Discordo dos que defendem o impeachment do Presidente Bolsonaro. Não que admire o seu governo – como bem sabem os que leem meus artigos – mas porque, como adepto do utilitarismo, tendo a valorizar as ações que possam trazer vantagens para a maioria das pessoas, e o impedimento não é uma delas.
Movimentos se espalham pelo País pedindo que o Congresso instale um processo de afastamento, aceitando um dos mais de 50 pedidos que estão parados na mesa do Presidente da Câmara.
Entretanto são pequenas as possibilidades de sucesso das carreatas e manifestações, pois para haver um impedimento precisa existir uma adesão popular muito grande, o que, definitivamente não ocorre no Brasil neste momento. Também, pesa a favor do Presidente a provável mudança no comando da Câmara e do Senado a partir de fevereiro. O Centrão – a quem Bolsonaro está “cedendo os anéis (ministérios, estatais, cargos e emendas) para preservar os dedos” (manter-se no cargo) deverá comandar as duas casas a partir do dia 2/2 e pagará o apoio presidencial recebido, evitando o impeachment, ainda que provisoriamente.
Além disso, o momento é totalmente inoportuno, e como diz o ditado “no meio do brejo não é hora de trocar de cavalo”. De brejo estamos envolvidos por todos os lados, principalmente com a lama da pandemia, em claro e perigoso repique.
Neste momento em que o Presidente começa a dar alguns sinais de apoiar a vacinação, não convém afrontá-lo, mesmo porque, atacado, pode ter reações destemperadas. Ele que sempre criticou, ironizou e desmereceu a vacina chinesa, nesta semana agradeceu a “sensibilidade do governo chinês” quando este anunciou o envio de matéria prima para o Butantan. Além dessa boa notícia vinda da China, o governo interessou-se subitamente pela Sputnik V que está sendo produzida no Brasil.
Ao contrário de parte da imprensa que ignorou essa mudança do Presidente – preferindo falar de leite condensado – devemos louvá-lo pela atitude de melhorar o relacionamento com a China, com a Índia e com a Rússia.
O Bolsonaro é um acidente de percurso, vidas é que importam. Se ele agora resolveu melhorar ou recuperar sua avaliação política em queda, aderindo à vacina, ótimo. Como bons consequencialistas, o que nos importa neste momento é administrar a pandemia.
Mesmo que o preço a pagar pela universalização da vacina no Brasil seja a reeleição de Bolsonaro, acho que podemos arriscar. Na atual situação, quando o número de mortes pela covid ultrapassa 1.400 pessoas por dia, nada, absolutamente nada, é mais importante que a imunização.
Se o Capitão, mesmo que tardiamente e por motivos menos nobres, virou um defensor da vacinação coletiva, devemos aplaudi-lo, deixando para a justiça o julgamento dos atos de responsabilidade que porventura tenha praticado.
Mas muita água passará debaixo da ponte até 2022, e nada garante que os políticos que o Bolsonaro cooptou, não satisfeitos com os anéis que ele está cedendo, exijam também os dedos. Ou seja, o Centrão, tendo recebido todos os favores combinados, pode descartar o Bolsonaro sem nenhum pudor, pois a fidelidade não é uma de suas virtudes. Se é que tem alguma.
Renato de Paiva Pereira – empresário e escritor