O Supremo Tribunal Federal (STF) começa a julgar nesta sexta-feira se os estados podem cobrar impostos sobre heranças e doações nos casos em que o doador vive em outro país, mas o beneficiário reside no Brasil. A causa é bilionária.
Somente em São Paulo, que concentra a maior parte dos casos em disputa na Justiça, o governador João Doria estima que uma decisão favorável representará um reforço de R$ 5,4 bilhões ao caixa do estado. Em todo o país, há mais de 300 processos sobre o tema parados à espera de uma definição do STF.
O assunto ganhou importâncias depois das notícias dando conta de uma família paulista que está em litígio por ter recebido do exterior herança de R$ 48 bilhões e briga pelo não pagamento de R$ 2 bilhões em impostos.
O caso em julgamento no STF diz respeito a um recurso do governo paulista contra uma decisão do Tribunal de Justiça (TJ) do estado que proibiu a cobrança do ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação) sobre um imóvel localizado na Itália e herdado por um morador do Brasil.
O recurso chegou ao STF, onde ganhou repercussão geral. Na prática, isso tem dois efeitos. O que for decidido precisará ser observado por juízes e tribunais de todo o país em casos semelhantes. E, em segundo lugar, processos do tipo ficaram paralisados até uma definição do STF.
Segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), alimentados pelos tribunais locais, há 337 processos do tipo parados. A grande maioria, 306, é de São Paulo. Há ainda 12 do Paraná, sete de Santa Catarina, cinco do Rio Grande do Sul, três do Distrito Federal, dois de Minas Gerais e dois do Rio de Janeiro.
O julgamento no STF é no plenário virtual, em que os ministros não debatem entre si e colocam seus votos no sistema eletrônico da Corte, com prazo para terminar em 3 de novembro.
A Constituição estabelece que cabe aos estados recolher impostos sobre doações e herança. Diz também que uma lei complementar federal regulará essa cobrança quando os recursos são provenientes do exterior.
O problema é que até hoje não há essa lei complementar, que precisa ser aprovada pelo Congresso. Assim, o STF vai analisar se, enquanto não houver lei federal, os estados podem determinar a cobrança do imposto.
A repercussão geral do caso foi reconhecida pelo STF em junho de 2015. Na época, o relator, ministro Dias Toffoli, destacou em seu voto: “Como, até o presente momento, essa lei complementar não foi editada, surge a discussão relativa à possibilidade de os estados tributarem aquelas situações especificamente ressalvadas na Constituição Federal.
Várias legislações estaduais preveem a incidência do ITCMD nesses casos, o que já demonstra a transcendência dos interesses envolvidos no litígio.”
Na quarta-feira, de passagem por Brasília, Doria teve audiência com o presidente do STF, ministro Luiz Fux. Ele disse que foi uma visita de cortesia, mas também tratou de temas de interesse de São Paulo, entre eles o julgamento sobre a cobrança de ITCMD sobre doações vindas do exterior.
Na saída, em entrevista coletiva, ele falou da importância do caso para os cofres paulistas.
— Nós temos uma causa aqui de R$ 5,4 bilhões em julgamento. R$ 5,4 bilhões significa uma diferença expressiva para o Fisco de São Paulo e para o equilíbrio fiscal no momento dessa pandemia. Fizemos uma reforma administrativa depois de intensos debates durante três semanas na Assembleia Legislativa para proteger R$ 7 bilhões para a saúde, educação, habitação e segurança pública. Portanto um processo que representa R$ 5,4 bilhões para São Paulo é bastante significativo — disse Doria.
O advogado Marcelo Bessa, que atua na área tributária, destaca que, na transmissão de imóveis, pode haver um conflito entre as leis brasileiras e as estrangeiras, não cabendo, na avaliação dele, tributação no Brasil, uma vez que todo o processo se dá no exterior.
No caso de doação financeira em que o dinheiro sai do exterior e vem para o Brasil, há um “fato gerador” que torna mais fácil a possibilidade de tributação no país, mas isso é algo que também precisa ser esclarecido.
Ele citou ainda um outro expediente usado para evitar a cobrança de impostos no país. É aberta uma empresa no exterior para controlar bens no Brasil. Posteriormente, há uma transferência de controle dessa empresa, que está sediada no exterior, numa espécie de doação disfarçada.
Ele avalia que, embora essa situação seja diferente do caso que está sendo julgado, que diz respeito à doação de imóveis, é possível que o STF estabeleça uma tese para contemplar essa situação.
— Acontece, não é raro, estenderem além do caso concreto e estabelecerem uma tese que também venha a regular, contemplar outras situações, que não especificamente aquela do leading case [o caso principal em julgamento]. É possível. Até acho que é o que vai acontecer, um pouco pelo grande burburinho dos estados, que estão dizendo que estão perdendo bilhões de reais — disse Bessa.