No dia 13 de dezembro de 2020 comemora-se 20 anos de criação da carreira de gestor governamental em Mato Grosso. A Lei nº 7350/2000 estabelecia que a carreira seria responsável pela execução das atividades de formulação, implantação e avaliação de políticas públicas e assessoramento técnico na Administração Pública Estadual. Na definição preconizava que o gestor governamental é o profissional com curso superior, capaz de analisar e avaliar as ações do setor público brasileiro, ter visão prospectiva, dimensão institucional, sensibilidade administrativa, habilidades gerenciais, dimensão ética e espírito crítico. Para os dias atuais, em razão das profundas mudanças no ambiente de trabalho poderíamos acrescentar outros atributos, tais como: empatia; resiliência; capacidade de liderar equipes e colaboração.
Nestes 20 anos de história a carreira de gestão governamental em Mato Grosso percorreu muitas idas e vindas, vitórias e percalços, oscilações comuns num período de profundas mudanças institucionais. Basta dizer que tivemos nesse período 5 governadores, a carreira foi criada no governo de Dante de Oliveira, cada um com seu programa de governo, e, assim, com mudanças no modo de gerir e conduzir o Estado. A principal característica destes profissionais que se adaptaram às mudanças e participaram ativamente da evolução do serviço público é a persistência. Persistir é manter a constância, perseverar, acreditar e buscar meios para que consiga alcançar suas metas e concretizar seus sonhos. Nas palavras de Charles Chaplin (1889-1977): A persistência é o menor caminho do êxito. A persistência é um qualidade que nos acompanha antes mesmo de tomar posse, pois a aprovação em concurso público exige tempo e esforço, contudo, não é o fim do caminho, somos uma carreira em constante evolução e temos a necessidade de buscar novos conhecimentos e novas soluções para os problemas da gestão pública, incessantemente.
Em razão de estarmos sempre buscando novas soluções somos considerados uma carreira de sonhadores. Mas, “viver é melhor que sonhar”, escreveu Belchior (1946-2017). Inicialmente uma ideia ou proposta pode parecer apenas um sonho, algo não factível ou irreal, ou seja, impossível. Mas, isso é só no início. Cumpre-nos remar contra a maré. Insistir. Tornar o sonho real. Depois, quando se concretiza, ouvimos que conseguimos porque fomos perseverantes, decididos e por isso realizamos. Os que ousam vivem essa situação o tempo todo, num momento são utópicos e noutro são geniais porque realizaram algo inovador, num prazo super apertado, coisa fora do comum. A grande questão é o que fizeram nesse intervalo, entre a proposição e a realização. Nesse processo crucial onde gerimos os ânimos; dirimimos as incertezas; mantemos o foco; traçamos o caminho a ser percorrido para concretizar os objetivos. Nesse momento de gestão dos recursos humanos, materiais e financeiros, existe a atuação, imprescindível, do profissional com capacidade de liderança; empatia; firmeza; coragem e foco. Existe a atuação do gestor ou gestora governamental.
Dessa maneira, a carreira de gestão governamental, se configura como uma das carreiras mais desafiadoras e desafiadas do serviço público. As cobranças, metas e objetivos traçados sempre encontram a resposta adequada nos resultados apresentados. Só neste ano a AGGEMT – Associação dos Gestores Governamentais de Mato Grosso divulgou ações e projetos desenvolvidos por este profissional em diversos órgãos, com atuação na gestão e implementação de políticas em áreas sociais prioritárias. Fomos premiados pelo Consórcio Brasil Central com dois projetos ousados e inovadores, na área de infraestrutura, primeiro colocado, e sistemas de gestão, terceiro colocado. Atuamos fortemente em planejamento governamental na formulação; na gestão estratégica e no monitoramento da ação governamental. Assim, nossa atuação é diversificada, porém, focada em atividades onde o Poder Público deve estar presente por uma disposição constitucional, evidenciando, assim, nossa condição de carreira típica de Estado. Carreiras típicas são aquelas criadas para atender à uma finalidade própria do Estado, uma função estatal, por isso, são atividades que não podem e não devem ser prestadas pelo setor privado ou exercidas atendendo regras especificas deste setor. O texto do Projeto de Lei nº 3351/2012 apresentado pelo Deputado João Dado (PDT-SP) estabelecia que no âmbito do Poder Executivo, seriam consideradas carreiras típicas de Estado aquelas exercidas pelos militares; policiais federais; policiais rodoviários e ferroviários federais; policiais civis; guardas municipais; membros da carreira diplomática e fiscais de tributos; e as relacionadas às atividades-fim de fiscalização e arrecadação tributária; previdenciária e do trabalho; controle interno; planejamento e orçamento; gestão governamental; comércio exterior; política monetária nacional; supervisão do sistema financeiro nacional; e oficiais de inteligência (grifo nosso). O referido PL foi arquivado em 2015 em razão da tramitação nas comissões da Câmara Federal ter ultrapassado a legislatura de 2014, sem votação em plenário, nos termos do artigo 105 do Regimento Interno da Casa. Essa discussão veio à tona de novo com a apresentação da reforma administrativa pelo Governo Federal, PEC n.º 32/2020, versando em vários dispositivos a respeito de cargos típicos de Estado. Na mensagem encaminhada pelo Ministro da Economia Paulo Guedes consta a seguinte definição: “São previstos cinco tipos de vínculos jurídicos com o Estado: (…) (iv) cargo típico de Estado, com garantias, prerrogativas e deveres diferenciados, será restrito aos servidores que tenham como atribuição o desempenho de atividades que são próprias do Estado, sensíveis, estratégicas e que representam, em grande parte, o poder extroverso do Estado”. Em razão disso, tal definição deve ser uma das primeiras medidas pós reforma, por meio de lei complementar, uma vez que define quem são e o que fazem os ocupantes desses cargos. Embora o texto da reforma ainda seja passível de análise e revisão pelo Congresso Nacional, temos que nos adiantar no conceito, em atendimento ao interesse público. Dessa forma os servidores das carreiras típicas de Estado devem ter garantias que os diferenciem, tais como: estabilidade funcional; irredutibilidade salarial e critérios de avaliação diferenciados dos demais servidores. A FONACATE – Fórum Nacional da Carreiras Típicas de Estado, em seu caderno “Reforma Administrativa do Governo Federal – Contornos, Mitos e Alternativas”[1], estabelece as condições para a construção de uma reforma administrativa democrática e republicana: 1 – estabilidade na ocupação, conquistada por critérios impessoais e meritocráticos para a proteção contra arbitrariedades cometidas pelo Estado-empregador; 2 – remuneração adequada e previsível ao longo do ciclo laboral; 3 – qualificação elevada e capacitação permanente no âmbito das funções precípuas dos respectivos cargos e organizações; e 4 – cooperação interpessoal e intra/inter organizacional como critério de atuação e método primordial de trabalho no setor público.
