Falar sobre alimentação envolve muitos mitos, mas o que se sabe é que ela é responsável por vários efeitos físicos e psicológicos, afetando a qualidade de vida do indivíduo. A nutricionista Ana Laura de Almeida Dias concedeu uma entrevista ao Circuito Mato Grosso para tirar dúvidas sobre uma alimentação saudável e deu dicas sobre o que fazer diante do aumento dos preço dos produtos alimentícios.
Confira:
Circuito Mato Grosso: O que é considerado uma alimentação saudável?
Ana Laura: Uma alimentação saudável, segundo a Organização Mundial da Saúde, envolve critérios tanto individuais, quanto populacionais. Então o que pode ser saudável para um, não necessariamente será saudável para outro. Em geral, uma alimentação saudável deve cumprir alguns critérios, como quantidade necessária, ou seja, um aporte calórico necessário para atender a necessidade energética do indivíduo, ela deve ter qualidade, uma variedade de alimentos como frutas, verduras e legumes, se possível frescos, na sua forma mais integral. A exclusão de alimentos industrializados, a redução do consumo de alimentos ricos em sal, açúcar e farináceos, tudo isso pode ser considerado uma alimentação saudável para diversas pessoas, para grupos populacionais e indivíduos.
Circuito Mato Grosso: Como manter um bem-estar alimentar?
Ana Laura: A manutenção de um bem-estar alimentar envolve a realização de boas escolhas. Todos os dias fazer boas escolhas alimentares, como alimentos mais frescos, na sua forma mais natural possível, a escolha de alimentos da sua região, alimentos da estação, são algumas estratégias que utilizamos para sempre manter o corpo saudável, mas a saúde é algo muito dinâmico. Vão ter períodos que você vai ter um bem-estar e tem períodos que não, o que tem que fazer sempre é buscar o equilíbrio.
Circuito Mato Grosso: Quais são os principais erros que geralmente cometemos ao se alimentar?
Ana Laura: Existem inúmeros erros. Eu acho que um dos grandes erros que as pessoas cometem ao se alimentar é a “monotonia alimentar”. É sempre comer as mesma coisa, sempre ter os mesmos alimentos no prato. Isso faz com que se tenha pouca oferta de nutrientes para o organismo. O corpo se torna carente de nutrientes.
O segundo erro que eu acho bem comum é a questão da mastigação. As pessoas não mastigam atualmente, é um consumo de alimentos muito rápido. Isso faz com que a maior exigência do corpo, principalmente do trato gastrointestinal, seja fazer a digestão e metabolização desse alimento, fazendo com que haja um grande gasto de energia.
Um outro grande erro é basear a sua alimentação em consumo de alimentos industrializados, alimentos prontos, congelados. Isso faz com que se tenha um grande consumo de produtos alimentícios que já foram processados, perderam sua característica integral, tem uma baixa quantidade de nutrientes e uma alta densidade energética, ou seja, são alimentos calóricos.
Circuito Mato Grosso: Como a alimentação afeta o bem-estar físico e emocional?
Ana Laura: Uma boa escolha alimentar envolve o consumo de alimentos que possuem uma matéria-prima essencial para o bom funcionamento do nosso corpo, que é o caso de cereais integrais, das proteínas provenientes das carnes, dos peixes, dos vegetais, das leguminosas, das castanhas, entre outros. Se eu tenho uma alimentação pobre em alimentos, pouco variada, uma alimentação que se baseia em alimentos industrializados, com o passar do tempo pode afetar o nosso físico e também nosso emocional.
De que maneira? Faltando nutrientes para que a gente tenha disposição, para que a gente possa ter um bom funcionamento do trato gastrointestinal, afeta o nosso emocional de maneira que algumas pessoas apresentam sintomas de ansiedade, dificuldade de aprendizagem, baixa memória, algumas são muito mais propensas a um quadro depressivo e isso também está relacionado a uma baixa reserva orgânica.
