O TCU (Tribunal de Contas da União) cobrou do Ministério da Saúde informações sobre a distribuição de cloroquina produzida para controle da malária que acabou remetida a pessoas com Covid-19. O tribunal deu dez dias para o ministério informar nomes, CPFs e cargos de responsáveis por ampliar a produção e por fazer a mudança no objetivo do programa de malária.
A cobrança do TCU se estende à Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), responsável pela fabricação do medicamento. A instituição tem dez dias para informar o volume de aquisição de sal difosfato para produção de cloroquina entre 2017 e 2020; a quantidade produzida; se a droga para malária acabou sendo destinada a Covid-19; e a razão para um aditivo que ampliou a produção em dezembro.
O despacho do TCU foi assinado na última sexta-feira (12) pelo ministro Benjamin Zymler, responsável por processos que investigam ilegalidades na distribuição de cloroquina pelo governo de Jair Bolsonaro. O medicamento não tem eficácia comprovada para Covid-19, e é o carro-chefe do governo no combate à pandemia.
Zymler já havia cobrado no começo da semana informações do Laboratório Químico Farmacêutico do Exército, que também produziu cloroquina para o Ministério da Saúde: 3,2 milhões de comprimidos, a um custo de R$ 1,16 milhão. Uma auditoria do TCU apontou ilegalidade no uso de recursos do SUS para irrigar estados e municípios com o medicamento.
A nova determinação do TCU, para que Ministério da Saúde e Fiocruz apresentem explicações, foi baseada em revelações feitas pelo jornal Folha de S.Paulo em duas reportagens publicadas na quarta (10) e na quinta (11).
A primeira reportagem revelou que documentos do ministério, enviados ao MPF (Ministério Público Federal), registram o uso de recursos públicos emergenciais na fabricação de 4 milhões de comprimidos de cloroquina pela Fiocruz. O dinheiro foi liberado pela MP (medida provisória) nº 940, assinada por Bolsonaro em 2 abril de 2020.
A MP criou créditos extraordinários para ações de combate à Covid-19. Segundo um documento de 29 de junho, parte dos recursos -R$ 70,4 milhões- foi usada pela Fiocruz para fabricar cloroquina e o antiviral Tamiflu, ambos sem comprovação de eficácia para Covid-19.
Depois, em 6 de outubro, um segundo documento do ministério confirma a mesma informação e registra que a fase era de aquisição dos medicamentos.
Tanto o Ministério da Saúde quanto a Fiocruz negaram que a aquisição da cloroquina tivesse sido concluída. E afirmaram que o medicamento se restringia ao programa nacional de controle da malária.
Mas, um terceiro documento, elaborado no último dia 4 e também enviado à Procuradoria da República no DF, contradiz essa posição.
Um termo de execução descentralizada foi concretizado entre o ministério e a Fiocruz, em março de 2020. O termo previu uma aquisição de 3 milhões de comprimidos. Depois, houve um aditivo em dezembro, para mais 750 mil. Foram gastos R$ 258.750, segundo o ministério.
"A aquisição desse medicamento foi planejada e instruída para atendimento ao programa de malária. Entretanto, com o advento da pandemia pelo novo coronavírus e dadas as orientações de uso pelo Ministério da Saúde, este medicamento passou a ser disponibilizado no SUS, em 27/03/2020, também para uso no contexto Covid-19", cita o documento do dia 4.
"As distribuições foram realizadas aos estados, Distrito Federal e municípios conforme o número de casos de Covid-19 registrados no boletim do Ministério da Saúde e também com base nas solicitações enviadas pelas secretarias estaduais e municipais de Saúde", continua o ofício.
O TCU determinou que o ministério informe se a cloroquina fabricada pela Fiocruz foi utilizada no combate à Covid-19 e se o dinheiro da MP nº 940 custeou essa produção. O tribunal também quer saber por que houve um aditivo, para mais 750 mil comprimidos, em dezembro de 2020.
O despacho do ministro Zymler pede ainda informações sobre critérios de distribuição aos estados, quantitativos e datas de entrega. O ministério deve informar se houve prejuízos ao programa nacional de controle da malária com o uso da cloroquina para Covid-19 e qual é o estoque do medicamento para combater a primeira doença.
Em nota divulgada na quinta, o Ministério da Saúde afirmou que as aquisições feitas estiveram dentro do "patamar médio" de anos anteriores à pandemia.
A Fiocruz, também em nota na quinta, afirmou que não houve produção do medicamento com uso de recursos da MP nº 940.
"Farmanguinhos produz o medicamento cloroquina 150 mg apenas para atendimento ao programa nacional de prevenção e controle de malária, a partir de solicitações do Ministério da Saúde há quase 20 anos."
Por meio do termo de execução descentralizada, foram entregues 3 milhões de comprimidos em março de 2020 e 750 mil, em janeiro de 2021, disse a fundação. "O termo e o aditivo não têm qualquer relação com a MP nº 940 ou com o tratamento de pacientes de Covid-19."