A tragédia ambiental da seca em parte do Pantanal mato-grossense em pleno período de chuvas, pode mais ter mais de um culpado, conforme os estudos preliminares feitos por técnicos ligados ao meio ambiente e também informações de ribeirinhos, que vivem no local e sobrevivem do bioma. Estiagem, pouca vazante do Lago do Manso, desvio do curso das águas em propriedades e obras de infraestrutura feitas pelo próprio Governo do Estado podem estar na origem do problema.
Na visita feita in loco por uma comitiva de políticos, liderada por deputados, prefeitos e vereadores, na Baía de Chacororé, que fica no município de Barão de Melgaço (distante 114km de Cuiabá), que está em total seca desde março de 2020, foi constatada que a falta de chuva e a regulação correta das compotas de Manso, para contribuir para a cheia ideal do Rio Cuiabá, seriam justificativas da seca em pleno período chuvoso.
Ribeirinhos contaram aos parlamentares e mostraram fotos que revelam o desvio do curso de rios que abasteceriam corixos. Segundo eles, essa seria a causa principal da seca em parte do Pantanal. O que se sabe até agora é que parte da baía, eu deveria estar alagada, está podendo até ser usada como pista de caminhada ou de estrada para carros e motos.
Devastação
Em sobrevoo pela área afetada, é possível ver que até uma barragem foi feita. A parte da baía que fica do lado do Rio Cuiabá, principal braço dos corixos da região, está com água, mas do lado das barragens a sequidão é vista de longe. Uma verdadeira devastação.
Enquanto contava a história para a imprensa, a prefeita de Barão de Mengaço, Margareth de Munil, chorou. “Se ninguém ajudar, vamos perder isso, que é nosso maior patrimônio”, relatou aos prantos.
Moradores da região praticamente suplicam por ajuda da classe política. Em entrevista ao Olhar Direto, o presidente da Câmara de Santo Antônio de Leverger, Rômulo Queiroz (PV), e que é morador de Mimoso, onde também tem parte da Baía de Chacororé afetada pela seca, disse que a construção de estradas por parte do Governo do Estado e aterramento de corixos, ajudam a deixar o Pantanal mais seco.
“Tem a questão da seca e do Manso que não está regulando a água direito. Tem os corixos obstruídos, que precisam ser limpos, por conta das interrupções de vazantes e tem também as obras da Sinfra, que fizeram obras e ainda por cima aterraram alguns pontos de corixos. Tudo isso precisa ser investigado”, explicou o vereador.
Na divisa feita pela barragem da Chacororé não é possível chegar a pé ou de carro, apenas de barco ou de avião e helicóptero. Acompanhado pelo Ciopaer, Olhar Direto esteve na área exata e de cima flagrou as consequências da falta de água em parte da baía.
Corixos e rios devastados
Sabendo da situação das barragens feitas em plena baía e também do fechamento de corixos e de vazantes, a reportagem foi até alguns pontos da famosa Estrada Verde, que liga Mimoso a São Lourenço de Fátima, na região do Pantanal de Rondonópolis. Nos primeiros quilômetros de estrada nova, já era possível ver o assoreamento, devastação ambiental e ainda por cima o aterramento de corixos. Entulhos estão expostos em barrancos de vazantes e outros já estão dentro da água.
O Rio Mutum, que é a principal vazante, ou braço, da Baía de Siá Mariana, que é colada na Baía de Chacororé e ainda sobrevive com todo território navegável, já têm espaços que estão rasos e, se nada for feito, poderá chegar à seca em breve.
A reportagem percorreu pelo menos 45 km de Barão até Mimoso e chegou ao primeiro corixo, do Rio Mutum. O repórter fotográfico Rogério Florentino fez imagens aéreas de drone que indicam que trecho do rio acabou sendo desviado para obras de pavimentação e dois corixos acabaram assoreados.
Tem culpado?
