Paraíso turístico e terceira maior baía do Pantanal, a Baia de Chacororé, localizada no município de Barão de Melgaço (110 km de Cuiabá), perdeu mais da metade de sua área em 2020.
Os dados foram obtidos pelo Instituto Centro de Vida (ICV) em colaboração com uma pesquisa da Universidade do Estado de Mato Grosso (Unemat). A análise avaliou a extensão da água na baía entre os anos de 2016 e 2020.
Em setembro de 2016, a baía apresentava uma área coberta por água de 6,2 mil hectares, enquanto em novembro de 2020 atingiu apenas 2,5 mil hectares, o correspondente a uma redução de 59% de sua cobertura no período anterior.
Para a análise, foram utilizadas imagens do satélite Sentinel, que mostraram pouca variação na baía entre os anos de 2016 a 2018.
“Houve uma ligeira redução em 2019 e a maior e mais significativa redução em 2020”, afirma Vinícius Silgueiro, coordenador do Núcleo de Inteligência Territorial do ICV.
O mapeamento, explica Vinícius, foi realizado ao final do período de seca, época em que o nível da água atinge seu menor nível e possibilita a análise pelo uso de imagens de satélite pela pouca presença de nuvens.
Seca severa e ação humana
Uma das principais causas para o índice foi a severa seca sofrida pelo Pantanal no ano passado. De 2019 a 2020, dados do Instituto Nacional de Meterologia (INMET) mostram que houve uma redução de cerca de 50% no volume de chuvas em todo o bioma.
“Isso exerceu influência, então existe essa correlação”, comenta o engenheiro florestal.
O acontecimento somou-se a outros fatores. Um deles foi o arrombamento de uma barragem construída na década de 1990 com o intuito de impedir o escoamento da água na área para a vizinha Baía de Siá Mariana.
O dique foi derrubado para facilitar a navegação entre as baías pelos moradores locais, de acordo com a professora e pesquisadora da Unemat, Dra. Carolina Joana da Silva.
“Havia uma interação no período da cheia, mas com esse dique essa transição foi interrompida. Só podia ser feita com o período de extrema cheia. Em outros períodos, o barco tem que ser carregado de uma baía para a outra”, explica a professora que realiza pesquisa na região há anos.
Em 2021, a Unemat aprovou uma Pesquisa Ecológica de Longa Duração (PELD) pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) na região. O projeto tem como instituições parceiras o ICV, a Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), a Universidade Federal do Pará (UFPA), Universidade Federal de Rondonópolis (UFR) e o Museu Paraense Emílio Goeldi.
Alguns corixos, como são denominados canais de água que surgem na época de cheia, que ligam a baía ao Rio Cuiabá também sofrem um processo de assoreamento causado pela construção da uma estrada na região.
“Sem essa conexão e por essa extrema seca, houve uma perda muito grande de massa d’água”, resume.
As pastagens que agora ocupam o que antes era água, afirma a professora, correspondem a um processo natural do bioma. “O Pantanal responde rápido. Com a seca, fica dessa forma. Se encher de novo, rapidamente tudo se renova com as herbáceas aquáticas rapidamente.”
Uma equipe técnica da Secretaria de Meio Ambiente de Mato Grosso (SEMA/MT) realizou uma vistoria nos principais pontos de entrada da água na baia e planejar ações emergenciais.
Foram identificadas as pontes a serem reformadas e os principais corixos a serem desobstruídos, limpos e recuperados para o abastecimento da baía pelo Rio Cuiabá.
A professora Carolina Joana também relembra que mesmo com a manutenção das condições ideais para o funcionamento do sistema, a baía ainda sempre vai sofrer os efeitos da crise climática, que impacta diretamente o pulso de inundação com as alterações no regime de chuvas.
Impacto Socioambiental
Para a pesquisadora, a baía é um sistema ecológico com o direito de manter-se vivo e que a solução do conflito socioambiental perpassa pela identificação dos serviços ecossistêmicos da baía em funcionamento adequado.
São cerca de 40 comunidades tradicionais na região, das quais cerca de 10 são influenciadas diretamente pela água da Baía de Chacororé.
“A baía favorece a segurança alimentar dessas comunidades pela pesca e pode ter geração de renda pelo turismo, por isso é importante avaliar os direitos de quem dependem do sistema para a sobrevivência”, diz.
A pesca, uma das principais atividades de subsistência entre as comunidades, é impactada diretamente pela seca na área. “Quanto maior a inundação, se ocupa uma área maior, mais produtiva pela dispersão de habitat e melhor para a pesca.”
A especialista avalia a importância da conservação da biodiversidade incluir a questão social e cita a importância da recuperação da flora para as comunidades na região após os incêndios no Pantanal no ano passado.
“Se existe uma recuperação das espécies de árvores frutíferas, existe alimento para o peixe, que simboliza segurança alimentar nas comunidades. É preciso trabalhar com a manutenção dessa rede e manter a conexão das comunidades com o sistema ecológico”, afirma.