Opinião

Decreto que agrada a todos

     (Em inédito acordo, autoridades mantêm restrições, mas desobrigam os cidadãos de respeitá-las)

Segundo fontes confiáveis, as autoridades de Mato Grosso chegaram a um entendimento para anunciar conjuntamente, a assinatura de um decreto inovador.

Na fraternal reunião, em clima de visível confiança, como só acontecer entre o Prefeito da Capital e o Governador do Estado, ficou decidido divulgar um documento para acabar com as dúvidas da população sobre proibições na pandemia. Nele condensariam tudo o que foi decretado até então por um e por outro, para que nada comprometesse o bom humor dos inseparáveis amigos.

Como previsto, este decreto não sofreu nenhuma rejeição da população. Os baladeiros que reclamavam da inconstitucionalidade dos toques de recolher noturnos, alegando seu inegociável direito de ir e vir, não acharam qualquer inconveniente no novo documento. Os empresários, da mesma forma, concordaram de imediato com a clara redação e aplaudiram os mandatários com entusiasmo.

Apenas uma meia dúzia de mal-humorados, daqueles que vivem reclamando de tudo, protestaram diante do aumento descontrolado da pandemia, agora segundo eles, potencializados pelas novas decisões. Imediatamente foram ridicularizados pela maioria, chamados por uns de bolsonaristas radicais; por outros de petistas corruptos e por todos de idiotas.

A ideia do novo decreto que contentou a todos veio da observação de um desconhecido que a soprou ao mesmo tempo para o Prefeito e para o Governador, porque se um desconfiasse que a proposta era do outro, o doce desandava.

Antes, o esperto criador lembrara a ambos que desde o início da pandemia o entendimento geral tem sido que uma decisão da União pode ou não ser seguida pelos estados, e que resoluções dos estados não se sobrepõem às dos municípios.

“Diante disso” – dissera o cidadão anônimo – “basta ampliarmos este raciocínio para as cidades e todos ficarão felizes.”

“Mas como?” espantaram-se ao mesmo tempo o Prefeito e seu fiel amigo, o Governador, ambos ávidos de se livrarem do ônus de contrariar os eleitores.

Aí, didaticamente, o desconhecido explicou a tese e encarregou-se de redigir o decreto, que seria entregue exatamente ao mesmo tempo para ambos.

Terminado o texto e analisado pelos secretários de cada um, foi enfim assinado simultaneamente pelas duas autoridades, que se abraçaram emocionadas.

A tese era simples: como os políticos vivem dizendo que o cidadão não mora na União, nem no Estado, mas sim no Município e por isso só deve obedecer imposições deste último, ignorando as dos dois primeiros, a grande sacada seria expandir este conceito.

“Ótimo” – disseram as autoridades – “como não pensamos nisso? É só ampliar essa hierarquia, pois antes de morar na cidade o indivíduo reside no bairro; mesmo dentro deste, vivem em condomínios; e os condomínios têm casas, onde finalmente habitam as pessoas.”

“Vocês entenderam perfeitamente” concordou o anônimo – “com essa medida as decisões da União, dos estados e dos municípios terão que ser confirmadas pelos presidentes dos bairros, pelos síndicos dos condomínios e, por último, aceitas pelos moradores”.

“Será que não é inconstitucional?” indagara o prefeito.

“É, mas quem liga pra isso?” – respondeu o anônimo – “nós só estamos flexibilizando o direito do cidadão descumprir as normas e decretos que vocês baixam toda semana e que ninguém respeita mesmo.”

Renato de Paiva Pereira – empresário e escritor

renato2p@terra.com.br

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