O que é uma baixa reserva orgânica? É um corpo que não tem nutrientes, está em desequilíbrio nutricional, porque tem uma alimentação pobre, que vai dificultar com que esse corpo funcione bem, com que ele tenha força, energia, para também ter boa disposição física e resiliência emocional, que é a capacidade de enfrentar o estresse, de tomar decisões.
Pessoas carentes de vitamina B12, por exemplo, podem ter a memória ruim, tem maior propensão a estados depressivos, tem dificuldades de raciocínio mais rápido e tomadas de decisões, justamente porque são carentes de vitamina B12.
Então os desequilíbrios e as deficiências nutricionais são responsáveis sim por manifestações físicas e emocionais.
Circuito Mato Grosso: O que uma má alimentação pode causar?
Ana Laura: Uma alimentação ruim pode proporcionar uma série de doenças, como doenças autoimunes, hipertensão, diabetes, alterações gastrointestinais, como gastrite, refluxo, constipação, diarréia. Também são responsáveis por alterações relacionadas a reprodução, como a dificuldade na gravidez, a infertilidade em mulheres e homens. Também tem uma forte relação da má alimentação com doenças neuro degenerativas e neuro cognitivas, como ansiedade, depressão, síndrome do pânico, Alzheimer, Parkinson.
Todas essas doenças tem como a base uma má alimentação, por um longo período de tempo. São desequilíbrios nutricionais que, quando são contínuos, são responsáveis pelo surgimento de inúmeras doenças.
Circuito Mato Grosso: Como a pandemia afetou a alimentação da população?
Ana Laura: Do ponto de vista da alimentação como um todo, eu acredito que as pessoas, por conta da ansiedade, por toda a situação que estamos vivendo, estão se alimentando mais. A preferência por alimentos que tentem sanar a ansiedade, então é a escolha por aqueles que vão proporcionar a sensação de calma e conforto, como os doces, farináceos, as comidas mais práticas e rápidas.
Outra questão é a mudança no padrão nos horários das refeições. Algumas pessoas estão ficando acordadas até mais tarde e isso está surgindo um consumo de alimentos pela madrugada ou um jantar mais tarde. Isso prejudica muito o padrão hormonal, padrão digestivo, porque o nosso corpo segue um certo padrão, uma certa resposta no consumo de alimentos de maneira que quando surgiu a pandemia e as pessoas modificaram seu ciclo, dormindo mais tarde e acordando mais tarde, modificou o horário de alimentação das pessoas e isso prejudica.
Circuito Mato Grosso: Qual é o maior problema enfrentado ao se falar em alimentação saudável?
Ana Laura: O maior problema que a gente enfrenta ao falar de alimentação saudável é evitar generalizações. Quando a gente fala de uma alimentação saudável, a gente deve considerar o indivíduo, para quem está sendo sugerido essa alimentação. O ser humano é único, indivisível, não existe ninguém igual e isso deve ser considerado. O ser humano é muito complexo, envolve questões genéticas, comportamentais, ambientais, culturais e alimentares. Toda a historia dela deve ser levada em consideração.
A gente tem um excesso de informações, tem aquela questão de que a alimentação saudável é rica em alimentos light, diet, exclui glúten, tira leite, ovo faz mal, ou coloca alimentos que não são regionais, que a população não tem acesso, como mirtilo, cranberry, e não é assim. A alimentação saudável deve considerar a particularidade do indivíduo, a sua realidade, suas condições.
Circuito Mato Grosso: Qual é o momento que o paciente deve procurar um nutricionista?