Ressalta-se no estudo a importância da cooperação interpessoal e intra/inter organizacional emerge como consequência dos demais fundamentos citados na proposta da entidade, colocando-se – ao invés da competição – como critério substancial de atuação da administração pública e método primordial de gestão do trabalho no setor público. Cita o estudo que no setor privado, a competição, disfarçada de cooperação, é incentivada por meio de penalidades e estímulos individuais pecuniários no ambiente de trabalho, em função da facilidade relativa com a qual se pode individualizar o cálculo privado da produtividade, dos custos e ganhos monetários por trabalhador. No setor público, segundo a análise, ao contrário, a operação de individualização das entregas (bens e serviços) voltadas direta e indiretamente para a coletividade é tarefa metodologicamente difícil, ao mesmo tempo controversa, pelo fato de que a função-objetivo do setor público não é gerar lucro, mas sim valor social, cidadania e bem-estar para o conjunto da população. Por esta e outras razões, conclui a tese, a cooperação (ao invés da competição) é que precisa ser incentivada e valorizada no setor público. Enfim, a colaboração deve ser a tônica da atuação estatal e deve ser defendida pelos servidores públicos em todas as áreas.
É comum o Estado priorizar a redução da despesa em relação ao aumento da receita. Cortes e congelamentos são comuns. Principalmente porque o senso comum é que o Estado gasta mal. A defesa de um setor público reduzido é a pauta principal de alguns atores políticos e por vezes de alguns setores da sociedade. Valendo-se disso, uma entidade patronal estadual, vinculada ao agronegócio, passou a veicular na mídia a defesa da reforma administrativa e a sua priorização em detrimento das discussões em relação às demais reformas, principalmente em relação à reforma tributária, que até este momento está em espera, sendo ainda formulada pelos técnicos do governo federal e discutida por alguns líderes do parlamento. A reorganização da legislação tributária encontra, assim, maiores resistências. Tal reforma tributária para ser efetiva deveria ter como ponto de partida a simplificação dos impostos; a extinção daqueles que incidem sobre o consumo; tratar das desonerações; das isenções; dos incentivos fiscais; estabelecer a tributação sobre lucros e dividendos; e, por fim, instituir o imposto sobre grandes fortunas, mediante lei complementar, nos termos do artigo 153, VII, da Constituição Federal. Talvez por isso a entidade citada não queira a reforma tributária primeiro, uma vez que a confusão em relação aos tributos cobrados no país favorece a conduta dos que se aproveitam dela e dos protegidos pela legislação. Nas palavras de Voltaire (1694-1778): “A arte de governar geralmente consiste em espoliar a maior quantidade possível de dinheiro de uma classe de cidadãos para transferir a outra.” Nesse sentido, os profissionais liberais; os autônomos; os empregados formais; os pequenos e médios empreendedores e os servidores públicos são os espoliados, pois não conseguem fugir das garras do leão. Não há justiça fiscal se os mais pobres ou assalariados financiam as atividades dos mais ricos. Por isso o cidadão deve defender a reforma tributária primeiro.
Nessa perspectiva, não é fácil defender um Estado eficiente, organizado e em condições de fazer frente às demandas sociais, pois, convivemos com uma deslealdade intelectual, visto que, as mesmas entidades que defendem o Estado desidratado exigem investimentos públicos em infraestrutura e segurança, por exemplo, ou, em outras palavras, a presença do poder público, sem a devida contrapartida, uma vez que são ardorosos defensores de benefícios fiscais; isenções e anistias. Ou seja, menos Estado para os outros, somente.
Por fim, parabenizamos, mais uma vez, essa carreira de gestão governamental em Mato Grosso, pelos 20 anos de história e conquistas, pelo trabalho e empenho, pela busca da melhoria constante do serviço público e das políticas públicas, pela perseverança e obstinação, pela resiliência e força de vontade. Estamos todos de parabéns e somos todos vencedores das batalhas do dia a dia. Vamos continuar trabalhando pelo serviço público e pela sociedade mato-grossense.
Agno Francisco Solon Vasconcelos, servidor público estadual, gestor governamental, bacharel em economia e advogado. É diretor presidente da AGGEMT – Associação dos Gestores Governamentais de Mato Grosso.