Jurídico

Para depor, Pazuello terá privilégio que foi negado a outros ministros e autoridades

Ao determinar a abertura de inquérito policial para investigar a responsabilidade do ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, sobre o colapso do sistema de saúde pública de Manaus, o ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, concedeu ao general um privilégio negado a outras autoridades em situação semelhante: o de escolher local, dia e hora para depor. Em regra, um ministro de Estado tem esse direito somente quando é testemunha em um inquérito ou ação penal — não quando é investigado.

Na última segunda-feira (25/01), Lewandowski instaurou o inquérito a pedido do procurador-Geral da República, Augusto Aras. Encaminhou o processo à Polícia Federal, fixou prazo de 60 dias para a conclusão das investigações e deu cinco dias para que o ministro da Saúde seja ouvido sobre suas ações diante da situação calamitosa que se verificou nos hospitais da capital do Amazonas, onde pessoas diagnosticadas com Covid-19 morreram sem conseguir respirar por conta da falta de cilindros de oxigênio.

Por considerar que as investigações estão em "fase ainda embrionária", Lewandowski determinou que a inquirição de Pazuello seja feita nos moldes do artigo 221 do Código de Processo Penal (CPP). O artigo determina que o presidente e o vice-presidente da República, os senadores e deputados federais, os ministros de Estado, entre outras autoridades, "serão inquiridos em local, dia e hora previamente ajustados entre eles e o juiz". O parágrafo primeiro do texto legal ainda determina que "o presidente e o vice-presidente da República, os presidentes do Senado Federal, da Câmara dos Deputados e do Supremo Tribunal Federal poderão optar pela prestação de depoimento por escrito".

O artigo, contudo, fica no capítulo VI do CPP, que estabelece os procedimentos relativos às testemunhas. Não se aplica a autoridades investigadas ou acusadas de cometer crimes. Decisões recentes do Supremo Tribunal Federal negam à autoridade investigada o direito de escolher como e onde depor, independentemente da fase da investigação, embrionária ou avançada.

Em junho do ano passado, por exemplo, o ministro Celso de Mello negou pedido feito pelo então ministro da Educação, Abraham Weintraub, para depor em local e hora escolhido por ele. Weintraub era investigado pela prática de racismo contra os chineses. Além de insinuar que a Covid-19 seria parte de um plano da China para "dominar o mundo", o ex-ministro da Educação ridicularizou o que pensa ser o sotaque chinês, usando o defeito de fala que celebrizou o personagem Cebolinha dos quadrinhos de Maurício de Souza.

Segundo a decisão de Celso de Mello, a prerrogativa de ajustar os meios para depor é exclusiva de autoridades ouvidas como testemunhas e "não se estende nem ao investigado nem ao réu, os quais, independentemente da posição funcional que ocupem na hierarquia de poder do Estado, deverão comparecer, perante a autoridade competente, em dia, hora e local por esta unilateralmente designados". 

Em maio de 2016, o ministro Teori Zavascki rejeitou pedido feito pela defesa do então presidente do Senado, Renan Calheiros, para que ele pudesse depor por escrito em inquérito que apurava suspeitas de corrupção e lavagem de dinheiro. Zavascki afirmou, na ocasião, que a prerrogativa "é aplicável ao parlamentar a ser ouvido no processo ou investigação como testemunha, não como investigado". O senador Renan Calheiros teve de depor pessoalmente.

Em outra decisão do Supremo, de 1999, em inquérito que tinha como investigado o então senador Luiz Estevão, o ministro Celso de Mello decidiu que a prerrogativa do artigo 221 do CPP "não se estende aos parlamentares, quando indiciados em inquérito policial ou quando figurarem como réus em processo penal".

Os debates em torno da extensão do artigo 221 do Código de Processo Penal ganharam força no ano passado com a decisão do ministro Celso de Mello de não permitir que o presidente da República, Jair Bolsonaro, depusesse por escrito no inquérito que apura se ele tentou interferir no comando da Polícia Federal para proteger familiares e aliados investigados pela PF. Em seu voto, Celso de Mello menciona artigo do procurador Vladimir Aras a respeito do assunto.

Em outubro, o plenário do Supremo começou a analisar o tema. O então decano do STF, primeiro a votar, afirmou que o chefe de Estado não tem a opção de prestar depoimento por escrito quando estiver sob investigação criminal. Após o voto de Celso de Mello, o julgamento foi suspenso. No final do ano passado, o presidente Luiz Fux marcou a retomada da análise da questão para o dia 24 de fevereiro de 2021.

Pouco dias antes de Fux marcar o julgamento, o ministro Alexandre de Moares, que assumiu a relatoria do processo, decidiu que Bolsonaro não pode, antecipadamente, se recusar a depor. De acordo com a decisão, não cabe ao investigado decidir, de forma prévia e genericamente, a possibilidade de ter ou não de cumprir procedimentos durante a investigação criminal ou a instrução processual penal.

No caso do presidente da República, a questão do depoimento por escrito ou presencial se tornou controversa no Supremo por conta de decisões dos ministros Luís Roberto Barroso e Edson Fachin, que em 2017 permitiram ao presidente Michel Temer depor por escrito em dois inquéritos que tramitavam na Corte.

No voto que proferiu pouco antes de se aposentar, o ministro Celso de Mello se referiu às duas decisões dos ministros Barroso e Fachin, mas insistiu em seu ponto. Quando investigada, nenhuma autoridade, nem mesmo o presidente da República, tem o direito de depor por escrito ou escolher data, hora e local onde será ouvido.

Clique aqui para ler a decisão (ministro Lewandowski)
INQ 4.862 (Eduardo Pazuello)

Clique aqui para ler o voto do relator (ministro Celso de Mello)
Inq 4.831 (Jair Bolsonaro)

Redação

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