Ana Laura: O nutricionista pode atuar na prevenção e no tratamento de doenças. O momento de procurar um nutricionista é quando você já nota certos sintomas, certas alterações corporais ou até mesmo emocionais, estão surgindo na sua vida. Por exemplo, a dificuldade com o sono, cansaço extremo, dificuldade de concentração, aftas frequentes, alterações gastrointestinais, alergias, enxaqueca, coceira no ouvido, no nariz, garganta sempre com pigarro. Todas essas alterações presentes na vida da pessoa, é um indicativo de um desequilíbrio emocional, um desequilibro que muitas vezes a pessoa desconhece e não sente a necessidade de procurar um profissional, e quando ela já tem alguma alteração, algum sintoma, é necessário procurar um nutricionista para fazer os ajustes alimentares, a suplementação quando necessária, para melhorar esses sintomas.
Circuito Mato Grosso: Quais são os primeiros passos que uma pessoa pode seguir para começar a mudar os hábitos alimentares?
Ana Laura: O primeiro passo é a decisão. É a pessoa decidir por ter uma alimentação saudável, por fazer boas escolhas. É algo que a pessoa fez a escolha com tal poder de firmeza, de compromisso com ela mesma, que não será qualquer pequena contrariedade, pequena situação que vai faze-la se desmotivar da decisão.
O segundo passo é planejamento. Se você não se planeja, há grande chances de você falhar, por conta dos compromissos, das grandes atividades que todo mundo tem.
O terceiro passo é a rotina. O nosso corpo funciona a base de uma estrutura e precisa de rotinas para que eu tenha uma boa produção hormonal, de enzimas, de neurotransmissores para que o corpo funcione bem. Quando eu falo de rotina, eu falo de dormir cedo, ou estabelecer um horário para dormir e acordar, a rotina de se hidratar adequadamente, a rotina de exercitar-se, a rotina de separar um momento de viver sua espiritualidade, visto que é importante que o homem se olhe para dentro e conheça o seu corpo.
O individuo que quer começar a se alimentar bem, precisa ter um certo preparo e um forte poder de decisão para que possa fazer isso. A simples inclusão de alimentos saudáveis, sem se orientar, sem se programar, tem uma grande chance da pessoa desistir, de não ver os efeitos, não ter a motivação necessária para seguir em frente com essa alimentação.
Circuito Mato Grosso: Atualmente os produtos alimentícios estão cada vez mais caros e muita gente não consegue manter uma boa alimentação, o que pode ser feito? O que é mais barato e pode substituir alguns alimentos?
Ana Laura: Sim, realmente os produtos alimentícios ficaram mais caros, a alimentação natural ficou mais cara, mas eu acredito que isso não é desculpa para não fazer uma boa alimentação. Eu já atendi por muito tempo no SUS (Sistema Único de Saúde), e vejo que pessoas carentes, que não tem condições financeiras, acabam comprando alimentos caros, como fardos de refrigerante, pacotes de bolachas, pacotes de macarrão, e fala ‘não tenho alimentação saudável, porque não tenho dinheiro’, e não é essa a verdade. Alimentação saudável é arroz, feijão, carne, verdura e isso todo mundo consegue ter acesso. O que deve ser feito é a disseminação de uma alimentação saudável, de conhecimento.
As vezes a pessoa tem em casa pé de frutas, hortinhas e não utilizam, deixa morrer. Isso é falta de conhecimento.
A busca de feiras nos bairros e supermercados da região, buscar alimentos regionais, tudo isso você não vai estar só favorecendo o seu corpo com nutrientes saudáveis, como vai estar contribuindo com o agricultor da região, vai incentivar a agricultura local. A alimentação saudável não é cara, isso é mito.
Se o pacote de arroz está caro, vamos consumir mandioca, mandioquinha, inhame, começar a consumir farinhas, consumir outras fontes de carboidrato, consumir ovo, frango, peixes… Vamos buscando alternativas para substituir alguns alimentos que estão mais caros.
Uma alternativa também é o incentivo da plantação em casa. Existem inúmeras formas de plantar no vasinho, no quintal, plantar raízes, tomate, rabanete, banana, outras coisas. É incentivar as pessoas a plantarem, a ter sua hortinha. São escolhas, tudo são prioridades na vida.