A existência de relação de subordinação entre agressor e vítima, decorrentes da tenra idade, imaturidade física ou psicológica da vítima não afasta a competência da Vara da Violência Doméstica.
Com esse entendimento, a Câmara Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo declarou a competência da Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher para julgar uma ação penal por estupro de vulnerável. O crime teria sido praticado por um avô paterno contra seus dois netos menores de idade.
O conflito negativo de jurisdição foi suscitado pela Vara de Violência Contra Infante, Idoso, Pessoa Com Deficiência e Tráfico de Pessoas em face da Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, que recebeu os autos originalmente, mas declinou da competência por entender que "os delitos se deram em razão da tenra idade dos ofendidos e não em razão de gênero".
A Câmara Especial do TJ-SP discordou desse entendimento, em votação unânime, com base nos artigos 2º e 5º da Lei Maria da Penha. Conforme a relatora, desembargadora Lidia Conceição, para que um ato criminoso atraia a aplicação da Lei Maria da Penha, é necessário que seja cometido contra a mulher, no âmbito de relação familiar, doméstica ou íntima, em razão do gênero da vítima.
"A legislação específica será aplicada somente quando a violência for praticada por ser vítima mulher, mas sim quando a violência, sob qualquer forma, for perpetrada contra uma mulher no exercício de um papel social comumente atribuído às pessoas do sexo feminino. E este é o caso em tela", afirmou a magistrada.
A relatora também observou que a acusação versa sobre crime de gênero praticado mediante violência doméstica e familiar com a opressão da mulher (neta) decorrente da desigualdade de forças entre as partes e da vulnerabilidade da vítima (adolescente, à época, com 14 anos). Assim, o caso é de competência da Vara de Violência Doméstica.
"No que concerne à vítima do sexo masculino (neto do acusado), à época com 7 anos, denota-se que o crime fora cometido no mesmo contexto fático local com a vítima mulher (ambos em situação manifesta de vulnerabilidade), fatos ocorridos tanto em tempos distintos, quanto de forma simultânea, no âmbito doméstico e familiar. Nesse passo, se constata da aplicação dos efeitos do instituto da conexão instrumental, uma vez que a prova de uma infração influi diretamente (ou de algum modo) na apuração da outra (interdependência probatória dos crimes – artigo 76, inciso III, do Código de Processo Penal), de modo a ensejar o julgamento conjunto", completou.
Processo 0015976-52.2020.8.26.0000