“Fica a saudade, a raiva e a dor por terem tirado a vida do meu pai dessa forma covarde”. O advogado Karlos Lock revela um misto de sentimentos ao falar de seu pai, o empresário Carlos Lock, que morreu há exatamente um ano vítima de um latrocínio em frente a uma agência do Banco Itaú, na Avenida Fernando Corrêa, em Cuiabá.
Carlos Lock deixou esposa, filhos e netos na noite do dia 3 de outubro de 2019, quando não resistiu aos tiros que levou dos bandidos que o abordaram para roubar seu dinheiro, dois dias antes. Desde então a família convive com a constante falta de um dos elos mais importantes, descrito como base e inspiração por seu filho Karlos.
Mesmo após um ano, apenas dois dos envolvidos no assalto estão presos. Outros dois permanecem foragidos – um deles ainda não foi nem identificado pela Polícia. Segundo Karlos, esta falta de respostas faz com que a família viva cercada por constante insegurança, principalmente em relação aos bandidos que permanecem a solta. O advogado explica que a sensação é como se algo estivesse a espreita e o sentimento que fica é o da impunidade.
“Fico com medo, por causa da minha mãe, irmã, esposa e filho. Porque, na verdade, informações partiram de dentro do nosso convívio e a gente não sabe quem é essa pessoa que foi cúmplice dos bandidos. Ela ainda pode estar do nosso lado e isso deixa a sensação de medo”, explica.
Karlos ainda conta que um dos bandidos chegou a ser preso, mas acabou liberado pelo antigo delegado do caso, que entendeu que ele não estava envolvido no flagrante. Quando o caso já estava na mão de outros investigadores, concluiu-se que o criminoso havia atuado no crime, ajudando os autores do latrocínio na fuga. O mandado de prisão foi expedido, mas o acusado já havia sumido do mapa.
O dia do crime
Os bandidos abordaram o empresário na manhã do dia 1° de outrubro de 2019 enquanto ele estava na porta giratória da agência bancária. Na ocasião, Lock carregava uma maleta de dinheiro e depositaria a quantia em sua conta, mas foi surpreendido pelos assassinos. Em uma cena descrita como covarde pelo filho, os criminosos atiraram no peito do empresário. E enquanto tentaram levar o dinheiro, deram o segundo tiro, fugindo na sequência.
“Meu pai estava de joelhos quando levou o segundo tiro. Apesar de ter sido publicado em alguns lugares que ele reagiu, na verdade ele somente tentou não entregar a bolsa, mas não houve agressão. Ele não fez nada e simplesmente esse cidadão atirou e esse segundo disparo o matou”, afirma.
Lock ficaria dois dias internado em estado grave e acabaria morrendo na noite de 3 de outubro.
Karlos lembra que estava em seu escritório quando recebeu a ligação do amigo do seu pai, que o acompanhava no dia do crime. Ocupado, ele não conseguiu atender a ligação, mas em seguida um inquilino de seu pai telefonou e então o advogado ficou sabendo. “Olha, Karlos seu pai levou um tiro lá no Banco Itaú”, foram as palavras que ele ouviu do outro lado da linha. Sua mãe já havia sido avisada e estava no local.
No entanto, sua mãe ligou durante o trajeto afirmando que não era para ele ir até o local e sim procurar saber quem havia cometido o crime. Para Karlos, seu pai tinha convicção de que alguém de seu convívio era cúmplice da ação. Porque não havia como saber aleatoriamente que ele ia naquele horário no banco, já que era costume ele fazer depósitos em diversas agências diferentes.
O filho conta que Lock foi socorrido rapidamente pelo Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu), assim como afirma que se surpreendeu com a excelência do trabalho da equipe do Pronto Socorro, que atuou no primeiro atendimento de seu pai. Antes de ser transferido, ele passou por duas cirurgias, depois foi encaminhado para o Hospital Santa Rosa, onde passou por mais um procedimento cirúrgico. Apesar de todos os esforços, o empresário não resistiu à brutalidade dos tiros que levou e acabou falencendo.
“Isso mudou nossas vidas completamente. Hoje a gente não consegue sair à noite, ter uma vida social, ir para os lugares sem estar preocupados com bandidos. Temos a necessidade de ter um carro blindado pelo medo constante de pensar que tem alguém nos seguindo ou que alguém vai nos assaltar. Todos sofrem até hoje, foi uma experiência traumática.”, relembra.
Karlos conta que vive com constantes incógnitas em relação ao dia do assalto, inclusive em relação aos seguranças que trabalhavam no local no momento do ocorrido. O advogado relembra que não houve ação rápida dos agentes, que esperaram até o segundo disparo para reagir e tentar atirar contra os bandidos.
Segundo eles, nos primeiros depoimentos, os seguranças afirmaram que não reagiram e alegaram que ficaram paralisados pelo acontecimento. No entanto, a omissão revoltou a família, que confiava no serviço oferecido pelo banco onde ocorreu o fato, mas se decepcionou com a falta de preparo com equipe que poderia ter evitado a morte de seu pai, caso tivessem agido rapidamente.
Começo do julgamento
Na última quarta-feira (30), ocorreu a primeira audiência de julgamento dos dois criminosos que estão presos, sendo um deles o que atirou no empresário e o outro que deu apoio ao crime. Segundo o advogado, neste primeiro momento foram ouvidas quase todas as testemunhas do caso, porém ele não pôde acompanhar na íntegra, pois o processo corre em sigilo.
A próxima etapa será o momento de apresentar os laudos das investigações e iniciar a oitiva dos criminosos detidos. O inquérito do caso foi finalizado pelo delegado Gulherme Fachinelli, porém ele chegou a pedir um inquérito complementar para apurar e conseguir identificar os outros envolvidos no crime.
Apesar de haver suspeitos foragidos, o advogado reconhece o esforço da Polícia em conseguir identificar e prender os autores e elogia a atuação do delegado do caso. Ele ainda afirma que não só tem esperança, como certeza que os bandidos foragidos serão detidos e cumprirão as sentenças que merecem.
“São bandidos de alta periculosidade, fichados por crimes de tentativa de homicídio, furto, roubo, tráfico de drogas. Não dá pra entender como eles não estavam presos. A única coisa que a gente espera é que todos sejam identificados e que a pena seja compativel com a gravidade do crime que eles cometeram”, afirma.
Sentimento da família
Após um ano sem a presença constante entre os familiares, o filho lamenta o sentimento de perda inestimável e a falta constante que o pai faz no convívio com sua família. Para ele é uma dor que nunca vai embora e que deixa sequelas até hoje entre aqueles que amavam Lock.
“É algo que não passamos um dia sem lembrar. Quando ocorreu a prisão dos criminosos, deu um alívio, mas também voltou todos os sentimentos angústia e saudade. E quando participei da audiência foi a mesma sensação”, explica.
O advogado ainda relata que sempre manteve uma relação amorosa e de admiração com o pai e que se sente grato por ele ter conseguido conhecer o neto, filho de Karlos, dias antes de sua morte. Apesar de a convivência ter durado menos de um mês, ainda foi o bastante para construir um laço com o neto o qual ajudou a escolher o nome.
“Tudo que eu sou hoje aprendi com meu pai, não é aquela história de que ‘ morreu virou um santo’, tudo que faço espero que meu filho no futuro tenha o mesmo orgulho que tinha do meu pai. Se conseguir chegar a isso estarei realizado”, finaliza.