, mulher negra cis, nordestina, professora, escritora, empresária, formada em Química pela UFBA, mestre e doutora em Ensino de Química pela (UFBA/UEFS). Atualmente professora adjunta e vice-diretora do instituto de Química da UFBA.

*Marisa Marega é jornalista

… interessantíssimo! Fora  racismo. Fora preconceito, já!

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Reportagens realizada pelos colaboradores, em conjunto, ou com assessorias de imprensa.

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