Para o deputado Allan Kardec (PDT), que liderou a comitiva e é natural da região de Santo Antônio e Pantanal, o acúmulo de entulhos causará um verdadeiro devaste ambiental futuro, nos pontos que foram construídos a nova rodovia MT-140, famosa estrada verde.
“Dá pra ver de longe que a situação da baía tem sim alguns culpados. Em construções, ou na construção da nova rodovia, quem sofre é o Pantanal. Há acúmulo de sedimentos pelo depósito de terra, areia, argila, detritos etc., na calha de um rio e na baía. Tudo isso pode ter consequência direta de enchentes pluviais”, explicou o deputado.
Allan frisou que o gargalo que causa a seca na baía já foi georreferenciado. O que precisa ser feito agora é uma limpeza ao redor da baía e também nas vazantes, rios, corixos e principalmente nascentes.
“A baía totalmente seca nunca aconteceu na história. A Sema e a Sinfra precisam tomar providências urgentes. Quais são elas: limpeza dos corixos e nascentes d‘água que abastecem as baías de Chacororé e de Siá Mariana. São aproximadamente 20 pontos interditados por barragens ou com aterros. Precisa limpar para que pare de alagar esses espaços acima da baía e passe a irrigar a baía e lá voltar a ter água. Isso é pelo menos 50% do que precisa ser feito para agora”, frisou Kardec ao Olhar Direto.
Muitos moradores da região de Porto de Fora e Mimoso preferem não falar, mas uma senhora disse que quase todos os habitantes do local que têm suas terras ao lado da rodovia nova fizeram uma represa com a água do rio para que pudesse ter dentro de sua propriedade um pouco de água para criação de peixe ou até mesmo para lazer.
“Eu sei de pelo menos 30 moradores aqui que fizeram isso. O rio mudou o curso mesmo. A gente sabia que ia ser assoreado, então cada um cercou como pôde”, disse a mulher, que preferiu não se identificar.
No km 10 da rodovia, logo após a rotatória que liga a pista até o Distrito de Porto de Fora, foi visto uma espécie de galpão da empresa que está construindo a pista. Na placa do governo está escrito que a obra custou mais de R$ 19 milhões. A situação parece ser para a chegada do turismo futurista da região, mas a devastação da natureza é presente.
Mais à frente, numa área que fica ao lado do Rio Mutum, um último corixo pode ser avistado. Ele também é, ou era, um dos braços do Rio Mutum que abastecia a Baía de Siá Mariana, mas também está obstruído e, mesmo estando ao lado do Rio, ele está morrendo. Siá Mariana, por sua vez, ainda está alagado e navegável, mas se estudos não saírem do papel, a área será o espelho de Chacororé em curto período.
Posicionamento do Governo do Estado
Após saber da situação da Baía de Chacororé, a Secretaria de Meio Ambiente se posicionou e disse que irá realizar ações desde a baía até pontes e construção da rodovia da MT-140.
Nas imediações da estrada conhecida como Estirão Cumprido, que margeia a baía, serão identificados novos pontos que necessitam de abertura para a passagem da água.
Outra ação a ser realizada ainda durante a vistoria é a identificação das pontes que precisam ser reformadas e dos corixos que precisam ser desobstruídos, além do que já pode ser realizado para a limpeza e recuperação desses locais. Entre eles, estão os corixos Caiçara e da Uva, por exemplo, necessários para a entrada da água do rio Cuiabá afim de abastecer a Baía Chacororé.
Já o trecho na rodovia MT-140, entre Porto de Fora e o Morro do Meio, também será vistoriado para a definição de quais estruturas terão que ser instaladas para a passagem da água, a fim de melhorar o escoamento rumo à baía.
Todo esse levantamento vai subsidiar o plano de ações a ser executado pelo Governo de Mato Grosso, bem como encaminhado aos órgãos de fiscalização, como o Ministério Público do Estado, e de proteção ambiental para equacionar a recuperação da área.