Esta crônica, antes de qualquer intenção, deseja homenagear Vinícius Trindade, baiano de 19 anos. Na sessão da meia-noite do dia 23 deste fevereiro, o jornal Globo News trouxe uma história singular de um jovem poeta. Em tempos de pandemia, o país com um assustador número de 251.498 mortes por Covid-19 e que não cessa de crescer, a reportagem sobre o poeta destoou do conjunto de notícias daquele dia.
Vinícius Trindade, morador de Salvador, no bairro Dom Lucas Moreira Neves, passou a ler poesia em ônibus, coletivo ou buzu, como ele costuma chamar, circulando pelas ruas da cidade durante boa parte do dia. O poeta Vinícius inicia sua jornada de trabalho ao parar um ônibus e acenar ao motorista com um livro na mão: Bom dia pai, posso entrar? Contando com a gentileza do condutor do veículo que abre a porta de saída para o rapaz entrar, livrando-o do pagamento da passagem. Inicia seu discurso com um cumprimento aos passageiros: Olá pessoal! Bom dia! Neste coletivo, trago cultura. Então, espera aí que eu preciso de sua atenção. Alguém aí já leu poesia? Eu quero saber. Passarei aí atrás para recolher cobres, papéis rasgados. Pode ser uma fruta, um biscoito. Um livro. Aí, gente, eu sou fanático por livro.
Meu pai, coitadinho,
Vivia sem cobre
E o filho do pobre
Não pode estudar.
Ao ser entrevistado pela jornalista do Globo News, usando máscara vermelha, Vinícius Trindade responde: Rapaz! Quando olho minha comunidade, fico lembrando da época que eu era pivete, de brincar, de ficar pulando. Mas, também, lembro de muitos amigos meus que foram embora. Outros escolheram caminhos controversos… Aí fica meio difícil de analisar esta situação. Dá saudade. Mas, aí, ainda bem que eu escrevo poesia.
Um poema de Castro Alves (1847-1871), também nascido em Salvador, é recitado no buzu pela jornalista que acompanhou Vinícius Trindade em uma de suas viagens. O poeta do buzu, que vive em condições de vulnerabilidade social, a escutar atentamente uma das poesias do livro Espumas Flutuantes, escrito em 1870, faz dos livros sua morada, seu trabalho para conquistar um mundo mais justo e ter condições de transformar a realidade de desigualdade social em que vive.
Oh! Bendito os que anunciam livros
À mão cheia.
E manda o povo pensar!
O livro, caindo n’alma
É germe – que faz a palma
É chuva – que faz o mar.